Ano judicial abre com protestos e sem representação da Igreja Católica
O ano judicial abre oficialmente, esta segunda-feira, numa cerimónia no Salão Nobre do Supremo Tribunal de Justiça, com um protesto de funcionários judiciais marcado, em apelos contra a proposta de revisão da carreira. A ministra da Justiça adiantou, contudo, que as negociações com os sindicatos estão em curso e que está prevista a entrada de mais profissionais em breve. A sessão solene não terá, pela primeira vez, qualquer representante da Igreja Católica, mas conta com novos protagonistas.
"Acredito que algumas medidas que já fomos tomando possam ter algum efeito durante este ano, mas sabemos que existem muitas queixas relativamente à morosidade", começou por dizer Rita Júdice, à RTP. "Não aprecio o tempo que a Justiça demora (...), mas também sabemos que a Justiça não pode ser instantânea".
As medidas que o Governo tem tomado, de acordo com a ministra, quer a nível da tramitação eletrónica dos processos, quer também para "acelerar e dar melhores condições aos oficiais de Justiça e aos magistrados", também podem contribuir para um "melhor andamento dos processos".
Este ano vão entrar cerca de mais 600 oficiais de Justiça, que devem entrar em funções na próxima semana, e está a ser alterado o regime de acesso às Magistraturas, de forma a facilitar e a atrair a entrada de "magistrados para os cursos".
Protestos e negociação
Sobre os protestos dos funcionários judiciais, marcados para esta segunda-feira, a governante afirmou que "a negociação foi uma prioridade" desde que assumiu funções na tutela, tendo sido já "acordada a revisão do estatuto" da profissão.
"Estamos num processo negocial normal, que envolve várias reuniões", clarificou, acrescentando que a próxima reunião será ainda esta semana. "Os oficiais de Justiça sabem que têm na ministra da Justiça alguém que os ouve, que os compreende e que tudo fará para resolver da melhor forma os problemas que os afeta".
No entanto, Rita Júdice admitiu que a proposta do Ministério não foi logo aprovada pelos sindicatos, que "ficaram de pensar, de ponderar e de fazer uma contraproposta".
"Vamos tentar melhorar as condições, mas não é pelo número de reclamações ou de manifestações que poderei tomar uma decisão".
Quanto às fugas de informação, tema que marcou o anterior ano judicial, a ministra da Justiça não negou que é uma preocupação, uma vez que "põe em causa o processo de investigação".
"Acho importante que haja maior abertura também dos magistrados no sentido de explicar, de poder clarificar algumas medidas e algumas decisões que são tomadas. Devia haver uma maior comunicação com os cidadãos, mas também deveremos lidar com fugas de uma forma mais séria".
E se forem violações do segredo de Justiça, a governante considera que "devem ser punidas".
Designa-se ano judicial o período de tempo, a cada ano, em que os tribunais estão em funcionamento, sendo que em termos legais corresponde ao ano civil. A abertura oficial do ano judicial, que decorre no Salão Nobre do Supremo Tribunal de Justiça, vai ter novos protagonistas: é a estreia do novo Procurador-Geral da República Amadeu Guerra, da ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, e do presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco.
Protesto na abertura do ano judicial
À porta da cerimónia de abertura do ano judicial estará a decorrer um protesto silencioso organizado pelo Sindicato dos Funcionários Judiciais, que está contra a proposta de revisão da carreira feita pelo Governo. A vigília silenciosa ficará marcada pelas t-shirts negras de protesto, com a frase “Justiça para quem nela trabalha”.
Em causa está a proposta de revisão da carreira destes profissionais, entregue pelo Ministério da Justiça aos sindicatos no final de dezembro no âmbito da revisão do estatuto profissional, com condições que ambos os sindicatos consideraram inaceitáveis, como a divisão da carreira em duas e valorizações salariais que as estruturas não aceitam.
De acordo com António Marçal, o Governo apresentou uma proposta "que não é nem revalorização funcional, nem sequer salarial".
