Audição Caso Gémeas. Lacerda Sales rejeita "servir de bode expiatório"

por Joana Raposo Santos, Mariana Ribeiro Soares - RTP
Lacerda Sales reafirmou a sua convicção de que a sua conduta neste processo "não é suscetível de merecer qualquer tipo de censura". António Cotrim - Lusa

O antigo secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, invocou esta segunda-feira no Parlamento o estatuto de arguido para não responder às questões dos deputados na Comissão Parlamentar de Inquérito ao caso das gémeas luso-brasileiras tratadas no Hospital de Santa Maria com o medicamento mais caro do mundo. Numa declaração inicial, Lacerda Sales rejeitou responsabilidades nesta polémica e recusou "servir de bode expiatório".

“No dia 4 de junho fui constituído arguido no processo de inquérito que está a correr termos no Ministério Público, DIAP de Lisboa, e que me confere o direito de não prestar declarações”, declarou o ex-secretário de Estado.

“Não menos importante é o facto de o processo se encontrar em segredo de justiça, razão pela qual não posso falar dos factos que constituem o processo”, acrescentou.

Lacerda Sales reafirmou a sua convicção de que a sua conduta neste processo “não é suscetível de merecer qualquer tipo de censura”, acreditando que, a seu tempo, tal “se provará”.

“Não estou disponível para servir de bode expiatório num processo político e mediático a qualquer custo”, disse ainda o arguido neste caso.
O secretário de Estado do Governo de António Costa aproveitou ainda para lançar críticas ao relatório da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS), acusando-o de “contradições” que “colocam em causa as mais variadas conclusões” e de ser “fundamentado com base em meros indícios e suposições”.

Lacerda Sales disse terem ficado várias “pontas soltas” neste relatório, que “mais parece uma tentativa de corresponder à pressão mediática instalada pela comunicação social, que hoje se sobrepõe (…) à busca e apuramento da verdade”.

“Não posso aceitar as conclusões do relatório da IGAS quanto à responsabilidade que me imputa, do mesmo modo que não posso aceitar as conclusões da auditoria do Hospital de Santa Maria quanto à alusão à referenciação do secretário de Estado da Saúde”, continuou.

Segundo o responsável, “as regras clínicas foram respeitadas e ninguém passou à frente de ninguém, pois está bem claro que não havia sequer lista de espera”.
Lacerda Sales diz que não falou com Marcelo, Costa ou Temido
Em resposta a André Ventura, Lacerda Sales disse que nunca falou com o presidente da República, com o ex-primeiro-ministro ou com a antiga ministra da Saúde Marta Temido sobre o caso das gémeas.

"O senhor Presidente da República nunca falou comigo sobre este caso", afirmou, recusando também ter falado com António Costa ou Marta Temido sobre a situação destas crianças.

“Este é o caso de maior milagre na saúde que nós temos. Em geral, os portugueses têm de falar com toda a gente para ter acesso à saúde. No seu caso é ao contrário. Ninguém falou com ninguém mas miraculosamente o tratamento lá chegou”, argumentou o líder do Chega.

Em resposta, o ex-secretário de Estado garantiu que "nunca chegou nenhum e-mail nem nenhum processo formalizado" ao seu gabinete.

“Senhor deputado, olhe-me bem nos olhos. Nunca chegou nenhum e-mail nem nenhum processo formalizado ao meu gabinete”, respondeu Lacerda Sales.

António Lacerda Sales salientou que "ninguém passou à frente de ninguém, nem sequer há lista de espera", reiterando que "foram tratadas até hoje 36 crianças" com o mesmo tratamento.

André Ventura questionou ainda o antigo secretário de Estado se é comum haver favores na área da saúde, e Lacerda Sales respondeu que não.
"Assumi a responsabilidade política"
Na segunda ronda de perguntas, Lacerda Sales escusou-se a responder se deu alguma indicação para a marcação da primeira consulta das gémeas tratadas com o medicamento Zolgensma e disse não ter recebido nenhum ofício de alguém hierarquicamente superior.

"Não remeto responsabilidades para ninguém" sobre a marcação da consulta, respondeu, afirmando esperar que o Ministério Público o faça. Já nas suas declarações finais, Lacerda Sales disse já ter assumido a responsabilidade política pelo caso das gémeas. "Sendo eu secretário de Estado, tenho a responsabilidade política de todo o gabinete", declarou.

Em resposta ao deputado do CDS-PP João Almeida, António Lacerda Sales disse não ter recebido "nenhum ofício" sobre o caso das gémeas luso-brasileiras que sofrem de atrofia muscular espinal.

"No meu gabinete não entrou nenhum ofício vindo do primeiro-ministro, do presidente da República ou da ministra, nem de ninguém que pudesse hierarquicamente estar acima de mim", afirmou.

Questionado se a decisão de administração do medicamento Zolgensma cumpriu os formalismos aplicáveis, o antigo secretário de Estado, médico de profissão, indicou que "a administração dos medicamentos é sempre em função do critério clínico”.
"Um governante está lá para ajudar os portugueses"
Lacerda Sales admitiu que o anterior Governo encaminhou "centenas" de pedidos para os hospitais de cidadãos que pretendiam a ajuda do Ministério da Saúde.

Questionado sobre se esses pedidos poderiam ser entendidos como pressões da tutela, o ex-secretário de Estado da Saúde respondeu que a função dos governantes é "ajudar as pessoas".

Antes de se remeter ao silêncio, Lacerda Sales perguntou aos deputados qual seria “o sentimento, a perceção coletiva e a polémica” caso o Estado, “através do SNS, tivesse negado, omitido ou protelado para além do tempo útil o tratamento a crianças com esta doença”.

“Este é um caso que consiste numa doença degenerativa que afeta todo o organismo, enfraquecendo os músculos e os órgãos. É uma doença que é quase sempre diagnosticada na infância, mas mais grave: é uma doença que tem como consequência a morte de crianças”, explicou.

“Felizmente, o Serviço Nacional de Saúde não abandonou casos como este, procurando e providenciando as melhores soluções e inovações terapêuticas para melhoria da qualidade de vida das crianças”.

O ex-secretário de Estado Adjunto e da Saúde frisou que “o que hoje aqui se discute é um caso que interfere com o SNS, com a cidadania, com os direitos de acesso aos cuidados de saúde, com as tipologias de cuidados oferecidos ou disponível, o acesso a terapêuticas inovadoras, o financiamento de cuidados, as barreiras que devem ser ou não interpostas entre pessoas carecidas de cuidados e as organizações prestadoras dos mesmos, as regras de acesso aos cuidados e os respetivos procedimentos, bem como a adequação e flexibilidade dessas regras à garantia de acesso”.

“Porém, é também um caso que assumiu relevância mediática e política”, acrescentou.

A audição desta segunda-feira é a primeira da Comissão Parlamentar de Inquérito ao caso das gémeas luso-brasileiras que tomaram o medicamento mais caro do mundo em Portugal. O presidente da República, também envolvido nesta polémica, poderá igualmente ser ouvido no Parlamento.

c/Lusa
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