Bruxelas.PT - Os instrumentos da Política de Segurança e Defesa da União Europeia

por Andrea Neves correspondente Antena 1 em Bruxelas

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Uma conversa da jornalista Andrea Neves com a Embaixadora Ana Paula Moreira, Representante Permanente de Portugal no Comité Político e de Segurança.

A necessidade de uma Política Comum de Segurança e DefesaComo surge a necessidade de uma Política de Segurança e Defesa ao nível da União Europeia?

Eu considero que resultou de um contexto internacional que foi progressivamente demonstrando que a Europa – como o Mundo em geral num contexto geopolítico cada vez mais instável, de maior conflitualidade e de uma certa vulnerabilidade – estava vulnerável. Os ataques terroristas em solo europeu foram um grande fator de mudança na perceção da vulnerabilidade e da necessidade de desenvolver mecanismos de resiliência interna e de resposta às causas profundas da instabilidade global.

Mas a verdade é que isto teve uma correspondência da parte dos cidadãos que, no fundo, apoiam estas políticas. Os dados do Eurobarómetro do ano passado mostram uma larga perceção favorável ao desenvolvimento de uma Política Comum de Segurança e Defesa – com valores na ordem dos 85 por cento dos cidadãos a apoiarem o desenvolvimento desta política – precisamente por perceberem que, hoje em dia, a resposta às ameaças não pode ser feita por nenhum Estado isolado, sozinho.

E falamos das ameaças convencionais, mas falamos também de outro tipo de ameaças, as ameaças híbridas, as ameaças ciber, até das ameaças de desinformação. Não podemos olhar para a questão da segurança de uma forma muito tradicional e centrada na imagem de um canhão e de uma invasão

de fronteiras, que no fundo foi aquilo com que fomos confrontados a 22 de fevereiro de 2022 e que pensávamos que era algo que já não iria acontecer.

Até porque, como já referiu as ameaças são várias e cada vez mais até de fontes diversificadas, se assim podemos dizer, e exigem uma ação rápida da União Europeia.

Suponha que há um ataque a um sistema informático que põe em causa o funcionamento do Sistema Nacional de Saúde de um país membro da União Europeia. A União tem a capacidade enviar imediatamente equipas de resposta rápida para, no fundo, perceber de onde vieram estas ameaças e restaurar os sistemas, de imediato e sem que isto afete os cidadãos. E estamos a falar de áreas absolutamente cruciais como a saúde, ou os sistemas bancários, ou até o sistema de educação.

Portanto, a Europa está a desenvolver este conjunto de instrumentos porque percebeu que há necessidade de reforçar a sua resiliência interna e, ao mesmo tempo, trabalhar cada vez mais com parceiros essenciais – sejam eles os parceiros do outro lado do Atlântico, os parceiros na sua vizinhança Sul, os parceiros a Leste, mais expostos e vulneráveis – seja com organizações internacionais como a NATO, como as Nações Unidas ou como a União Africana e as organizações sub-regionais do Continente Africano, da Ásia ou da América Latina.

Num Mundo global, onde as ameaças são cada vez mais complexas, as respostas têm que ser de natureza global e, portanto, só trabalhando em estreita articulação é que a União Europeia consegue efetivamente manter o seu papel de ator global e, ao mesmo tempo, salvaguardar os interesses de terceiros.

Mas esta Política Comum de defesa não implica ter um exército comum da União Europeia?

Não. A Política Comum de Defesa implica uma estratégia e foi por isso que evoluiu para a Bússola Estratégica. E o que é a Bússola Estratégica? É um documento mais focado na área da segurança e da defesa, precisamente porque se percebeu que era necessário aprofundar e definir, em matéria de segurança, os passos seguintes da União Europeia. Quando se fala na NATO de um Conceito Estratégico, fala-se de como é que nós vamos governar, num período de determinado tempo, a perceção de ameaça e como é que vamos preparar a organização para a resposta a essa ameaça.

O desenvolvimento da Bússola Estratégica foi, no fundo, um espelho dessa cultura da NATO: foi desenvolver na Europa uma cultura de perceção de ameaça e de desenvolvimento de respostas comuns.

Existe um contexto global no qual a Europa passou, de facto, a ter múltiplos polos de instabilidade ao seu redor. Usando linguagem NATO: no flanco Leste, no flanco Sul, mas também numa perspetiva de 360 graus. E a Europa precisa de estar capaz de responder a esse tipo de ameaças e esse tipo de riscos.
A participação dos Estados-MembrosQuando falamos de Política de Defesa Comum, a maior parte dos cidadãos pensa no exército comum e já me disse que não, que não é esse o caminho. Sendo assim, como é que cada Estado-Membro participa nesta Política Comum de Defesa?

Uma das áreas de ação da Política Externa e de Segurança Comum é visível através de missões e de operações. Há missões e operações para responder a situações de instabilidade e de conflito. Normalmente, a União Europeia intervém numa fase prévia, em termos de prevenção de conflitos. A criação de uma missão só é possível com os meios disponibilizados pelos Estados-Membros.

Voluntariamente?

