O antigo Presidente da República Ramalho Eanes, comandante operacional do 25 de Novembro de 1975, recusa a estigmatização da data, que defende ser uma continuação do 25 de Abril, "dia fundador" da democracia.
No livro "Ramalho Eanes, Palavra que conta", editado este mês, a partir de uma entrevista à RTP realizada pela jornalista Fátima Campos Ferreira e transmitida em maio passado, Eanes recusa a estigmatização da operação: "Não percebo que estigmatizem o 25 de Novembro, porque o 25 de Novembro é a continuação do 25 de Abril; é a reafirmação de que as promessas feitas pelos militares à população portuguesa se mantêm, e se mantêm com toda a força, seja como for, quaisquer que sejam os obstáculos".
É altura de reconhecer que "houve um período muito complicado entre o 25 de Abril e o 25 de Novembro, que houve movimentos que tentaram -- compreensivelmente, em minha opinião -- impor as suas ideologias, o que, obviamente, o MFA não permitiu, porque isso seria, de alguma maneira, contrariar, não responder, não respeitar a promessa de Abril. E portanto, tivemos de fazer o 25 de Novembro, mas, a partir daí, o país criou unidade, unidade plural, obviamente", considera.
"Entendo que o esquecimento do 25 de Novembro não ajuda a democracia, porque a história não se apaga. É com a história, e regressando à história, de forma não endémica nem nostálgica, que aprendemos a evitar erros futuros", argumenta na mesma entrevista, agora publicada pela Porto Editora.
Segundo o antigo Presidente, aquela data marca "o ponto final de um confronto e o início de uma cooperação democrática em que todos participam, em que todas as ideologias se justificam".
Em abril deste ano, numa iniciativa do atual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, com alunos do ensino secundário e superior, o general Ramalho Eanes, que foi o comandante da operação militar de 25 de Novembro de 1975, reservou para o 25 de Abril de 1974 o lugar hegemónico.
"O 25 de Abril foi único, foi fundador. É ele que concede a liberdade aos portugueses. É ele que devemos festejar, comemorar e sobretudo refletir. Mas não devemos esquecer a perturbação natural que se seguiu, em que houve um combate de ideologias, de modelos de sociedade, em que houve um PREC que criou uma situação insustentável, uma situação de medo e uma situação que nos levou perto de uma guerra civil", declarou, na ocasião.
Eanes disse que houve "uma ofensiva militar", no seu entender "organizada levianamente pela extrema-esquerda, mas em que o PCP não podia ter deixado de intervir", perante a qual ele e outros militares foram obrigados a agir.
"Tivemos essa ação, enfim, e repito que podia ter levado a uma guerra civil e que foi indispensável o 25 de Novembro. Repito: foi indispensável, para que as promessas de honra dos militares à população fossem realizadas", defendeu.
Segundo Eanes, o desfecho do 25 de Novembro deveu-se aos "militares que se tinham mantido fiéis à promessa de honra que tinham feito à população, que era devolver-lhes a liberdade, mas a liberdade sem condicionamentos" e que "resolveram, perante uma insurreição armada responder -- bom, e a uma insurreição armada, naturalmente, só se responde com armas".
Também em abril passado, mas numa entrevista no Jornal da Noite da SIC, Ramalho Eanes foi questionado se "faz sentido ou não faz sentido, comemorar, celebrar" as duas datas, o 25 de Abril como o 25 de Novembro, respondendo que "faz inteiramente sentido" mas ressalvando que a data fundadora da democracia é o 25 de Abril de 1974.
"Há uma data fundadora da democracia: o 25 de Abril", afirmou.
Anos antes, em 24 de novembro de 2015, em Manila, Filipinas, onde se encontrava para receber o Prémio Internacional da Paz 2015, atribuído pela fundação Gusi Peace Prize International, Eanes tinha defendido que o 25 de Novembro foi um "momento fraturante" e que momentos fraturantes "não se comemoram, recordam-se".
"O 25 de Novembro foi um momento fraturante e eu entendo que não devemos comemorar, os momentos fraturantes não se comemoram, recordam-se e recordam-se apenas para refletir sobre eles. No caso do 25 de Novembro, devíamos refletir por que é nós portugueses, com séculos e séculos de história, com uma unidade nacional feita de uma cultura distintiva profunda, por que é que nós chegámos àquela situação, por que é que chegámos à beira da guerra civil", disse na altura Ramalho Eanes, em declarações à rádio e televisão pública de Macau, em Manila.
Foi o 25 de Novembro deu a conhecer ao país o seu comandante operacional. O então tenente-coronel Ramalho Eanes apareceu na RTP de óculos escuros, rosto afilado e patilhas, com a sua voz grave e dicção pausada, falando ao lado de Jaime Neves, perante o Presidente da República, general Costa Gomes, o primeiro-ministro, Pinheiro de Azevedo, e Vasco Lourenço.
Todas as operações, disse na altura Eanes, "foram conduzidas com a preocupação de evitar baixas de qualquer dois lados".
"Esta preocupação foi grande e teve a determiná-la o facto de um lado e do outro lado estarem portugueses", declara Eanes, concluindo que as unidades envolvidas conseguiram "restituir, ao povo português, agora, de uma maneira aberta e livre, os ideais que fizeram a revolução do 25 de Abril".
É o primeiro Presidente da República eleito em democracia, cumprindo dois mandatos (1976-1986).