"Os portugueses têm razões suficientes para estarem preocupados com a evolução do seu sistema de saúde". Quem o diz é a Fundação para a Saúde-SNS, que no seu mais recente relatório destaca os altos e baixos dos últimos nove anos de governação. Apesar das medidas que vieram melhorar o acesso da população à saúde, a FSNS destaca tudo o que ainda há por fazer.
Analisando o ciclo político que se iniciou em novembro de 2015 e terminou em abril de 2024, sob o mandato de António Costa, esta entidade refere que “as repercussões da crise económica e financeira sobre a saúde e bem-estar (desemprego, saúde mental) e sobre o SNS foram notórias”.
“O SNS sofreu fortes cortes orçamentais, incluindo fortíssimas restrições no investimento” e “os profissionais do SNS tiveram de lidar com condições de trabalho cada vez mais adversas e com uma substancial quebra nos seus rendimentos”, recordam os autores do relatório.
“O peso da dívida pública não permitia espaço suficiente para abrir um diálogo necessário entre o compromisso das contas certas e o do bem-estar dos portugueses”, acrescentam.
Ainda assim, a Fundação para a Saúde destaca a aprovação de uma nova Lei de Bases da Saúde, em 2019, considerando também como positiva a resposta do Governo à crise pandémica, que “permitiu minimizar, dentro dos limites do possível”, o seu impacto na saúde dos portugueses.A ideia de “centro de saúde” desapareceu do discurso político e da gestão do SNS, lamenta a FSNS.
Já em 2022 e 2023, houve “um importante conjunto de medidas reformistas, em parte resultado de trabalhos iniciados nos anos precedentes”. Durante os últimos anos, “observou-se um notório incremento no orçamento da saúde do país”, refere a Fundação para a Saúde.
Apesar de elencar medidas que configuram “um salto qualitativo importante para o desenvolvimento do SNS”, a fundação entende que as “reformas efetivas em sistemas sociais complexos, como o da saúde, têm de começar no início de um ciclo político, não próximo do fim”.
“A concentração de um número significativo de iniciativas próximo do fim do ciclo político tem os seus custos” e o facto de o ciclo político encabeçado por António Costa ter sido “abruptamente interrompido, nas circunstâncias conhecidas”, não permitiu que muitas das limitações do SNS tivessem sido atenuadas ou corrigidas.
Análise ao Governo de Montenegro
Considerando que “um Parlamento sem maioria estável” dificulta a governação do país, a Fundação para a Saúde refere que neste setor “predominam as consequências da crise no acesso aos cuidados de saúde do SNS” e a incapacidade de “atrair e reter os profissionais de saúde de que necessita”.
A entidade assinala o “pouco investimento que tem sido feito na literacia da população portuguesa” relativamente ao sistema de saúde e ao SNS.
“Sem pessoas suficientemente informadas e empenhadas na melhoria do sistema de saúde de que necessitam, menos provável é que este evolua de acordo com as suas aspirações”, lê-se no documento.
Sobre o atual Executivo, a fundação esclarece que a análise dos resultados da atual política de saúde “é fortemente limitada pelo facto de o Governo estar em funções há muito pouco tempo”.
A FSNS assinala alguns dos pilares do Executivo de Luís Montenegro que “veiculam um elevado grau de racionalidade”, entre os quais o Plano de Emergência que visa garantir os tempos máximos de resposta para consultas e cirurgias, mas questiona se é adequado “utilizar um quadro de expectativas racionais para avaliar um processo complexo de governação”.
Referindo medidas com o potencial de melhorar o acesso da população aos cuidados de saúde, como “a implementação de consultas de cuidados de saúde primários no Hospital de Cascais (único hospital português em Parceria Público-Privado)”, a fundação deixa, porém, alguns alertas.
“Não se trata de complementar o público com o acesso a serviços sociais e privados já existentes. Trata-se, isso sim, de o Governo, através do Estado, promover a criação de serviços sociais e privados, previamente inexistentes. E em concorrência com o SNS para recursos profissionais atualmente escassos no país”, escreve.
O problema de recursos humanos
“Apesar dos aumentos no número de profissionais nos últimos anos, as dificuldades do SNS não foram ultrapassadas”, constatam os autores do relatório.
Segundo a FSNS, para além da necessidade de melhores condições para uma boa gestão das entidades do Sistema Nacional de Saúde, é urgente criar melhores condições salariais, de trabalho e de carreira para que seja possível atrair e reter profissionais.
“É, para isso, necessário um plano estratégico”, apela. “Atendendo à previsão de um reforço máximo de 5% de profissionais, não sendo uma meta, mas um teto, é um valor apresentado sem qualquer fundamentação, o que na atual situação, nos parece não ser manifestamente suficiente para garantir a sustentabilidade do SNS”.
A fundação critica ainda as nomeações de alta responsabilidade no SNS “de candidatos sem as condições curriculares mínimas para o desempenho dos respetivos cargos”, dizendo que tal tem resultado “em múltiplos embaraços” e constitui “uma séria desconsideração para quem trabalha no SNS e para quem recorre aos seus cuidados”.
A Fundação para a Saúde – SNS é uma organização “de carácter cívico, independente de qualquer poder político ou económico”, refere a entidade no seu site.
Tem por missão promover “a salvaguarda e o desenvolvimento de um SNS que sirva o conjunto dos portugueses”, analisando e divulgando factos relevantes sobre a evolução do SNS e mobilizando a sociedade portuguesa para os conhecer.