Depoimento. "Que dia!"

por Mário Aleixo - RTP
"Balbúrdia total. Correrias intermináveis. A cada esquina um drama humano daqueles que viam queimado o seu negócio ou emprego" RTP

O dia nasceu quente em Lisboa. A meio do duche matinal a rádio dava a notícia mais ou menos normal: há um incêndio no Chiado.

Alguns minutos depois na paragem do autocarro os meus habituais colegas de transporte meio ensonados balbuciavam a notícia: “Parece que houve qualquer coisa no Chiado. Um incêndio parece…”

Com a chegada à redação do jornal a coisa tomou outros contornos. Os meus camaradas mais madrugadores já estavam no local. Eu e outros fomos para o Chiado à hora do almoço rendê-los.

Balbúrdia total. Correrias intermináveis. A cada esquina um drama humano daqueles que viam queimado o seu negócio ou emprego. As pessoas a quererem furar as barreiras de segurança para ver mais de perto a desgraça alheia. Parece masoquismo.

E eu ali em cima dos bombeiros e da polícia a querer saber os detalhes dos trabalhos, para reunir elementos para a peça que haveria de escrever horas mais tarde e a falar com os que faziam do Chiado o seu “ganha pão” no dia-a-dia.

Na Rua Nova do Almada cruzei-me com um homem dos seus 50 e tal anos que chorava compulsivamente encostado à umbreira de um prédio, onde horas antes estava instalada a Casa Batalha que fazia as delícias das “alfacinhas” mais vaidosas. Tentei convencê-lo que o mais importante era ele estar vivo mas respondeu-me que tinha perdido ali uma vida de trabalho.

Sem telefones e telemóveis (modernices) de vez em quando era uma correria para o carro do jornal (Correio da Manhã) que tinha ficado estacionado no Terreiro do Paço. Era a única forma de comunicar para a Redação pelo nosso sistema interno.

A meio da tarde foi a viagem de helicóptero com o meu fotógrafo (hoje repórter fotográfico) e a visão aterradora de um quarteirão esburacado todo consumido pelas chamas.

Já no fim do dia uma última volta pelo quarteirão queimado e o sentimento do jornalista de que não havia mais nada a fazer ali.

Foi o regresso ao jornal com o passo apressado ainda a tempo de dar um pontapé numa carteira profissional de jornalista, perdida no asfalto, de uma camarada da Rádio Renascença (desculpa Marina a confidência!)

Depois foi chegar, escrever num ápice e dar o texto ao chefe. Entre vozes alteradas e gritos apelativos, havia montes de papéis perdidos, centenas de fotografias espalhadas enquanto na maquetagem já se desenhava a edição do jornal que ia para as bancas horas depois.

Que dia!
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