O relatório preliminar sobre a derrocada da estrada municipal 255 em Borba, que vitimou cinco pessoas, aponta responsabilidades à Câmara Municipal de Borba e não exclui falhas na fiscalização das pedreiras por parte da administração central. O Estado assume para já o pagamento de indemnizações às vítimas, mas espera vir a ser ressarcido quando forem apuradas em definitivo todas as responsabilidades.
O Conselho de Ministros decidiu esta quinta-feira avançar com o pagamento das indemnizações num procedimento que vai ser conduzido pela Provedoria de Justiça, à semelhança do que aconteceu com os incêndios de 2017 e quie se espera que esteja concluído no final de janeiro.
A decisão, de acordo com o ministro do Ambiente, não significa que o Estado assume a responsabilidade pelo acidente, mas sim “a responsabilidade pela indemnização da família das vítimas”.
O relatório final sobre o acidente de 19 de novembro só deverá estar concluído no final de janeiroO relatório preliminar, segundo o ministro, deixa claro que a estrada é municipal há mais de 13 anos e "deixa claro que desde 2014 a Câmara de Borba sabia do risco" da estrada, uma estrada municipal. Cabia à Câmara encerrar essa mesma estrada".
Matos Fernandes, em declarações à RTP recorda que o responsável máximo pela proteção civil a nível local "é o presidente da Câmara". "Já em 2008 tinha sido aprovado também pela câmara um plano de pormenor, com regras que eram impossíveis de cumprir", disse o ministro à agência Lusa. O relatório revela, nomeadamente, que as faixas de proteção de 15 metros em torno das pedreiras, não foram respeitadas.
O comunicado do Conselho de Ministros aponta nesse sentido, ao dizer que “não competia ao Estado fiscalizar, manter, conservar, reparar ou gerir a EM 255, sendo estas competências exclusivas do Município de Borba, pelo que inexistiam indícios que ao Estado coubesse uma responsabilidade objetiva ou subjetiva emergente da derrocada da referida estrada municipal”.
A nota do Governo revela ainda que “não pode, aliás, excluir-se como causa principal da derrocada a atividade das pedreiras adjacentes e a consequente responsabilidade das entidades que as exploram”.
A decisão do Governo, baseada no relatório preliminar da Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT), surge “perante a ausência "de qualquer ação por parte de entidades públicas ou privadas, em face do trágico acidente, para acautelar o ressarcimento dos danos sofridos".
António Anselmo, presidente da Câmara Municipal de Borba, elogia a intenção de se avançar já com as indemnizações, falando de um “Estado de honra”. Confrontado com os dados do relatório que apontam para a responsabilidade da Câmara, o autarca não quis fazer comentários à RTP, limitando-se a afirmar que aguarda pela conclusão das investigações para "apurar claramente quem são os culpados" e para revelar "onde está o relatório [de 2014], quando foi entregue e o que foi feito".
O Estado dá o passo de indemnizar, mas espera vir a recuperar esse valor, o “direito de retrocesso”. Até porque, de acordo com o Governo, o relatório aponta “responsabilidades claras a entidades terceiras”.
Responsabilidade indireta do Estado
Porém, o ministro do Ambiente revelou que o relatório não exclui falhas e uma responsabilidade indiciária e indireta do Estado, reconhecendo que a Direção-geral de Energia e Geologia (DGEG) "não foi solícita nas suas funções de fiscalização", afastando, no entanto, que o relatório aponte “qualquer relação entre a omissão de fiscalização e o acidente" de dia 19 de novembro.
João Matos Fernandes garante que "nada aponta neste relatório para a responsabilidade do Estado naquilo que aconteceu".
A atribuição de culpas é um processo paralelo à necessidade de apoiar a família das vítimas, "que são quem nos preocupa neste momento", disse o ministro, para justificar a decisão de indemnizar de imediato.
O acidente aconteceu na tarde de 19 de novembro. Um deslizamento numa pedreira levou ao colapso da estrada municipal 255, provocando a morte de cinco pessoas. Dois eram operários na pedreira. Os outros três seguiam em dois automóveis apanhados na derrocada.
O Ministério Público instaurou um inquérito para apurar as circunstâncias do acidente.
Presidente da República saúda iniciativaO Ministério Público instaurou um inquérito para apurar as circunstâncias do acidente.
"O Presidente da República saúda a iniciativa do Governo, decidida em Conselho de Ministros, de proceder à indemnização das famílias das vítimas da tragédia de Borba, através de avaliação a ser estabelecida pela senhora Provedora de Justiça", é referido numa nota publicada no 'site' da Presidência da República.
O primeiro-ministro, António Costa, tinha afirmado em 23 de novembro, alguns dias após a derrocada, que não "iria substituir-se ao município em eventuais responsabilidades", acrescentando que não havia "evidência da responsabilidade do Estado".
Dois dias depois, Marcelo Rebelo de Sousa alertava que havia "um tempo útil para o apuramento de responsabilidades" e considerava existir no acidente "uma responsabilidade objetiva do Estado".
"Parece evidente que há uma responsabilidade objetiva no sentido em que, quando uma estrada que é uma responsabilidade pública cai e há vítimas mortais, pois é natural que haja responsabilidade civil objetiva perante os familiares dessas vítimas. Saber depois qual é a entidade que é especificamente responsável por aquilo que aconteceu é isso que vai ser apurado", defendeu o chefe do Estado, no Porto.
Em 8 de dezembro, num encontro com os familiares das vítimas em Vila Viçosa (Évora), o Presidente da República mostrou-se "convencido" de que o Governo iria encontrar uma solução para "não fazer esperar" aqueles que estão a sofrer.
"Estou convencido que terminado o prazo do inquérito determinado pelo Governo, que tenho a certeza de que o senhor primeiro-ministro e o Governo, na sua humanidade, rapidamente encontrarão uma forma de não fazer esperar muito aqueles que já sofreram muito", disse.