Deputados advogados rejeitam incompatibilidade entre mandato e profissão

por RTP
Deputados que são advogados contestam Marinho e Pinto RTP

A incompatibilidade entre o mandato parlamentar e o exercício da advocacia defendida pelo Bastonário da Ordem dos Advogados, é contestada pelos deputados que são advogados e que chegam a classificar a ideia de “disparate”.

Paulo Castro Rangel é deputado eleito pelo PSD e tem o mandato suspenso por razões de saúde. A sua profissão é a de Advogado. Ouviu com toda a atenção a entrevista que o recém-eleito Bastonário da Ordem dos Advogados deu ao programa “Grande Entrevista” da RTP e não gostou do que ouviu.

Para ele, o entendimento de Marinho e Pinto é um “disparate” já que na sua opinião a forma de prevenir a promiscuidade e a corrupção não é através da incompatibilidade mas sim através da “transparência”.

"Ser advogado e ser político tem os seus riscos. O risco de usar de influência a favor de interesses dos clientes privados, por exemplo. Corre-se sempre esse risco" admitiu um outro deputado, também advogado, que já foi ministro da Justiça, eleito pelo Partido Socialista, Vera Jardim em declarações à agência Lusa.

O advogado que veio de Coimbra e que hoje gere a Ordem dos Advogados defendeu no discurso da cerimónia oficial de Abertura do Ano Judicial, que se deveria instaurar um regime que viesse a tornar incompatível o exercício em simultâneo das funções de advogado e de deputado.

Marinho e Pinto argumenta que "quem faz as leis no Parlamento não pode ao mesmo tempo aplicá-las nos tribunais".

O bastonário acha fundamental a revisão do actual regime de incompatibilidades "Senão pairará sempre a suspeita legítima de que muitas delas (leis) possam estar mais voltadas para os interesses dos clientes de alguns dos legisladores do que para o interesse público e o bem comum".

"Há, obviamente, clientes privados que sempre preferirão advogados que sejam simultaneamente deputados", acrescentou Marinho Pinto.

José Vera Jardim deputado eleito pelo Partido Socialista não está de acordo com Marinho e Pinto e considera que o actual regime de incompatibilidades e impedimentos dos deputados "já é alargado".

O antigo ministro da Justiça de António Guterres não rejeita no entanto a possibilidade de se introduzirem melhorias no sistema. "Pode sempre lançar-se o debate quer no Parlamento quer na Ordem dos Advogados e fazer-se aperfeiçoamentos para limitar mais" e prevenir situações de promiscuidade avança Vera Jardim.

Ambos os deputados, Paulo Rangel e Vera Jardim, advogados de profissão, pensam que todas as profissões “têm interesses a defender”. No entanto, ambos rejeitam admitir que, logo “ab initio” os advogados sejam considerados suspeitos de influenciar as leis em favor de clientes privados.

"O sr. Bastonário mete tudo no mesmo saco e não tem razão nenhuma. Que os deputados sejam obrigados a explicar a sua situação económica acho bem em nome da transparência. Agora que um advogado não possa exercer um cargo público é um disparate", disse Paulo Castro Rangel.

Para o deputado social-democrata a ideia que Marinho e Pinto defende, levaria forçosamente à criação da figura de “deputados funcionários” que seriam dependentes do partido para viver já que não poderiam exercer livremente a sua profissão à semelhança de todos os outros deputados. Se tal viesse a acontecer isso "poria em causa a sua independência".

De acordo com Paulo Rangel está Nuno de Melo, também deputado, eleito pelo CDS-PP que rejeitou em absoluto a proposta do Bastonário e apelidando as opiniões de Marinho e Pinto de "fruto de um discurso demagógico e fácil".

"O dr. Marinho Pinto defende a funcionalização dos deputados e a funcionalização dos advogados. Eu acredito que o Parlamento só ganha quando tem pessoas que conhecem o processo legislativo porque exercem na vida real", afirmou.

"Há médicos que fazem leis que se aplicam na medicina. Há deputados com várias profissões que votam leis que se lhes aplicam no exercício da profissão. Os advogados não podem ser párias", defendeu Nuno Melo.


João Oliveira é o único deputado eleito pelas listas do Partido Comunista Português que exerce a profissão de advogado e em efectividade de funções já que o outro, Jorge Machado, tem a inscrição na Ordem suspensa, afirma que "pôr todos no mesmo saco não é um bom critério" mas defende a existência de um regime mais apertado para se tornar mais efectivo o impedimento de deputados terem negócios com o Estado.

"Se um deputado que é médico intervir na lei dos genéricos, isso é à partida promiscuidade? Não é uma perspectiva séria tratar tudo por igual". João Oliveira afirma peremptoriamente que não é o exercício da profissão que gera "à partida, situações pouco claras" mas sim "a possibilidade de, enquanto deputado, ter negócios com o Estado"

"Não há incompatibilidade à partida. O que acontece é que a actual legislação tem um elenco de incompatibilidades e impedimentos para prevenir situações de promiscuidade mas é insuficiente no que respeita às sociedades de advogados", frisou.

A actual lei de incompatibilidades e impedimentos dos deputados determina que se os deputados detiverem mais que 10% do capital de uma empresa ficam impedidos de participar em concursos de fornecimento de bens ou serviços, no exercício de actividade de comércio ou indústria, em contratos com o Estado.

Em 2006, o grupo parlamentar do PCP queria alterar o estatuto dos deputados abarcando entre outras alterações, a inclusão expressa das sociedades de advogados no regime das incompatibilidades e impedimentos mas essa proposta foi na altura rejeitada pelos deputados do PS.

Existem 51 advogados entre os 230 deputados da Assembleia da República

Quase um quarto dos 230 deputados em funções na Assembleia da República é advogado.

São 51 os deputados que exercem a profissão de advogado e entre esses que foram eleitos nas ultimas eleições legislativas para ocuparem cadeiras no parlamento português, 23 estão na bancada parlamentar do PS, 20 na do PSD, seis na do CDS-PP e dois na da CDU.

45% do total de advogados-deputados estão na bancada do PS, 39% são sociais-democratas, 12% estão na bancada do CDS-PP e 4% na do PCP.

Por grupos parlamentares constata-se que no grupo parlamentar do PSD, 26,6% dos 75 deputados são advogados, enquanto o PS tem 19% de advogados entre os seus 121 eleitos.

A bancada do CDS-PP é a que apresenta a maior proporção de eleitos advogados, já que metade dos 12 deputados que conseguiram eleger nas últimas eleições legislativas declararam exercer advocacia.

A CDU, coligação eleitoral que reúne o PCP e o partido ecologista “Os Verdes” elegeu 11 deputados para se sentarem na Assembleia da República. Apenas dois desses eleitos, ambos pertencentes ao PCP, declararam como profissão principal a advocacia, sendo que um tem a inscrição suspensa.

Nas bancadas do Bloco de Esquerda e no Partido Ecologista "Os Verdes", respectivamente com 8 e 2 deputados, não há advogados.
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