Colonos vieram nos anos 50 para verem a terra mingar e os filhos emigrar

por © 2008 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.

** Texto de Paula Lima e fotos do João Miranda, da agência Lusa **

Vila Pouca de Aguiar, 19 Mar (Lusa) - Nos anos cinquenta do século passado enquanto milhares de portugueses optavam pela emigração várias famílias aceitaram o desafio de colonizar as zonas mais desérticas do Portugal continental.

António de Oliveira Salazar mandou preparar, por intermédio da Junta de Colonização Interna, terrenos para 160 colonos que ocuparam 4.355 hectares de terrenos baldios.

O plano de acção da junta, que foi apresentado em 1937, tinha como objectivo o desenvolvimento da actividade agrícola nos distritos de Portugal com mais área de baldios.

Segundo o professor catedrático Eugénio de Castro Caldas, em "A Agricultura na História de Portugal", foram instalados 24 colonos no Alvão (Vila Pouca de Aguiar), 57 nos baldios de Boticas e Montalegre, 12 nos Milagres (Leiria), 36 na Colónia de Martin Rei (Sabugal), 10 na Boalhosa (Paredes de Coura) e 22 na Gafanha (Ílhavo).

Maria Ermelinda Monteiro, 81 anos, espreita pela janela da sua casa para ver passar grandes camiões carregados com as estruturas das torres dos aerogeradores, os símbolos da modernidade que nos últimos tempos invadiram a Serra do Alvão.

A casa onde ainda habita é a mesma que foi concedida à sua família, há 60 anos, pela Junta de Colonização Interna.

Conjuntamente com os terrenos para cultivar, o Estado concedia aos colonos uma casa adaptada às práticas agrícolas, com espaço de moradia e de resguardo e armazenagem de equipamentos e géneros.

"O meu marido andava a trabalhar nas vinhas no Douro quando fomos convidados a vir morar para aqui. Aceitamos logo e nunca mais de cá saímos", salientou hoje a idosa, em declarações à agência Lusa.

De Soutelo de Aguiar, a família subiu para o planalto, a poucos quilómetros de distância.

Na zona do Alvão foi incrementado o cultivo da batata entre os colonos, os quais viriam a dar nome às localidades onde foram instalados.

Em Vila Pouca de Aguiar contam-se os Colonos de Soutelo, Colonos de Baixo ou Colonos do Campo de Viação.

Hoje a maior parte dos terrenos da família de Ermelinda estão abandonados, embora o marido, João Oliveira de Carvalho, 79 anos, ainda continue a semear algumas batatas, milho e outros cereais.

Alguns quilómetros mais à frente, Maria Teresa Pipa, 63 anos, conta apenas com a companhia do genro, que, desde que o marido foi internado, a tem ajudado nas lides do campo.

Maria Teresa tinha 23 anos quando aceitou o desafio de ir viver para o planalto do Alvão, onde, durante longos anos, conjuntamente com o marido cultivou batata e centeio.

"Hoje a agricultura já não dá rendimento nenhum. Semeamos algumas batatas que vendemos a menos de 10 cêntimos o quilo, o mesmo valor que custavam antigamente", afirmou.

Em jeito de desabafo a agricultora considera que "no tempo de Salazar era melhor".

"Matamos aqui a nossa mocidade. Mas a verdade é que também já não me consigo imaginar a viver noutro sítio", salientou.

António Guedes, 51 anos, presidente da Junta de freguesia da Lixa, nasceu nos Colonos de Carrazedo do Alvão.

Segundo contou à Lusa, o seu pai, Justo Alexandre Guedes, trabalhava nos caminhos-de-ferro, na Régua, quando leu um anúncio no jornal sobre as colónias.

"Como o dinheiro que recebia não chegava para quase nada, aceitou vir viver para aqui", disse.

Já com quatro filhos, de um total de dez, e com toda a mobília dentro de um jipe, a família chegou a Carrazedo do Alvão em 1955.

"Nos primeiros anos cultivou as terras e continuou a trabalhar para o caminho-de-ferro. As terras eram incultas, e, por isso, demoraram a granjear e a produzir", salientou.

Nos primeiros cinco anos, as famílias tinham direito às sementes e a material de apoio, e, em contrapartida, tinham que pagar o equivalente a cinco contos (25 euros) de renda anual ao Estado.

Depois do 25 de Abril, o Estado propôs às famílias a aquisição das propriedades, um negócio que foi aceite pela maior parte delas.

António Guedes diz que, durante vários anos, a agricultura foi rentável.

"Trabalhávamos muito mas a terra rendia e os produtos eram bem vendidos. Há cerca de 20 anos a agricultura entrou em declínio", afirmou o autarca.

Tal como a maior parte dos irmãos que emigraram, também António Guedes esteve a trabalhar em França, na Suiça e até passou por Lisboa.

No entanto, diz que não descansou enquanto não regressou à terra natal, onde comprou mais duas colónias em terrenos vizinhos aos da propriedade do pai.

"Hoje tenho os terrenos quase todos abandonados. Possuo apenas um pequeno rebanho", disse.

Foi também nos Colonos de Soutelo que nasceram nove dos 11 filhos do casal e foi, também daqui, que Ermelinda Monteiro viu partir a maioria deles para o estrangeiro.

Os dois filhos de Maria Teresa também emigraram para a França e Espanha.

O fenómeno da emigração, comum a toda região transmontana, atingiu muitas das famílias dos colonos. Os filhos optaram por partir para França, Suiça, Bélgica ou Espanha em busca de melhores condições de vida.

"Muitas casas degradaram-se, os terrenos estão novamente abandonados. A agricultura está a morrer e ninguém faz absolutamente nada", afirmou António Guedes.

A partir da Junta de Colonização Interna criaram-se, posteriormente, os Grémios da Lavoura, de expressão concelhia, os quais se encarregavam do processo de comercialização dos produtos.

Tratou-se, na época, de uma grande revolução, no meio agrícola e agrário português.

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