É um pequeno aparelho que se coloca nos óculos e pode ser decisivo para ajudar no quotidiano de pessoas com problemas de visão ou dificuldades de leitura. Chama-se OrCam MyEye e está disponível em Portugal desde o início do ano. Entre outras funcionalidades, este dispositivo permite a leitura de textos e documentos, reconhecimento facial ou ajudar em tarefas tão simples como na identificação da cor de uma peça de roupa. A RTP conversou com o responsável ibérico deste aparelho que promete trazer maior autonomia a milhares de pessoas.
Os responsáveis por organizações de apoio a estes casos alertam para o facto de, em muitos casos, os invisuais acabarem por viver fechados em casa, a precisarem de ajuda para atividades tão simples e rotineiras como vestir, comer ou andar na rua.
Uma empresa de origem israelita propõe-se a ajudar estas pessoas com problemas de visão - ou com problemas de leitura, como a dislexia - com um aparelho inovador que fotografa e lê o mundo à sua volta.
A OrCam surgiu em 2010, quando os engenheiros responsáveis pela MobilEye – empresa responsável pela criação de câmaras inteligentes para carros autónomos – decidiram aplicar os desenvolvimentos num aparelho de auxílio a invisuais.
A OrCam e a MobilEye foram criadas pelos engenheiros israelitas Ziv Aviram e Amnon Shashua.
Durante cinco anos houve apenas investigação e em 2015 o primeiro dispositivo chegou ao mercado em apenas quatro países. Dois anos depois, foi lançada uma segunda versão, mais pequena e discreta. “Era algo que os utilizadores pediam. Não queriam sentir que as pessoas olhavam para elas por levarem uma câmara nos óculos”, afirma Fabio Rodriguez.
Nos últimos dois anos, o hardware é o mesmo, apenas adquire novas funções e atualizações com atualização de software, uma a duas vezes por ano.
Com um peso de 22 gramas e 50 milímetros de largura, pretende-se que seja um aparelho “user-friendly” para todas as idades.
“Algo muito importante (…) é que seja um produto tecnologicamente muito avançado, mas que seja muito fácil de utilizar. Um avanço tecnológico muito bom sem um uso fácil não tem nenhum tipo de sentido”, diz Fabio Rodriguez.
Funciona por voz – que pode ser ouvida em alta voz ou com auriculares com ligação Bluetooth – e carrega-se “como um smartphone”. Em uso contínuo, a bateria tem uma autonomia entre uma hora e meia a duas horas, sendo que demora “cerca de 40 minutos” a carregar.
A função mais procurada pelos utilizadores é a de leitura e existe mesmo um aparelho, o OrCam MyReader, cuja função única é a leitura de textos. “Vivemos num mundo onde estamos constantemente a ler WhatsApps, notícias online, jornais, livros, folhetos nas ruas. A OrCam lê todos estes formatos”, destaca Fabio Rodriguez.
O aparelho mais desenvolvido, o OrCam MyEye, inclui outras funções para além da leitura. Guarda ainda até 100 rostos para abranger o grupo mais próximo de amigos e família e também no reconhecimento de cores. Outra função muito procurada é guardar e memorizar cartões e objetos: por exemplo, o cartão de crédito, o passe de transporte, notas ou medicamentos.
“As pessoas dão-se conta que muitas das nossas tarefas diárias, que não valorizamos, para muita gente é algo muito difícil de fazer”, diz o responsável.
Uma das principais preocupações é a privacidade, algo que o regional manager ibérico destaca: “O dispositivo está completamente offline. Acreditamos que a privacidade e a segurança dos utilizadores é muito importante. Toda a informação que consta no dispositivo, por exemplo, na leitura de textos, (…) quando acaba de ler não vai guardar nada. Por exemplo, para caras, (…) elas vão ficar dentro do dispositivo, não vão para uma cloud”.
“Até ao dia de hoje, o ‘mantra’ é fazer um produto totalmente offline para que o utilizador se sinta tranquilo. Se estás a ler, por exemplo, quanto tens no banco, ninguém irá saber quanto dinheiro tens no banco. (…) Muitos utilizadores gostam que a OrCam lhes dê a tranquilidade, que não haja nenhum risco”, acrescenta.
O aparelho está disponível em Portugal desde início do ano, sendo que o custo do aparelho mais complexo é de 4.500 euros. No caso de Portugal, tal como noutros países, o Governo tem facilitado o financiamento do produto em situações específicas através do Sistema de Atribuição de Produtos de Apoio (SAPA), do Instituto Nacional para a Reabilitação (IRN).
A atribuição tem geralmente em conta o impacto que o aparelho pode ter na vida de determinadas pessoas. Por exemplo para crianças, ao nível educacional, ou “para pessoas de 30, 40 ou 50 anos que perderam muita visão, ficaram sem trabalho (…) e podem reincorporar-se no mundo laboral”. Também por questões de saúde mental, este produto “pode ajudar a que se sintam melhor”, ao facilitar atividades que seriam mais difíceis ou impossíveis”, refere Fabio Rodriguez.
Por agora, mais de 200 engenheiros e inovadores continuam a trabalhar no desenvolvimento do produto com base no feedback que é dado pelos utilizadores. Os pedidos e sugestões vão desde questões mais centrais como a maior discrição e comodidade do produto até à vontade manifestada por muitas pessoas cegas para que o aparelho reconheça objetos quotidianos da casa, como portas ou janelas, ou mesmo os seus cães-guia, por exemplo.
“Este é um produto que há dez anos seria ciência ou ficção. De certeza que daqui por dez anos vai fazer muito mais coisas”, prevê o responsável.