Estado dos Direitos Humanos. Portugal preocupa pela violência de género, crise na habitação e exploração de migrantes

por Joana Raposo Santos - RTP
A Amnistia sublinha os problemas de Direitos Humanos no tratamento de refugiados e migrantes em Portugal. Foto: Mário Cruz - Lusa (arquivo)

A Amnistia Internacional aponta como principais preocupações em Portugal a brutalidade das forças policiais, a violência de género, as condições de habitação, a exploração de migrantes e as ondas de calor. No seu mais recente relatório sobre o estado dos Direitos Humanos no mundo, a ONG avisa que 2023 deve ser "um ponto de viragem para a defesa dos Direitos Humanos". Caso contrário, o mundo poderá ser levado ao abismo.

No caso português, um dos pontos a eliminar para o bem dos Direitos Humanos é a violência e discriminação de género. A Amnistia refere críticas feitas pela ONU aos quadros legislativo e institucional portugueses, assim como ao número insuficiente de serviços para lidar com a violência de género contra mulheres.

Segundo as Nações Unidas, as taxas de abandono escolar entre as raparigas de etnia cigana devido a casamentos infantis e/ou forçados e a gravidez precoce são muitas vezes ignoradas pelas autoridades do país.

O relatório também aponta ao dedo ao Executivo na questão da habitação: “O Governo não tomou medidas suficientes para melhorar as condições de habitação e para garantir casas a preço suficientemente acessível, apesar de no fim de 2021 haver mais de 38 mil pessoas com necessidades de habitação”, lê-se no documento.

“Persistem os relatos de despejos forçados, deixando pessoas em piores condições de habitação - incluindo casos de sem-abrigo -, situação que afetou desproporcionalmente pessoas de ascendência cigana e africana”.

Já no campo da violência policial, as situações de “uso excessivo de força e outros maus-tratos por agentes da polícia” persistem no país.

A conclusão surge depois de o Conselho da Europa e o Comité para a Prevenção da Tortura (CPT) terem visitado "várias prisões e centros de detenção para examinarem o tratamento e as condições dos detidos”, lê-se no relatório anual da Amnistia.

As visitas tiveram como objetivo dar seguimento à “extensa lista de recomendações” feitas pelo CPT num relatório após uma visita em 2019, entre as quais avaliar a eficácia das investigações sobre alegados maus-tratos por agentes das autoridades”.
Exploração de migrantes em Odemira
A Amnistia sublinha ainda os problemas de Direitos Humanos no tratamento de refugiados e migrantes em Portugal. “Em janeiro, investigações jornalísticas expuseram as condições de exploração laboral e de habitação desadequada de trabalhadores migrantes, sobretudo de países asiáticos, empregados no setor da agricultura na região de Odemira”, aponta.

“A exploração laboral continua a ser o tipo mais comum de exploração” no país, “afetando especialmente os setores da agricultura e restauração”, segundo dados do Conselho da Europa com base numa visita do seu Grupo de Especialistas para Ações contra o Tráfico Humano a Portugal, em 2021.

A crise climática surge por último na lista de problemas de Direitos Humanos. “Em setembro, após uma visita, a relatora especial sobre Direitos Humanos e Ambiente da ONU concluiu que as autoridades tinham de acelerar o ritmo das ações para dar resposta, em particular, à poluição do ar e à gestão de resíduos, prevenindo assim incêndios florestais”, refere o documento.

A Amnistia sublinha que, segundo dados da Direção-Geral da Saúde (DGS), em 2022 “registaram-se mais de mil mortes relacionadas com ondas de calor extremas até julho desse ano”.

“Até agosto, de acordo com o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), 60,4% do território português estava a sofrer com a seca e 39,6% com seca extrema”.
“Uma traição que pode levar o mundo ao abismo”
O relatório da Amnistia Internacional analisou o estado dos Direitos Humanos em 2022 em 156 países e pede, agora, ação às nações. “Em 2022 assistimos a novos, renovados e prolongados conflitos que levaram a terríveis tragédias. Alguns deles equivaleram a crimes de guerra e crimes contra a humanidade”, escreveram os autores, referindo-se em particular à guerra na Ucrânia.

“Quando as pessoas tentaram fugir desses conflitos ou de outras crises, alguns Estados falharam em tratá-las com humanidade. Em todo o mundo, as autoridades continuaram a reprimir duramente as liberdades universais. E, ao longo do ano, as reações internacionais a esses graves abusos variaram. Alguns foram condenados, alguns apoiados e muitos outros ignorados”.

Na conclusão do relatório, a ONG frisa que as crises económicas levaram a aumentos vertiginosos dos preços dos alimentos e combustíveis, aumentando ainda a pressão sobre a saúde e outros serviços sociais.

Os mais marginalizados foram os mais atingidos e a desigualdade aumentou. Mulheres, meninas e pessoas LGBTI enfrentaram violência e discriminação de género. No entanto, os governos falharam em apoiar as pessoas à medida que a situação piorava”.

Para os autores, este relatório representa uma leitura essencial para os líderes governamentais, legisladores, advogados, ativistas e qualquer pessoa interessada em Direitos Humanos.

Agnès Callamard, secretária-geral da Amnistia, considera que 2023 deve ser “um ponto de viragem para a defesa dos Direitos Humanos: se os líderes mundiais não cumprirem, estão a cometer uma traição que pode levar o mundo ao abismo”.
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