O major-general Milhais de Carvalho, principal arguido na Operação Zeus, negou hoje ter recebido dinheiro proveniente do esquema de sobrefaturação nas messes da Força Aérea, sublinhando que nunca foi o "líder de um grupo de bandidos".
"Quero negar completamente todas as acusações. Estou de peito aberto para colaborar com a justiça. Já decorreu bastante tempo sobre os factos e este processo. Reafirmo o que está na minha contestação: estou inocente, nunca fui corrupto, nunca falsifiquei nenhum documento, e muito menos fui o líder de um grupo de bandidos. Os prejuízos para a minha vida particular já foram bastante intensos e só quero que isto se resolva rapidamente", afirmou o arguido, agora na reserva, na primeira vez que falou em todo o processo.
A Operação Zeus conta com 68 arguidos - 30 militares (16 oficiais e 14 sargentos) e 38 civis, entre empresas e pessoas individuais. Pela sobrefaturação na aquisição de bens alimentares e matérias-primas para a confeção de refeições nas messes da Força Aérea e do Hospital das Forças Armadas, os militares recebiam dinheiro e presentes dos fornecedores, em função da intervenção de cada um.
O arguido, que esteve sete meses em prisão preventiva e é considerado pelo Ministério Público como o "cabecilha" deste esquema fraudulento, disse que, em dezembro de 2011, ainda com o posto de coronel, assumiu interinamente o cargo de diretor da Direção de Abastecimento e Transportes (DAT), no Estado Maior da Força Aérea, em Alfragide, sendo promovido no ano seguinte a major-general.
"Um dos motivos que mais me preocupou ao longo do processo judicial foi perceber porque é que estava aqui e porque é que me estavam a fazer isto", assumiu hoje Milhais de Carvalho perante o coletivo de juízes.
A presidente do coletivo de juízes, Susana Marques Madeira, perguntou ao major-general se recebeu alguma quantia monetária, algum envelope com dinheiro ou algum cabaz de Natal, provenientes ou através do alegado esquema de sobrefaturação.
"Nego profundamente ter recebido ou ter dado qualquer dinheiro. Nunca recebi dinheiro de ninguém nem nunca dei dinheiro a ninguém. Nunca tive conhecimento [da alegada sobrefaturação nas messes] nem tinha condições, tecnicamente, para saber. A parte de faturação não passava pela DAT. Nunca recebi nenhum cabaz de Natal, nem conhecia nenhuma firma que trabalhasse na área da alimentação", respondeu.
Em julgamento, o capitão e também arguido Luís Oliveira revelou que, a partir de 2013, começou a entregar os envelopes com o dinheiro proveniente do esquema de sobrefaturação de bens alimentares ao coronel [à data tenente-coronel] Alcides Fernandes (igualmente arguido) e ao major-general Raul Milhais de Carvalho, respetivamente, seu superior hierárquico e seu chefe na DAT.
Este arguido, falou em "saco azul" da Força Aérea e explicou que os envelopes eram entregues em mão ao coronel Alcides Fernandes, que, por sua vez, os levava "na pasta de despacho" ao gabinete do general Milhais de Carvalho, que, por seu turno, fazia a divisão.
"Um terço para o senhor general [Milhais de Carvalho], um terço para o senhor tenente-coronel Alcides Fernandes, um sexto para mim e outro sexto para o coronel [Jorge] Lima [subdiretor da DAT]", explicou o capitão Luís Oliveira, em 23 de janeiro de 2019.
Confrontado com estas declarações, Milhais de Carvalho disse que eram "mentira", acrescentando desconhecer que o capitão Oliveira "andava pelas unidades" da Força Aérea, além de não se recordar de assinar as guias de marcha para essas deslocações.
"Não tenho conhecimento de que tenham sido entregues essas quantias ao capitão Luís Oliveira. Nunca recebi dinheiro do tenente-coronel Alcides nem de ninguém. Não consigo encontrar qualquer motivação para ele [capitão Oliveira] afirmar isso. Não sei qual é que foi a motivação dele. Se partiu dele, se foi instruído, não consigo perceber", declarou o major-general.
Milhais de Carvalho recordou que o capitão Luís Oliveira prestou declarações e que "foi para casa", enquanto ele foi para "a prisão", aludindo a um eventual "benefício processual", como sair em liberdade, atribuído ao capitão Oliveira
A acusação sustenta que, "pelo menos, desde 2011, os oficiais da Direção de Abastecimento e Transportes decidiram, de forma concertada e aproveitando-se da própria estrutura hierárquica militar, obter proveitos indevidos".
A investigação sublinha que esta conduta se verificou em diversas messes da Força Aérea dispersas pelo país, resultando numa sobrefaturação em montante superior a 2,5 milhões de euros.