Encontrado cofre que prova localização da Sinagoga da Judiaria do Olival

por Agência LUSA

A historiadora Elvira Azevedo Mea encontrou numa casa na "Baixa" do Porto um cofre onde os judeus guardam os pergaminhos da Lei ("Ehal") que prova a localização da Sinagoga da Judiaria do Olival.

"É mesmo o +Ehal" da Sinagoga da Judiaria do Olival. Encontrei por acaso. Está numa parede que tinha sido toda entaipada. É um nicho em pedra que não pode sair da parede", disse à Agência Lusa Elvira Mea, professora da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

O "Ehal" ficou à vista quando a parede oriental (voltada para Jerusalém) foi desentaipada durante as obras de adaptação a centro de dia para idosos da casa da Rua S. Miguel, 9, doada pela Misericórdia do Porto ao abade da Vitória.

A historiadora espera que este património seja preservado e valorizado, nomeadamente com a instalação na casa de um núcleo museológico municipal, que poderá funcionar como local de "romaria" de judeus de todo o Mundo.

"O Ippar [Instituto Português do Património Arquitectónico] reconheceu que é uma coisa de grande importância e já contactou o abade", referiu Elvira Mea, lamentando não ter encontrado a mesma receptividade por parte da Câmara do Porto e da Delegação Regional da Cultura do Norte.

A Judiaria do Olival foi estabelecida, em princípios do século XV, a pedido do rei D. João I, quando o espaço ocupado pelos judeus em Miragaia se tornou insuficiente para a sua crescente expansão demográfica.

Segundo o historiador Germano Silva, foi designado então para judiaria o sítio chamado das Courelas, em terreno do Olival, dentro das portas da cidade, numa área que abrangia a Rua de S. Miguel.

Em 1491, nas vésperas da expulsão dos judeus de Castela, esteve em Portugal o famoso rabino Isaac Aboab, que ficou conhecido na história como o último Gaon (sábio) de Castela.

Aboab negociou com a coroa portuguesa o estabelecimento em Portugal daqueles judeus de Castela, como asilo temporário, na esperança de que fosse reversível a decisão dos reis católicos, Fernando e Isabel.

De entre os refugiados autorizados a entrar em Portugal - mediante o pagamento de um imposto por cabeça - distinguiram-se 30 famílias, entre as quais a do rabino Isaac Aboab, a quem foram atribuídas casas para habitação na judiaria do Olival, no Porto.

O rabino viria a falecer em 1493 e já não testemunhou a conversão forçada de todos os judeus de Portugal, em 1497.

Na cidade cabalística de Safed, em Israel, existe uma sinagoga medieval, que tem o nome de Aboab e na qual se conserva um Sefer Torah (rolo da Lei), cujo pergaminho, segundo a tradição, foi manuscrito pelo Gaon de Castela.

Foi da Judiaria do Olival que os judeus de 1497 foram levados à força para o "baptismo de pé".

Abraham Aboab, filho do rabino, tomou o nome cristão de Duarte Dias e o filho deste, também Isaac Aboab, chamou-se Henrique Gomes.

O bisneto, Immanuel Aboab, cujo nome de cristão não é conhecido, nasceu em 1556, no Porto, e faleceu em 1628, em Veneza, onde regressou ao Judaísmo dos seus antepassados.

Immanuel Aboab deixou uma obra de grande valor para a história judaica: «Nomologia o Discursos Legales», em espanhol.

Nessa obra, Immanuel Aboab relata o estabelecimento do seu bisavô e restantes famílias no bairro do Olival, no centro do qual havia uma sinagoga, que ele ainda se lembrava de ter visto em criança.

Isto significa que a sinagoga do Olival, ainda que fechada ao culto judaico em 1497, continuou a existir como edifício durante parte do século XVI, tendo provavelmente sido sujeito a obras, que modernizaram o seu estilo.

Foi comum, nessa época da história, as sinagogas serem adaptadas a igrejas cristãs, como foi o caso da sinagoga grande de Lisboa, que se tornou na Igreja da Conceição Velha, destruída pelo terramoto de 1755.

No antigo bairro do Olival, foi construído em 1598 o Mosteiro de S. Bento da Vitória, depois igreja do mesmo nome.

Mais tarde, criou-se o mito de que a igreja estaria situada sobre o lugar da sinagoga e que o seu nome derivaria da "vitória" da religião de Cristo sobre a Lei de Moisés.

Nas traseiras da casa, onde agora se desentaipou a "Arca Santa" dos judeus, vem desembocar a escadaria a que ainda hoje se chama "Escadinhas da Esnoga", a palavra que na época designava a sinagoga.

A descoberta do "Ehal" vem confirmar que a sinagoga não se encontrava onde foi construído o mosteiro, mas sim nas suas proximidades.

Elvira Mea salientou que já havia vários documentos históricos que contrariavam este mito, apontando a localização da sinagoga para a zona onde foi encontrado o "Ehal".

A historiadora recordou que em 1996 estiveram no Porto muitos judeus de todo o Mundo, tendo colocado no Mosteiro de S. Bento da Vitória uma placa para assinalar os 500 anos da expulsão dos praticantes do Judaísmo.

Na mesma Rua da Vitória, bem perto do suposto lugar da velha sinagoga, situa-se a casa onde tradicionalmente nasceu e viveu Gabriel da Costa, o cristão-novo, que viria a chamar-se, na Holanda, como judeu, Uriel da Costa (1585-1640).

A sua história foi contada no romance de Agustina Bessa Luís "Um Bicho da Terra".

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