Baixa fecundidade em Portugal não permite renovação de gerações há mais de 25 anos

por José Coimbra, © 2008 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.

Évora, 31 Mar (Lusa) - O Índice de Fecundidade tem vindo a diminuir em Portugal nos últimos 50 anos e desde 1982 que o número médio de nascimentos por mulher, em idade fértil, não assegura a renovação das gerações.

A nível nacional, os números revelam uma "realidade que compromete o futuro do país", afirmou hoje Maria Filomena Mendes, professora da Universidade de Évora (UE) e membro da comissão organizadora de um congresso, que decorre terça-feira.

"Em 1960, o Indicador Sintético de Fecundidade, que nos dá o número médio de filhos que cada mulher tem, era de 3,16 filhos por mulher", lembrou, observando que, em 1970, decresceu para 3,02 e, dez anos depois, já era de 2,26.

Em 1990, diminuiu para 1,55, em 1995 para 1,41 e, em 2006, o número baixou ainda mais, para 1,35 filhos por mulher", indicou.

Apenas se verificou uma inversão desta tendência em 2000, igualando o ano de 1990, período em que cada mulher teve, em média, 1,55 filhos.

"Nos anos a seguir à EXPO 98, em que havia um grande volume de obras públicas a decorrer, logo mais oportunidades de trabalho, existia também mais confiança e expectativas em relação ao futuro, daí verificarem-se mais nascimentos", esclareceu Maria Filomena Mendes, em entrevista à agência Lusa.

A não renovação das gerações começou a verificar-se a partir de 1982, ano em que o Índice de Fecundidade baixou dos dois filhos por cada mulher.

"Deparamo-nos com dois grandes problemas: primeiro, são cada vez menos as gerações férteis, porque ao longo das décadas, consecutivamente, têm havido menos nascimentos", disse.

O segundo problema, acrescentou, é que "as mulheres têm filhos cada vez mais tarde, próximo dos 30 anos, o que diminui a probabilidade de virem a ter mais filhos".

A manter-se esta tendência, avisou a docente, determinadas regiões do país, como o Alentejo, podem sofrer consequências graves.

"No Alentejo, se a fecundidade se mantiver nos níveis dos últimos anos, daqui a meio século não teremos um número de nascimentos que assegure o funcionamento de uma maternidade", conjecturou.

A professora do Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades da UE (CIDEHUS) considerou que o encerramento de maternidades "não influi muito na baixa de fecundidade" e aponta outras causas.

"A participação cada vez maior das mulheres no mercado de trabalho pode contribuir, mas é interessante verificar que estudos recentes da União Europeia revelam que as mulheres activas são mais fecundas porque o casal aufere mais rendimentos para poder ter filhos", disse.

"Penso que em Portugal há um factor que tem bastante importância, que é não haver uma igualdade na divisão de tarefas entre homem e mulher. Não havendo uma igualdade de género, as mulheres têm uma sobrecarga profissional, sobretudo com o nascimento do segundo filho", acrescentou.

De acordo com Maria Filomena Mendes, há outros factores que contribuem para a diminuição da fecundidade.

"Há que ter em conta o custo económico dos filhos, porque as famílias querem proporcionar-lhes a melhor educação e saúde, e os portugueses têm, em termos médios, salários mais baixos. E, no caso dos jovens, a precariedade e falta de segurança profissionais são factores que têm de ser tidos em conta", explicou.

Outros motivos relacionados com valores presentes na sociedade, como a "tendência para um certo individualismo" e ser "negativamente conotado o facto de se ter filhos muito cedo", também influenciam a descida da fecundidade, no entender de Maria Filomena Mendes.

"Tem de ser feita alguma coisa e o mais importante é alertar as pessoas para os perigos das suas decisões individuais e fazê-las perceber que essas decisões estão intimamente relacionadas com o futuro da nossa sociedade", advertiu.

"Normalmente não se pensa no envelhecimento da população e na manutenção do Estado Social de Direito quando se toma a decisão de não ter filhos", concluiu.

A problemática do declínio da fecundidade vai ser debatida terça-feira no Auditório da Universidade de Évora, na conferência "Horizontes da Fecundidade em Portugal: das estratégias individuais ao futuro da sociedade".

A conferência é organizada em colaboração com a Associação Portuguesa de Demografia (APD) e é a segunda de um ciclo dedicado ao tema "Saúde, Envelhecimento Demográfico e Políticas Sociais", destinado a preparar o III Congresso Português de Demografia, a realizar em Setembro.


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