Campanha para retirar Nobel da Medicina a Egas Moniz

por Agência LUSA

Trinta anos depois dos médicos terem deixado de praticar lobotomias, familiares de pacientes que sofreram esta intervenção querem que seja revogado o Prémio Nobel atribuído em 1949 ao seu inventor, o neurologista português Egas Moniz.

Paralelamente, um novo livro e um historiador médico afirmam que esta intervenção cirúrgica, agora considerada "bárbara", só ajudou cerca de 10 por cento de 50.000 norte-americanos aos quais foi praticada entre meados dos anos 30 e os anos 70.

A lobotomia - usada para tratar doenças mentais, epilepsia e até dores de cabeça crónicas - foi desenvolvida em 1936 por Egas Moniz, que a praticou em pacientes com doenças psiquiátricas graves, como a esquizofrenia.

O processo consistia numa incisão em fibras nervosas que ligam o lobo frontal a outras regiões do cérebro, praticada através de orifícios feitos no crânio, daí resultando em teoria o fim do comportamento anormal do paciente.

Egas Moniz, muito respeitado a nível internacional por ter desenvolvido a angiografia cerebral, apresentou uma série de casos de sucesso em pacientes lobotomizados, o que lhe valeu a atribuição do Nobel da Medicina em 1949. Morreu em 1955.

A intervenção esteve tão em voga que Rosemary Kennedy, uma irmã do antigo presidente norte-americano John F. Kennedy que sofria de ligeiro atraso mental, foi lobotomizada em 1940 aos 23 anos. Depois disso passou toda a vida numa instituição até à sua morte em Janeiro passado.

Mas já no final dos anos 30 os médicos tinham começado a relatar casos de muitos pacientes que ficaram como crianças, apáticos e ensimesmados depois da operação, e o seu uso começou a decair com o advento de medicamentos psiquiátricos eficazes em meados dos anos 50 e o uso crescente dos electrochoques.

Actualmente, os conhecimentos sobre este procedimento cirúrgico está a levar familiares de pacientes a pedir a revogação do prémio Nobel entregue a Egas Moniz.

"Como é que se pode confiar no Comité Nobel quando não admite um erro tão terrível", interroga Christine Johnson, uma bibliotecária médica (de Levittown, Nova Iorque) que lançou uma campanha em prol da revogação do prémio.

A avó, Beulah Jones, que começou a sofrer alucinações em 1949, foi lobotomizada em 1954 depois de ser submetida sem êxito a tratamentos psiquiátricos e electrochoques, e passou o resto da vida em instituições.

Outro membro da campanha de Johnson, a enfermeira reformada Carol Noell Duncanson (de Marietta, Geórgia) diz que a mãe, Anna Ruth Channels, foi lobotomizada durante uma gravidez para acabar com dores de cabeça crónicas em 1949. A senhora, descrita como uma mulher brilhante e cheia de vivacidade, foi enviada para casa incapacitada, segundo a filha.

"Não era capaz de se alimentar, de falar, de ir à casa de banho e ficou agressiva", disse Duncanson.

Johnson, cuja avó morreu em 1989, iniciou há vários anos um site na Internet (psychosurgery.org) para criar uma rede de apoio entre familiares de pacientes lobotomizados.

Depois disso, ele um grupo de membros da campanha começaram a exigir a remoção de um artigo no site da Fundação Nobel que elogia Egas Moniz e justifica o prémio por não haver então nenhum tratamento psiquiátrico alternativo.

"Não há nenhuma hipótese de se revogar o prémio", declarou o director executivo da fundação, Michael Dohlman, que disse não se recordar de nenhum outro Nobel da Medicina que tenha sido contestado.

A Carta Nobel não contém nenhuma cláusula que preveja a revogação de um prémio e a fundação ignora habitualmente as críticas, como aconteceu quando foi atribuído a Yasser Arafat o Nobel da Paz.

Como a fundação de recusa a retirar ou alterar o artigo, Johnson quer agora obter a adesão de outros vencedores de prémios Nobel à sua campanha.

Entretanto, o jornalista Jack El-Hai publicou recentemente "O Lobotomista", um livro sobre o principal divulgador deste procedimento nos Estados Unidos, o neurocirurgião Walter Freeman, que fez 3.400 operações.

Num editorial da revista New England Journal of Medicine, Barron H. Lerner, historiador de Medicina e professor associado no College of Physicins and Surgeons da Universidade de Columbia, afirma que este tipo de intervenção foi um esforço desesperado para ajudar muitos dos 400.000 pacientes que em meados do século enchiam os hospitais psiquiátricos dos Estados Unidos.

Só um pequeno número de pacientes passou a ser mais calmo e sociável, refere no livro.

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