Em direto
Guerra na Ucrânia. A evolução do conflito ao minuto

Covid-19. Como vai funcionar a app de rastreamento de contactos em Portugal?

Está prestes a chegar a Portugal uma aplicação para o rastreamento de contactos que servirá como medida de reforço contra a Covid-19, permitindo a cada pessoa saber se esteve próxima de alguém infetado. Seguindo critérios recentemente impostos pela Comissão Europeia, esta app para smartphones deverá garantir a privacidade dos dados de todos os cidadãos e apenas será instalada por quem decidir fazê-lo. Explicamos aqui como funcionará esta nova ferramenta, que se encontra em desenvolvimento também noutros países e que poderá funcionar a nível transfronteiriço.

“As aplicações para telemóveis podem ajudar as autoridades de saúde a nível nacional e europeu a monitorizar e a mitigar a pandemia de Covid-19, facilitando o acompanhamento de doentes e guiando os restantes cidadãos”. Quem o defende é a Comissão Europeia, num documento no qual explica que as apps de rastreamento de contactos se têm revelado “as mais promissoras”.

Até agora, o rastreamento de contactos de cada doente com Covid-19 nos vários países tem sido feito manualmente pelas autoridades de saúde pública, que entrevistam os infetados para determinar com quem estiveram em contacto a partir das 48 horas anteriores ao aparecimento de sintomas. Para além de demorado, este processo não é 100 por cento eficaz, uma vez que depende da memória dos pacientes sobre com quem se cruzaram e durante quanto tempo.

É para melhorar este rastreamento que servem as aplicações para telemóveis. De acordo com Bruxelas, se pelo menos 50 por cento da população de cada país instalar a app, a sua utilização será “útil” para a mais rápida deteção de eventuais casos de Covid-19 e para a interrupção de cadeias de transmissão do vírus.

No entanto, o rastreamento manual de contactos continuará a desempenhar um papel fundamental, em especial para aqueles que não têm acesso ao dispositivo necessário para a instalação da app, nomeadamente idosos.

Para que todos os países europeus que se encontram atualmente a desenvolver este tipo de aplicações possam funcionar em sintonia, garantindo acima de tudo a segurança e a privacidade dos utilizadores, a Comissão Europeia lançou um guia com as diretrizes a serem seguidas para os Estados-membros. Todas as aplicações devem:


Quanto a prazos, a Comissão Europeia esclarece que até 30 de abril as autoridades de saúde pública irão avaliar a eficácia das aplicações desenvolvidas, quer a nível nacional quer a nível transfronteiriço. Cada Estado-membro deve, até 31 de maio, apresentar um relatório sobre as ações que desempenhou neste âmbito.

Quando as apps já estiverem no ativo, caberá a Bruxelas avaliar os progressos alcançados, publicando a partir de junho de 2020 e durante toda a crise relatórios periódicos com a recomendação de ações ou do levantamento de restrições que já não considere necessárias.
Como deverá funcionar a app portuguesa?
Em Portugal, o funcionamento de uma aplicação de rastreamento deverá estar para “muito em breve”, segundo declarações recentes do secretário de Estado para a Transição Digital, André de Aragão Azevedo, ao Observador. A medida também foi já admitida pelo primeiro-ministro, António Costa.

Tendo em conta as diretrizes da Comissão Europeia, é já possível prever como irá funcionar esta tecnologia, que deverá também em breve ser adotada segundo os padrões de Bruxelas em países como a Alemanha, Espanha, França, Reino Unido ou Estónia.

Em comum, estes países possuem outro fator: estão a desenvolver as suas aplicações em estreita colaboração com a iniciativa europeia Rastreamento Pan-Europeu de Proximidade e de Preservação da Privacidade (PEPP-PT), composta por grandes empresas europeias e universidades e cujo objetivo é apoiar os países que se encontram a trabalhar em aplicações que vão ao encontro dos critérios da Comissão Europeia.

As aplicações que forem desenvolvidas ao abrigo da PEPP-PT seguirão um critério obrigatório para garantir a privacidade da população: utilizarão o sistema de Bluetooth dos telemóveis, e não o de GPS. Além disso, cada smartphone emitirá um ID numérico para o utilizador, temporário e anónimo, pelo que a identidade das pessoas será sempre protegida. O sistema PEPP-PT também não permite que sejam registadas geolocalizações.

“Os eventos mais antigos do histórico de proximidade são apagados quando se tornam sem importância do ponto de vista epidemiológico”, garante a PEPP-PT no seu site oficial. Ou seja, apenas ficam guardados os contactos de proximidade “que possam ser relevantes para a transmissão do vírus”.

Como vão estar interligadas as aplicações de diferentes países?
Num cenário em que se prevê a existência de uma aplicação em cada Estado-membro da UE, Bruxelas salientou a importância de que estas apps estejam interligadas, de modo a que um cidadão que se desloque a outro país continue informado no caso de se aproximar de alguém infetado.

“As cadeias de infeção não param nas fronteiras nacionais ou regionais. Para colaborarem e gerirem o contágio além fronteiras, as autoridades de saúde pública devem conseguir trocar informação sobre indivíduos infetados ou expostos à Covid-19” e as aplicações devem seguir “protocolos comuns de interoperabilidade”, escreveu a Comissão Europeia no guia aos Estados-membros.