Os Estados participam, numa base voluntária, nas missões e operações da União Europeia. Normalmente fazem-no através de um mandato que lhes foi conferido a pedido do país terceiro – porque o próprio país percebe que tem necessidades de ser apoiado, que precisa de uma organização ou de uma assistência e de uma capacitação a nível interno – e, portanto, há um mandato que é definido para uma missão em concreto – ou para uma operação, são situações distintas – no âmbito dos mecanismos da União Europeia e financiada por mecanismos próprios.

Financiada por mecanismos próprios, ou seja, por fundos próprios, com participação dos Estados-Membros através do PIB?

Com a Bússola Estratégica surge um reforço da capacidade de resposta da União Europeia e a criação de um instrumento de natureza financeira que resulta de um esquema de participação nacional dos Estados-Membros com base no seu Produto Interno Bruto. Portanto, os Estados-Membros participam contribuem financeiramente para o Mecanismo Europeu, que tem valores previamente definidos.

Não há um exército, mas há uma mobilização dos Estados-Membros. A defesa é uma matéria de soberania nacional – e continuará a ser – o que não quer dizer que os Estados não percebam que têm que desenvolver uma cultura comum de defesa, precisamente para poderem atuar enquanto União Europeia, e não apenas como Estados ou com base em cooperações estruturadas permanentes.
O Fundo Europeu de DefesaNa sequência do que temos vindo a analisar, surgiu o chamado Fundo Europeu de Defesa. O que é o Fundo Europeu de Defesa e a que projetos se destina?

O Fundo Europeu de Defesa destina-se a apoiar projetos na área da defesa nas componentes de investigação e, depois, de desenvolvimento industrial.

A componente de investigação é associada também a própria Academia, às Universidades, à capacidade de inovação. No fundo, estas são áreas que a União se tem preocupado em desenvolver – a investigação e o desenvolvimento – e isso aplica-se também à área de defesa. Há necessidade de testar protótipos, de desenvolver projetos inovadores seja na área das comunicações, seja na área da ciberdefesa – como os veículos autónomos, os drones, ou capacidades mais tradicionais – em consórcios de pelo menos três a quatro Estados-Membros que podem associar-se para desenvolver projetos que consideram relevantes para o desenvolvimento das indústrias de defesa. E, uma vez testados esses produtos, podemos passar da fase da investigação à fase da produção industrial.

No nosso caso, Portugal tem defendido que também as pequenas e médias empresas devem ser incluídas neste exercício, porque temos interesse em que o desenvolvimento desta indústria não seja feito apenas através do setor das grandes empresas tradicionais de defesa – e nesse aspeto há, como sabemos, Estados-Membros da União Europeia que têm o desenvolvimento de uma política industrial de defesa muito antiga e consolidada.
A Indústria Europeia de DefesaO que se pretende com o reforço de uma Indústria de Defesa na Europa?

Ao construirmos uma Indústria de Defesa Europeia queremos abrir o leque e descobrir que há oportunidades de trabalhar em conjunto – algumas vezes com empresas de nicho como é o caso em Portugal – que permitem o desenvolvimento da investigação e da capacidade de produção industrial para sustentarem a consolidação de uma base tecnológica industrial de defesa.

E Portugal está envolvido nestes projetos?

Há 60 projetos PESCO (Permanent Structured Cooperation) que são avaliados regularmente. Portugal lidera três e participa em 14 ao todo. Isto significa, no

fundo, que Portugal tem tido, desde o primeiro momento, uma política de desenvolvimento de capacidades de defesa. Esta era uma das áreas em que a Europa estava muito dependente da capacidade de produção industrial de terceiros. É verdade que o capital humano é essencial – a parte humana, uma cultura partilhada de trabalho em conjunto das forças militares é muito importante – mas é essencial criar capacidades de mobilização, de desenvolver capacidades de assistência com as quais podemos levar as forças ao terreno, para garantir a sua estabilidade, a sua segurança, o apoio médico, etc. Tudo isto são elementos essenciais de qualquer operação e precisam de ser partilhados e trabalhados em conjunto.

E este Fundo Europeu de Defesa é financiado como? Onde que se vai buscar o dinheiro para financiar estes projetos da Indústria da Defesa da União Europeia?

É através do Orçamento da União que percebeu que o desenvolvimento de uma política industrial global passa também pelo desenvolvimento de uma Política Industrial de Defesa. Por isso o Orçamento passou também a dedicar montantes específicos para o Fundo Europeu de Defesa.

Tudo isto foi percebido de forma mais aprofundada na sequência da invasão da Ucrânia pela Rússia, porque foi necessário desenvolver uma cultura de mecanismos de apoio à Ucrânia e isso implicou que a Europa desenvolvesse formas de apoiar Kiev também em termos de capacidades militares.

No fundo, o regresso da guerra ao continente europeu trouxe uma perceção de que, de facto, passámos de uma economia de paz para uma economia que é cada vez mais uma economia de guerra. E, neste sentido, o aparelho industrial de defesa da Europa – que tradicionalmente era visto como mais preparado para a exportação – passou a exigir um reforço e uma intensificação da sua capacidade de produção.

Para consulta:
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