Falta de professores, desvalorização da carreira de docente e greves marcam início do ano letivo

por Inês Moreira Santos - RTP
Nuno Veiga - Lusa

Arranca já esta terça-feira o novo ano letivo. Mas os problemas na escola pública continuam os mesmo do ano anterior. As aulas começam mas muitos alunos do Ensino Básico e Secundário não terão ainda todas as disciplinas por faltarem professores. E as contestações dos docentes mantêm-se, estando marcada para esta semana nova greve.

As escolas têm até sexta-feira desta semana para dar oficialmente início ao ano letivo, mas a escassez de professores volta a assombrar o regresso às aulas, ao deixar cerca de 80 mil alunos sem docente a pelo menos uma disciplina. A zona sul do país e a região de Lisboa e Vale do Tejo são as mais afetadas, mas o problema é geral. As disciplinas onde faltam mais professores são: Português, Matemática e Informática.

Há também o problema das aposentações. Só nestes primeiros dois meses deste novo ano letivo devem referomar-se 726 docentes. Estima-se que, até final do ano, o número chegue aos três mil.

As instiuições de ensino têm até ao final da semana para completar horários numa altura em que falta ainda preencher mais de mil. No final da semana passada, mesmo depois de terem sido colocados quase três mil docentes, as escolas tinham ainda cerca de 1.300 horários vazios e, na segunda-feira, a Federação Nacional dos Professores (Fenprof) falava em mais de 100 mil alunos sem professor.

O problema é reconhecido pelo ministro da Educação que, no ano passado, alargou os requisitos para a contratação de professores sem profissionalização e admitiu, durante o fim de semana, estar a trabalhar em medidas para apoiar os docentes deslocados.

Na segunda-feira à tarde numa escola de Almada, o ministro da Educação deu conta dos números mais recentes de professores colocados e garantiu estar empenhado na resolução do problema. João Costa congratulou-se com o aumento de candidatos nos cursos superiores de Educação Básica.
O ministro da Educação assegurou ainda que todos os dias estão a ser colocados professores e que as situações de falta de docentes nas escolas estão a ser resolvidas “paulatinamente”.

“Estamos a colocar professores todos os dias. Como sabemos há um problema mais localizado na região de Lisboa. Estamos a conseguir paulatinamente ir resolvendo situações. De sexta-feira para hoje já há menos 300 horários sem professor colocado”, disse adiantando que as escolas já estão também a agilizar os processos de contratação de escola.
Professores voltam a contestar

A escassez de professores pode não ser, no entanto, o único fator a deixar os alunos sem aulas, prevendo-se que o ano letivo arranque da mesma forma que terminou o anterior, com a forte contestação dos profissionais das escolas. Já a partir desta terça-feira, a plataforma de nove organizações sindicais que inclui a Fenprof e a Federação Nacional da Educação (FNE), inicia uma greve ao sobretrabalho, às horas extraordinárias e à componente não letiva.

A paralisação não tem impacto nas aulas, mas logo no início da segunda semana, o Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (S.TO.P) avança para uma greve de cinco dias. Menos de um mês depois, a 6 de outubro, há uma greve nacional convocada pela plataforma sindical.

O motivo para a contestação mantém-se – a recuperação dos seis anos, seis meses e 23 dias de tempo de serviço – e, da parte dos sindicatos, não parece haver qualquer intenção de abrandar a luta até que o Ministério da Educação aceite negociar aquela reivindicação, que foi várias vezes afastada pelo Governo.

Escassez crónica de professores
De acordo com o secretário-geral da FENPROF, o principal problema no Ensino Público é a falta de professores, devido ao aumento de aposentações de docentes, à escassez de docentes recém-formados e, principalmente, devido à desvalorização da profissão.

"O principal problema é a falta de professores", afirmou à RTP Mário Nogueira.

Segundo o sindicalista, embora o número de alunos em cursos de Educação tenha aumentado 45 por cento, nos últimos dois anos, o número de aposentações "aumentará 80 por cento".

Como Mário Nogueira explicou, o número de docentes aposentados entre 2021 e 2023 passará de 1.994 para "mais de 3.500", este ano.

O problema, especificou, "é que os que vão chegar este ano à profissão não são sequer os 1.300 que terão entrado este ano nos cursos, são os 600 que terão entrado há cinco anos". Além dos cursos terem poucos candidatos e de haver poucos professores recém formados, há muitos docentes jovens que estão a abandonar a profissão devido ao "custo de vida e à falta de habitação", por exemplo.

"A origem do problema é a desvalorização da profissão, quer ao nível da carreira, quer ao nível das condições de trabalho", disse ainda, acrescentando que é "precisamente por isto que os professores lutam".
Também André Pestana não tem dúvidas que este é um problema crónico e que é fundamental a valorização e a dignificação dos profissionais docentes.

"Infelizmente, como é público, temos vários problemas que afetam a Escola Pública", disse André Pestana à RTP, referindo-se principalmente à "falta crónica de professores".

O responsável do S.TO.P. explicou que esta falta de docentes "estava prevista há vários anos" e o Governo "teve tempo para evitar esta catástrofe, porque de facto os alunos estão a ser profundamente prejudicados".

O Governo, na ótica de André Pestana, devia ter avaliado "as causas" para a falta de profissionais e de jovens a querer ingressar na profissão.

"O problema aqui é que a Escola Pública também está a ser pressionada para um facilitismo, para o passar 'mesmo quando não merecem'", continuou. "Para ter uma escola de excelência é fundamental (...) ter a valorização, a dignificação de todos os profissionais".
No mesmo sentido, o presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas apela ao Governo para que faça um maior investimento na profissão de docente.

Para Filinto Lima, o Ministério da Educação "tem de investir de uma forma decisiva nos recursos humanos", uma vez que estão "a sair muitos professores para a justa aposentação" e, por outro lado, "não entram jovens em número suficiente que possam colmatar estas saídas".
O secretário-geral da FNE admite que as expectativas para este novo ano letivo são negativas e lamenta que o Governo não seja capaz de "dar resposta" aos "problemas que estão identificados" há muito tempo nas escolas e na carreira dos docentes.

"As expectativas são negativas, na medida em que o Ministério da Educação se revela incapaz de dar resposta àquilo que são os problemas que estão identificados desde há muito", começou por afirmar Pedro Barreiros, à RTP, sobre o ano letivo que agora começa e a greve de professores marcada para esta semana.

Para o secretário-geral da FNE, o Ministério não tem sido capaz de, "a tempo e horas, em diálogo e concertação, de definir as políticas necessárias" aos problemas já identificados. O sindicalista referiu também questões que dizem respeito à profissão e à "própria vivência da escola".

Sobre a greve, Pedro Barreiros disse que os motivos "destas contestações são os professores e os alunos".

"Os alunos sabem perfeitamente também dizer e explicar aquilo que sentem através da dificuldade passada pelos seus professores. E os professores não estão a lutar apenas e só por si e pela sua carreira, estão a lutar por uma Educação de qualidade".

E isso só é possível, explicou, "com todos os recursos humanos necessários para que se consiga realizar e traduzir nas escolas".

"E não é isso que nós, ao longo dos últimos tempos, temos sentido", lamentou. "Há um desrespeito enorme. (...) Parece que o Ministério da Educação e o Governo tratam os professores como algoritmos".

E cada professor tem, na sua opinião, de ser valorizado e respeitado para "que se sinta também feliz na escola e a exercer a profissão que escolheu".

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