Bruxelas.PT - Programa Espacial Europeu

por Andrea Neves correspondente Antena 1 em Bruxelas

Episódio original publicado a 19 de abril de 2024 | Foto: ESA/Mlabspace

Uma conversa da jornalista Andrea Neves com Vera Pinto, Coordenadora na área do Programa Espacial Europeu.

O que é o Programa Espacial Europeu?

No âmbito do Tratado de Lisboa o artigo 189 diz, pela primeira vez, que a União Europeia tem a competência de tomar ação na área do espaço, mas também diz muito explicitamente que dentro dessa ação, que é delegada dos Estados-Membros à União Europeia, não poderá fazer harmonização da legislação nacional na área do espaço. Portanto, quando nós falamos da ação da União Europeia na área do espaço, falamos mais, na verdade, de ações muito concretas.

O Programa Espacial Europeu, que a União Europeia está a implementar, inclui uma infraestrutura da qual a União é proprietária. A União é ainda responsável pela provisão de serviços e dados espaciais 24/7, ou seja, 24 horas, sete dias por semana, de forma gratuita e a nível global.

E isto é uma situação muito atípica dentro da União Europeia, e neste caso, dentro da Comissão Europeia, por sermos a única direção-geral que tem que gerir uma infraestrutura, tem que garantir que continua a existir a provisão de serviços e que toda a gente tem acesso a eles porque, obviamente, que se houver uma disrupção nos serviço isso poderá ter um impacto nefasto considerável.

Que infraestruturas e que serviços?

Nós, neste momento, temos operacionais três infraestruturas sendo que duas são na área dos sistemas de navegação por satélite.
Uma é o Galileo que é um sistema global de navegação, de posicionamento e de tempo. E temos um sistema regional de ampliação do sinal – o EGNOS – ou seja, imaginem que estão a utilizar o GPS, o EGNOS vai melhorar a precisão do sinal o que é extremamente importante, por exemplo, para aterrar aviões. Isto é usado nos aeroportos em Portugal porque não nos podemos dar ao luxo de aterrar cinco metros ao lado da pista.

Depois temos um outro programa que se chama o Copernicus e o Copernicus é muito particular porque é um sistema de observação da Terra que recolhe dados não só de satélites mas também daquilo que nós chamamos as missões contributivas que podem ser, por exemplo, uma estação terrestre ou uma boia no mar. Os dados são recolhidos e são todos transportados para uma base e estamos a falar de recolha de dados sobre o planeta Terra em diversas dimensões, de cerca de vinte terabytes por dia. Portanto, estamos a falar de uma imensidão de informação que é recolhida sobre o planeta Terra, sobre a sua atmosfera, o solo, a água, a qualidade do ar, etc… diariamente.

E quem é que pode ter acesso a esses dados?

Qualquer pessoa. Tanto os serviços do Galileo como os dados do Copernicus são acessíveis e gratuitos a qualquer pessoa.

Claro que os serviços brutos, os dados brutos que vêm do Copernicus, são complexos e é preciso saber utilizar esses dados. Mas nós também temos programas de incentivo, de educação e de empoderamento, para que as empresas – e quem quiser utilizar estes dados – possa aceder a informação já trabalhada ou orientada para um determinado fim.

Por exemplo, existem alguns sites nos quais podemos ir ver fotografias de Lisboa nas últimas semanas, vistas dos satélites do Copernicus e, por exemplo, agora – na altura que estamos a gravar este podcast – existe a questão das areias vindas do deserto e, portanto, é possível qualquer pessoa ir online ao Sentinela hub, por exemplo, colocar lá se quer ver Lisboa, se quer ver Coimbra, ou se quer ver a Guarda ou Viseu, e se quer ver hoje ou se quer comparar com há uma semana. E pode ver essas imagens de diversas formas, porque cada satélite do Copernicus vê a Terra com umas lentes diferentes. Consegue-se mesmo distinguir – pegando outra vez no caso de Lisboa ou até do Porto – as pontes ou o Terreiro do Paço. Portanto é interessante e vale a pena explorar.

O programa Galileo

Na verdade, nós só nos lembramos da importância dos satélites, a maior parte das vezes, quando precisamos usar GPS.

Neste momento qualquer telemóvel vendido na Europa vem com o que nós chamamos um recetor de sistemas de navegação de satélite e, desde 2021, todos os telemóveis vendidos na Europa já estão equipados não só com o GPS, mas também com o Galileo. E normalmente nós dizemos GPS mas GPS é uma marca tal como Galileo: a tecnologia é a de sistemas globais de navegação de satélite.

Quando se acede ao tal GPS, aqui na Europa, devemos dizer que estamos a aceder ao Galileo?

Garantidamente estamos a usar também satélites do Galileo. É o que nós chamamos multi-constelação e através do trabalho que fizemos – nós e a nossa agência em Praga, a Agência Espacial da União Europeia, que também tem um português, neste momento como diretor-executivo – todos os produtores destes recetores nos telemóveis fizeram as alterações necessárias, no algoritmo, para que seja possível utilizar dados de dois sistemas, de duas constelações de satélites diferentes.