"Aquilo que o Governo está a fazer é a cindir a carreira em duas. É uma perspetiva meramente economicista, que não aumenta o salário de ingresso", explicou o responsável sindical, acrescentando que se mantém a "necessidade de contratar pessoas".
"A própria questão da celeridade processual depende da existência de oficiais de Justiça", acrescentou.
O sindicato espera que, na próxima reunião de dia 16, a ministra da Justiça "vertesse na proposta do Governo aquilo que foi o discurso que (...) fez concretamente na discussão do Orçamento do Estado". Isto é, clarificou: "que vai haver uma revalorização da carreira em termos salariais e não uma aumento de 28 euros".
"Temos uma proposta que vai no alinhamento de todas as que estão a ser feitas para a Administração Pública", disse ainda.
Sobre os protestos, o presidente sindical explicou que o protesto marcado para esta segunda-feira será "em silêncio", como "sinal de uma morte anunciada na carreira, mas também uma machadada naquilo que é a seriedade da Justiça".
"Está nas mãos da ministra e do Governo evitar a repetição do que aconteceu" nos anos anteriores, concluiu.
A cerimónia estava marcada para a semana passada, mas foi adiada porque o presidente da República estava nos Estados Unidos, para estar presente no funeral de Jimmy Carter.
Entre os principais casos que vão marcar este ano judicial, cuja cerimónia decorrerá no Salão Nobre do Supremo Tribunal de Justiça, estão o caso BES, que tem Ricardo Salgado como principal arguido e começou no ano passado, a Operação Marquês, com o julgamento de José Sócrates a ter lugar ainda antes do verão, e a Operação Influencer, que levou à demissão de António Costa.
O ano judicial conta com vários julgamentos mediáticos. Já na quarta-feira, o antigo primeiro-ministro Pedro Passos Coelho será ouvido como testemunha no Processo BES. Julgamento que já tem dezenas de sessões marcadas.
Até junho deverá começar também o julgamento da Operação Marquês e também o julgamento da operação Lex, marcada pelas suspeitas de corrupção que envolvem juízes.
Em 2025 deverá ainda haver desenvolvimentos sobre a operação Influencer que levou à queda do Governo socialista. António Costa ficará a saber se é ou não ilibado de qualquer suspeita.
Na agenda estarão, ainda, o Caso EDP, com o Tribunal da Relação de Lisboa a decidir nos próximos meses os recursos apresentados pelas defesas dos três arguidos do caso EDP – Ricardo Salgado, ex-presidente do BES, do antigo ministro da Economia Manuel Pinho, e Alexandra Pinho, sua mulher - o caso Altice, o caso das golas antifumo, a Operação Vórtex, a Operação Babel e caso da morte de Odair Moniz.
Esta segunda-feira, começa também o segundo julgamento de Rui Pinto, com o fundador do Football Leaks a responder por 242 crimes de acesso ilegítimo qualificado, de violação de correspondência e de dano informático.
As alegações finais do julgamento do caso relacionado com a derrocada de uma estrada, em Borba, estão também marcadas para esta segunda-feira. No banco dos réus estão seis pessoas, incluindo o presidente da Câmara de Borba e o vice-presidente .
Ausência da Igreja Católica
Pela a primeira vez, na cerimónia solene de abertura do ao judicial não estará presente nenhum representante da Igreja Católica, segundo avança o Público.
O cardeal patriarca costuma assistir à sessão num lugar de destaque ainda que não tivesse direito a usar da palavra, contudo este ano não foi convidado. A decisão foi tomada pelos organizadores do evento: presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o procurador-geral da República e a Bastonária da Ordem dos advogados, que consideram que já não se justifica esta presença, uma vez que se trata apenas de uma cerimónia oficial - razão pela qual não remeteram nenhum convite ao patriarcado.
Também não foram convidadas quaisquer outras entidades eclesiásticas.
O patriarcado prefere não comentar, limitando-se a confirmar ao jornal não ter recebido qualquer convite este ano, “ao contrário do que acontecia de acordo com uma longa tradição”.