Cientistas portugueses realçam importância de primeiro genoma humano completo

por Lusa

Cientistas portugueses que não participaram na primeira sequenciação completa do genoma humano, hoje publicada, realçaram o "marco histórico" do trabalho que abre "novas portas" para o estudo de doenças e a compreensão da diversidade e evolução da espécie humana.

"Há várias doenças humanas associadas a encurtamento anormal de telómeros e a falhas na regulação da ação dos centrómeros que nunca tinham sido devidamente estudadas a nível genético e agora podem sê-lo", disse à Lusa o investigador Nuno Morais, que lidera no Instituto de Medicina Molecular (IMM) da Universidade de Lisboa, um laboratório que trabalha com dados de genómica.

Os telómeros (extremidades dos cromossomas) e os centrómeros (estruturas centrais onde os dois braços dos cromossomas se ligam) ficaram de fora da sequenciação do genoma humano publicada em 2003, uma vez que a tecnologia da altura não permitia ler as partes do genoma muito repetitivas e que correspondem a 8% do tamanho total do material genético das células humanas.

"Sabia-se que a tecnologia disponível na altura não possibilitava a sequenciação de cerca de 8% do genoma associado a zonas repetitivas", frisou Nuno Morais, assinalando que em 2003 foram sequenciadas 99,9% das regiões do genoma "que se sabia conterem genes, isto é, que codificam proteínas, que são as principais unidades estruturais e funcionais das células".

Com o trabalho hoje publicado, torna-se "efetivamente a primeira vez que um genoma humano é sequenciado integralmente", em que "todos os cromossomas presentes num grupo de células idênticas são sequenciados sem lacunas de uma ponta à outra", destacou.

Segundo o investigador, o trabalho do consórcio T2T sugere que nos 8% do genoma sequenciados pela primeira vez "parece haver mais genes que codificam proteínas do que era estimado em 2003".

Além disso, de acordo com Nuno Morais, a nova sequência do genoma humano "mostra que finalmente" se pode "olhar para o genoma de cada pessoa como um todo, percebendo melhor a relação entre o funcionamento de um organismo e a sua genética".

"À medida que formos acumulando sequências genómicas integrais de diferentes pessoas, compreenderemos melhor a diversidade genética da espécie humana e a sua evolução", sublinhou, lembrando que, em média, a diferença genética entre dois seres humanos é de cerca de 0,1% do seu genoma.

Nuno Morais salientou, ainda, que com decifração completa do genoma será possível identificar "de forma mais exata a associação entre variantes genéticas e doenças, o que terá implicações aos níveis de diagnóstico e de terapias personalizadas".

Para a geneticista Luísa Pereira, do i3S - Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto, a sequenciação de regiões "altamente repetitivas" do genoma de uma pessoa, como foi feito pelo consórcio T2T, "já revelou novos genes nestas regiões e arranjos importantes que abrem novas portas no estudo de doenças".

A cientista, que lidera no i3S o grupo de investigação de diversidade genética, enfatizou que "estas zonas altamente repetitivas dos genomas são muito importantes para a vida", referindo que os telómeros "estão envolvidos na regulação do número de divisões celulares", tendo implicações no envelhecimento e no cancro, enquanto os centrómeros "têm um papel importantíssimo no alinhamento dos cromossomas" durante a divisão celular.

"Este é só o primeiro genoma completo. Mas os coordenadores já estão a obter vários outros genomas em populações diversas do nosso globo. A possibilidade de novas descobertas é enorme", apontou.

Para a investigadora Maria do Carmo-Fonseca, que preside ao IMM e dirige o laboratório de regulação génica, o trabalho hoje publicado "representa um importante marco na história da sequenciação do genoma humano".

"Até agora havia páginas do livro que não estavam traduzidas e ao longo do livro havia frases mal traduzidas. Naturalmente, este tipo de problemas não permitia uma interpretação correta da história contada no livro", comparou, sustentando que "conhecer o genoma humano completo e sem erros vai permitir avanços no conhecimento biomédico, nomeadamente aumentar a capacidade de diagnosticar e compreender as causas de doenças genéticas".

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