Foi há 20 anos que começou o realojamento dos antigos moradores do Casal Ventoso, em Lisboa. Entre 1999 e 2002 nasceram três novos bairros: Quinta do Cabrinha, Quinta do Loureiro e Ceuta Sul, onde foram acolhidas cerca de mil pessoas. No entanto, passadas duas décadas, muitos residentes dizem ter sido deixados ao abandono.
Maria Simões foi uma das pessoas a receber casa na Quinta do Cabrinha. Agora, 20 anos depois, sofre todos os dias com a falta de manutenção das habitações.
No prédio onde vive, existem dois elevadores: um está avariado há cinco anos e o outro há quatro meses. Por isso, todos os dias tem que subir dezenas de degraus até ao quarto andar, onde mora, apesar das dificuldades de mobilidade.
Emanuel Prezado, Jaime Guilherme, Miguel Teixeira - RTP
O acompanhamento inicial dos moradores estava, na altura, a cargo do Gabinete de Reconversão do Casal Ventoso. Com a sua extinção, a manutenção das casas ficou entregue à Gebalis.
José Carlos Pentrisco, morador na Quinta do Cabrinha, faz parte desta comissão. À RTP, relata a falta de segurança no bairro e as situações de isolamento de muitos idosos que vivem no Cabrinha, impossibilitados de sair de casa pelas avarias constantes nos elevadores.
Um projeto de inclusão social
Antes da chegada dos primeiros moradores, surgiu na Quinta do Cabrinha uma associação de luta contra a exclusão social.
O projeto surgiu a partir de um grupo constituído na Junta de Freguesia de Alcântara, que pretendia criar mediadores para a cidadania.
O grupo começou a trabalhar na Quinta do Cabrinha em outubro de 1998, tendo acolhido os primeiros moradores a chegar ao bairro.
Hoje, o ‘Projecto Alkantara’ dinamiza várias atividades com idosos e crianças dos três bairros.
Desporto como motor de uniãoNa Rua Quinta do Cabrinha, restam ainda as sedes de dois clubes que vieram do antigo Casal Ventoso: o Águias e o Santo António. No entanto, a atividade desportiva há muito ficou para trás, restando apenas os bares e salas de convívio destas associações.
Do outro lado da Avenida de Ceuta, na Quinta do Loureiro, a sede do Lisboa Futebol Clube, com quase 85 anos, mantém portas abertas.
Manuel Cardoso, o sócio número um, conta que “apenas a vontade de meia dúzia” mantém este clube a funcionar.
Segundo Filipe Santos, do ‘Projecto Alkantara’, chegaram a existir no antigo Casal Ventoso mais de duas dezenas de clubes.
Apesar de terem perdido força com a reconversão do bairro, as sedes que se mantêm abertas continuam a ser locais de encontro das populações.
Centro Social ganhou força com reconversão
Chamava-se ‘Centro Social do Casal Ventoso’ e, com a reconversão do bairro, ganhou novas instalações e um novo nome. O Centro Social José Luís Coelho presta homenagem ao fundador, que foi peça-chave na recuperação do bairro e representante informal dos residentes.
Numa altura em que mais de 500 toxicodependentes viviam permanentemente nas ruas do Casal Ventoso, José Luís oferecia-lhes refeições todas as tardes.
Emanuel Prezado, Jaime Guilherme, Vanessa Brízido - RTP
Neste centro social, Fernanda Fernandes cozinha para os utentes e trabalhadores há quase 30 anos e, por isso, assistiu de perto à reconversão, tendo sido também ela realojada na Quinta do Cabrinha.
Conta que a mudança foi inicialmente difícil, porque se perderam algumas relações de vizinhança, mas faz um balanço geral positivo do realojamento.
"Foi totalmente diferente, é uma mudança. Por exemplo para os nossos filhos, para os nossos netos, a mudança foi radical, mesmo", lembra Fernanda.
Memórias de um bairro próximo e familiar
Os realojamentos começaram em 1999 e terminaram em 2002. Para trás, ficou um bairro onde 40 por cento das casas não tinham água canalizada e quase 30 por cento não tinham esgotos.
Os antigos moradores lembram as relações de vizinhança que ultrapassavam a presença da droga no antigo Casal Ventoso.
Maria Simões diz ter perdido tudo com a transição para a Quinta do Cabrinha, um local a que chama “cemitério”.
Para José Carlos Pentrisco, o Cabrinha é como “o pátio de uma prisão” e “um autêntico inferno”.
Goreti Rodrigues, que integra a Comissão de Moradores, sente que os habitantes da Quinta do Loureiro foram “deixados à sorte” com o realojamento e pede mais “atenção” para com quem habita neste bairro.
À RTP, a Câmara Municipal de Lisboa confirma que estão em curso obras de reabilitação na Quinta do Cabrinha. A autarquia refere que esta intervenção acontece de forma faseada, tendo começado pelas coberturas dos prédios no final do ano passado.
Segue-se agora a colocação de painéis solares, a substituição do revestimento exterior das fachadas, a intervenção na rede de águas pluviais, nas instalações elétricas em áreas comuns, rede de gás, telecomunicações e abastecimento de água e ainda a substituição de janelas, caixas de correio, portas dos lotes e reparação de estendais.
A Quinta do Loureiro vai também ser alvo de uma intervenção profunda. As obras deverão começar em 2020, num investimento superior a um milhão de euros.