O Tribunal de Coimbra condenou cinco de seis arguidos acusados de tráfico de seres humanos, entre 2013 e 2018, a penas efetivas de prisão, entre seis e sete anos.
Quatro arguidos, pertencentes ao mesmo núcleo familiar com residência na área da Covilhã, foram condenados a sete anos de prisão efetiva, um a seis anos de prisão e outro a cinco anos de prisão suspensa na execução, afirmou o juiz João Ferreira, que procedeu hoje à leitura de sentença.
Quatro arguidos foram condenados pela prática de oito crimes de tráfico de seres humanos, um por sete crimes de tráfico de seres humanos e um por seis.
Todos os arguidos estavam acusados de participarem num grupo que, entre 2013 e 2018, ludibriava homens em situações económicas vulneráveis (a maioria eram sem-abrigo), especialmente nas cidades de Aveiro e Coimbra, para irem para explorações agrícolas em Espanha, onde depois eram obrigados a trabalhar sem qualquer descanso e sem qualquer pagamento, referia o Ministério Público, na acusação a que a agência Lusa teve acesso.
O Tribunal deu como provada grande parte da acusação, com "algumas exceções relevantes".
Em relação a uma das oito vítimas associadas ao processo, não ficou provada a ligação aos arguidos, notou.
Também em relação ao crime de associação criminosa de que os arguidos estavam acusados, o coletivo de juízes considerou que, apesar de se estar perante um caso "com alguma estabilidade e permanência temporal", tratava-se de uma atuação cujas relações eram reflexo da estrutura familiar, sustentou João Ferreira.
Os quatro arguidos com as penas mais pesadas pertenciam todos ao mesmo núcleo familiar - mãe, dois filhos e o companheiro de uma filha -, para além de que o grupo era liderado pelo pai, que continua fugido à justiça e que será julgado num processo separado.
O juiz que presidiu ao coletivo salientou que o Tribunal de Coimbra valorou as declarações prestadas pelas vítimas durante a fase de inquérito.
"As declarações são, entre elas, coerentes e também coerentes com toda a documentação junta aos autos", vincou, salientando que as declarações posteriores, nomeadamente em julgamento, apresentam incoerências que não decorrem de alguém "que tenta mentir", mas de pessoas "vulneráveis, com situações de saúde graves e numa situação de stress".
Relativamente ao arguido que foi condenado a uma pena suspensa de cinco anos, o Tribunal de Coimbra recordou que, durante o julgamento, este "não teve problemas em dizer que o que constava da acusação correspondia à verdade", apesar de ser ameaçado pelos restantes acusados.
Apesar disso, "ele tentou desculpabilizar-se e diminuir a sua responsabilidade", notou o juiz.
Durante a leitura de sentença, o Tribunal de Coimbra valorizou a postura de colaboração e autocrítica deste arguido, cuja atuação dentro do grupo "acontece na fronteira de agressor e vítima, visto que na parte final foi sujeito ao mesmo tratamento do que os ofendidos".
O juiz João Ferreira vincou que, para além de condições de habitação e alimentação indignas, as vítimas eram sujeitas a ameaças e a violência física.
"É desumano o que vocês fizeram", disse, dirigindo-se aos arguidos, vincando que o "Tribunal não pode ficar indiferente".
De acordo com a acusação, o grupo optava por homens que se encontravam em situação de "evidente vulnerabilidade física e psicológica, tratando-se de pessoas socialmente excluídas, com dificuldades económicas notórias e alguma debilidade psicológica e mental, em parte consequência de dependências alcoólicas ou de estupefacientes".
A maioria das vítimas vivia em situação de sem-abrigo e algumas foram abordadas pelo grupo enquanto arrumavam carros na cidade de Coimbra.
Os locais de pernoita eram normalmente espaços sem condições mínimas de habitabilidade e salubridade, em zonas isoladas.
Na acusação, é relatado o caso de um armazém para secar tabaco, onde chovia no interior, e sem qualquer casa de banho.
A alimentação, para além de ser em quantidade reduzida ("algumas das vítimas ficavam com fome"), era de fraca qualidade, sobretudo "salsichas e enlatados, arroz, massa e batatas e, esporadicamente, carne", que se resumia a aparas de frango para dar aos cães.
Segundo as contas do Ministério Público, o grupo ter-se-á apoderado de, pelo menos, 215 mil euros que deveriam ter sido pagos às vítimas.