A iniciativa PEPP-PT irá permitir esta interligação entre as apps que sejam desenvolvidas ao seu abrigo. Quando um utilizador da app é diagnosticado com Covid-19 e autoriza a partilha desse diagnóstico com os utilizadores com quem esteve em proximidade (sem que nenhum dos indivíduos tenha conhecimento da identidade do outro), essa informação chega a todas as aplicações que estejam ligadas ao sistema PEPP-PT, incluindo as apps de países estrangeiros.

Como? O servidor (backend) controlado pelas autoridades de saúde do país da app A estará ligado ao servidor da app B. Assim, um utilizador da app A que esteja em contacto com um utilizador da app B será na mesma alertado se mais tarde as autoridades de saúde concluírem que o segundo estava infetado, ou vice-versa, apesar de serem cidadãos de países diferentes.

Apps de outros países estão menos focadas na privacidade
Não só países europeus estão motivados no desenvolvimento de aplicações de rastreamento de contacto. A própria iniciativa PEPP-PT refere, no seu site oficial, que se baseou no exemplo de sucesso de alguns países asiáticos que já têm este tipo de apps em funcionamento. A diferença entre esses países e os Estados-membros que colaboram com a PEPP-PT reside, fundamentalmente, na privacidade e proteção de dados que Bruxelas impõe.

A Comissão Europeia explica que Singapura foi uma das primeiras regiões do mundo a introduzir ferramentas digitais para o combate à Covid-19. “O Ministério da Saúde desenvolveu uma aplicação de rastreamento de contactos [por Bluetooth] que envia uma notificação àqueles que estiveram em proximidade com pacientes infetados”, à semelhança do que se planeia agora para a UE, menciona Bruxelas.

No entanto, em Singapura é colocada online informação sobre cada doente com Covid-19, incluindo a idade, o local de trabalho e o sítio onde se encontra em isolamento. O nome do paciente é ocultado, sendo-lhe atribuído um número.

Na China, o Governo atribui a cada cidadão um código QR com uma cor específica conforme os sintomas que registaram ou as pessoas com quem estiveram em contacto: verde para quem não precisa de se isolar, amarelo para quem deve cumprir sete dias de isolamento e vermelho se forem necessários 14 dias de isolamento.

Na Coreia do Sul a vigilância é mais apertada. As agências governamentais estão a utilizar câmaras de videovigilância, dados de localização dos smartphones e registos de compras dos cartões de crédito para rastrear os movimentos dos doentes infetados pelo novo coronavírus e estabelecer as cadeias de transmissão.

As autoridades sul-coreanas publicam ainda num site do Governo o histórico de localização de cada pessoa com Covid-19 e outros detalhes sobre os doentes, entre os quais quando saíram para trabalhar, se utilizaram máscaras nos transportes públicos, os espaços de lazer que frequentaram e os nomes das unidades de saúde onde realizaram o teste.

Já nos Estados Unidos, a Casa Branca entrou recentemente em contacto com a Google, o Facebook e outras empresas de tecnologia para discutir a eventual utilização de dados de localização dos telemóveis dos norte-americanos para vigiar a propagação do vírus. Vários membros do Congresso dos EUA apelaram, entretanto, a Donald Trump para que tenha em consideração a proteção da privacidade dos cidadãos.
Regresso à normalidade?
O novo coronavírus já infetou mais de três milhões de pessoas a nível global desde que surgiu pela primeira vez na China, em dezembro. As mortes superam as 200 mil em todo o mundo. Portugal, elogiado internacionalmente pela forma como tem lidado com a pandemia, encontra-se em estado de emergência até 2 de maio, data após a qual se prevê que comecem a ser gradualmente levantadas algumas das medidas impostas à população.

Vários estabelecimentos comerciais deverão começar a reabrir no dia 4 de maio e muitos portugueses que estão atualmente em casa vão regressar ao trabalho, pelo que todos passaremos a estar mais expostos ao vírus, risco com o qual especialistas já alertaram que teremos de nos habituar a conviver.

Para que esse risco de contágio seja o menor possível nesta fase de transição, torna-se necessária a implementação de medidas de segurança adicionais, sendo uma delas a utilização, pelo maior número de pessoas possível, da app de rastreamento de contactos que estará disponível em breve.

“Os Estados-membros estão coletivamente determinados a regressar à vida normal sem prejudicar os nossos direitos fundamentais e liberdades”, elucida a Comissão Europeia. “Estão a procurar unir-se no uso de ferramentas de saúde digitais que tenham um papel significativo na luta contra a pandemia. Implementar apps de rastreamento pela UE é um importante primeiro passo nesse sentido”.

Mesmo quem não instale a aplicação beneficiará da sua existência, uma vez que quem a usar poderá levar à interrupção de cadeias de transmissão da doença que, caso contrário, permaneceriam ativas e em crescimento. A monitorização da doença torna-se, assim, um desafio para o qual a ajuda dos cidadãos será uma mais-valia.

Seja qual for a app escolhida para acompanhar o dia-a-dia dos portugueses durante a fase de transição, uma coisa é certa: terá de estar de acordo com o regulamento europeu da proteção de dados e com os valores constitucionais, garantiu recentemente António Costa.