Estudo da década de 80 apontava para reforço dos pilares da ponte Hintze Ribeiro

Uma sondagem realizada para estudar um eventual alargamento da ponte apontava para a necessidade do reforço das fundações, "o que nunca foi feito".
Segundo Raimundo Delgado, professor catedrático da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, se esse reforço [dos pilares] tivesse sido feito "talvez tivesse sido possível evitar" o colapso da ponte, que ocorreu a 04 de Março de 2001, na sequência da ruptura de um pilar.
"O que é certo é que nem o alargamento da ponte foi feito, nem se procedeu ao reforço das fundações", salientou Raimundo Delgado.
O especialista sustentou que "academicamente" poderia ter sido feito algo mais para garantir a segurança da travessia.
Raimundo Delgado, membro da primeira comissão nomeada pela Procuradoria-Geral da República para avaliar as circunstâncias da derrocada da ponte Hintze Ribeiro, vai proferir uma palestra em 11 de Dezembro, na Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Viana do Castelo, precisamente sobre o tema "Por que caiu a ponte de Entre-os- Rios".
Ocorrida há cinco anos e meio, em 04 de Março de 2001, a derrocada da ponte Hintze Ribeiro, em Entre-os-Rios, matou 59 pessoas que seguiam num autocarro e em três automóveis, provocando o maior acidente rodoviário, em número de mortos, ocorrido em Portugal.
Para o especialista em estruturas, o factor determinante do colapso da ponte foram as chuvas "excepcionais" registadas desde Dezembro de 2000 até Abril de 2001, que motivaram que o caudal do rio Douro permanecesse durante meses "muito acima do normal", causando sete cheias.
"Esta é uma situação que apenas acontece de 400 em 400 anos", referiu o catedrático, admitindo que a ponte terá caído à quinta cheia.
O fundo do rio acabou, nesse período, por baixar "uns oito metros", deixando - segundo Raimundo Delgado - o pilar quatro "completamente descalço", já que a areia à volta desapareceu toda num raio de uma centena de metros.
O catedrático defendeu ainda que para o abaixamento do fundo do rio contribuíram, também, quer a extracção de areias, registada ao longo dos últimos 15 a 20 anos, quer o funcionamento das barragens.
O docente sublinhou que os seis engenheiros que foram acusados pelo Ministério Público de não terem feito o que estaria ao seu alcance para evitar o colapso da ponte "não tiveram culpa".
"Não era possível quantificar o grau de risco e de perigosidade decorrente da situação dos pilares", disse.
"Aliás, logo aquando da construção da ponte, alguns pilares já não ficaram assentes na rocha, mas sim uns três ou quatro metros acima", acrescentou o catedrático.
Para o especialista em estruturas, a tragédia de Entre-os-Rios pôs a nu a "necessidade premente" de criar em Portugal uma "agência de monitorização" sistemática e contínua do estado de conservação das pontes, que permita o "cruzamento de dados" entre as várias entidades envolvidas.
"Se na altura tivesse havido este cruzamento de dados, desde as sondagens que apontavam para a necessidade de reforço dos pilares até ao número excepcional de cheias então registadas, talvez alguém tivesse tido o discernimento necessário para interromper a circulação naquela ponte a tempo de evitar a tragédia", sustentou o catedrático de engenharia.