Neste caso os mais comuns são o Galileo mais o GPS. E isto é importante porque, por exemplo, nós para sabermos onde estamos, para irmos do ponto A ao ponto B, precisamos no mínimo de quatro satélites na nossa linha do horizonte. Se nós estivermos no meio de uma cidade com os arranha-céus, com os prédios, dificilmente conseguimos ter quatro satélites da mesma constelação para fazer o cálculo dessa posição e conseguirmos saber onde estamos e para onde vamos. Quando se usa sinais de várias constelações – neste caso Galileo mais GPS – há uma maior probabilidade de ter esse mínimo de quatro satélites. Mas se tivermos mais, o nível de precisão também melhora. Isso é importante porque, por exemplo, no caso de algumas diretivas europeias ou de alguns regulamentos europeus como o caso do eCall, se alguém ligar para os serviços de emergência, a posição do GPS ou do Galileo dentro do telemóvel dessa pessoa é automaticamente transmitida para os serviços de emergência. Portanto esses serviços vão saber exatamente onde a pessoa está. E há uma diferença entre estar na A1 na direção de Lisboa-Porto ou Porto-Lisboa.

O financiamento do Programa Espacial Europeu

Como é financiado o Programa Espacial Europeu?

Este programa espacial foi financiado em grande parte pelo Orçamento da União Europeia e, neste momento, o nosso orçamento para este quadro financeiro é de cerca de 14 mil milhões de euros. Isto significa que é dinheiro para mantermos a infraestrutura e renovar os satélites – porque os satélites em órbita têm um curto espaço de vida, 12 a 15 anos, por exemplo, no caso do satélite de Galileo – porque nós temos sempre que garantir um número mínimo de satélites em órbita para que consigamos sempre funcionar. Este orçamento financia isto e financia também a utilização de serviços e de dados espaciais por outros setores e o desenvolvimento de novas tecnologias e de novas áreas de aplicação.

Há também fundos que vêm do Horizonte da Europa, portanto, mais uma vez, são fundos da União Europeia. Mas os próprios Estados-Membros também podem contribuir e muitas vezes fazem-no não com dinheiro, mas com contribuições em espécie. Por exemplo, há relativamente pouco tempo, por causa do Brexit, tivemos que retirar uma infraestrutura terrestre do Galileo – um centro de monotorização – do Reino Unido e trazê-la de volta para território da União Europeia. Isto porque, no Galileo, toda a infraestrutura tem que estar colocada em território da União Europeia. Vários Estados-Membros, incluindo Portugal, candidataram-se com a contribuição de um edifício ou de uma área onde pudéssemos instalar este centro. Portanto, isso pode ser uma forma de contribuição dos Estados-Membros que acresce ao Orçamento da União Europeia.

A gestão dos satélites

E como é que se faz o controle de todo o tráfego de satélites?

Essa é outra das vertentes ativas do nosso programa espacial, que é precisamente a da questão da monitorização dos satélites. Dos satélites e do lixo espacial, porque o lixo espacial é um problema muito grave e cada vez maior e coloca em risco o acesso até órbitas mais altas.

Nós temos neste momento três órbitas, mas de facto, é sobretudo na órbita baixa que fica o todo lixo quando se faz um lançamento ou quando se lança um satélite dos mais pequenos. Não é possível, neste momento, conseguir monitorizar todo o lixo espacial, e basta uma pedaço do tamanho de um grão de areia, por exemplo, para destruir completamente um satélite, porque tudo o que está em órbita está, no mínimo, a viajar a oito quilómetros por segundo. Portanto, um pedaço do tamanho de um grão de areia é uma bala, e pode destruir completamente um satélite. Só que é muito difícil, com a tecnologia que temos, conseguir monitorizar pedaços tão pequenos e então o que é que nós fizemos na União Europeia?

Criámos um catálogo independente daquele que existia – porque até o momento mais completo seria o dos Estados Unidos – que é uma mais-valia da União Europeia que permite “pôr tudo no mesmo pote” e partilhar esses dados entre os nossos Estados-Membros.

De facto, os nossos Estados-Membros já tinham, alguns deles, iniciativas nesta área e o que fizemos foi trazer este esforço de “juntos somos mais fortes” e, assim, criámos, de raiz um catálogo. Neste momento temos registados, no nosso sistema, cerca de 270 satélites que monitorizamos para criar avisos e informar as autoridades responsáveis, referir “atenção que há algo que vem na direção do teu satélite e portanto poderás ter que mexer o teu satélite para evitar uma colisão”.

É claro que uma colisão, pode ser catastrófica e existe um grande risco de que isso, na verdade, possa acontecer. E por isso nós temos também de proteger não só a infraestrutura da União Europeia, mas também dos nossos Estados-Membros porque eles também têm os seus próprios satélites em órbita.

A Agência Espacial Europeia

A agência da União Europeia em Praga não é a Agência Espacial Europeia.

Não, a Agência Espacial Europeia – ESA – é na verdade uma organização internacional independente. Não tem absolutamente nada a ver com as agências da União Europeia.

A agência espacial do Programa da União Europeia – EUSPA – está baseada em Praga, depende diretamente da Comissão Europeia e está sob responsabilidade direta na nossa direção-geral.

No que se refere à Agência Espacial Europeia, nós trabalhamos com eles, temos acordos com a ESA, mas a nossa responsabilidade dentro do Programa Espacial da União Europeia é sobretudo ajudarmos na parte da construção dos satélites e na questão dos lançamentos.

A nossa agência em Praga dedica-se mais à utilização de serviços de dados espaciais, ou seja, de ajudar a União Europeia, os cidadãos e as empresas a utilizarem estes dados.

Um dos aspetos do meu trabalho e da minha equipa é precisamente o de garantirmos a inclusão de serviços de dados espaciais nas propostas legislativas de outras áreas que não a nossa.

Portanto, é uma confusão comum que existe mas, de facto, são duas agências independentes: uma faz parte da União Europeia, a outra não. Mas trabalhamos em conjunto.


Para consulta:


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