Aluno `católico` de Palmela frequenta colégio islâmico e estuda o Corão

por Agência LUSA

João (nome fictício) tem 11 anos, anda no sexto ano de escolaridade e pratica desporto, mas tem uma particularidade que o distingue da maioria dos alunos portugueses.

frequenta um colégio islâmico e estuda o Corão.

Numa altura em que se verifica uma quase generalizada desconfiança sobre o "mundo islâmico" e tudo o que o rodeia, o João, filho de pais católicos não praticantes, decidiu que queria saber mais sobre o Islão.

"O nosso filho é um curioso de tudo e um sedento do conhecimento", disse à Agência Lusa o pai do João, ao justificar a sua opção.

"As aulas de religião não são obrigatórias e foi-lhe dada a possibilidade de ficar a estudar ou a fazer trabalhos, mas ele quis experimentar e decidiu frequentá-las", explicou, acrescentando que o João anda "muito entusiasmado a aprender árabe".

Quando decidiu aprender o Corão, o João conversou com os pais "para explicar a sua opção" e, passado algum tempo, diz que "está a gostar e até explica em casa o que vai aprendendo nas aulas".

Uma má experiência na escola pública e a proximidade do Colégio Islâmico foram decisivas para a opção dos pais do João por este estabelecimento de ensino, localizado em Palmela.

"O meu filho fez o quinto ano na escola de Palmela e foi uma experiência terrível porque tinha muitos furos, os professores faltavam muito e não havia substitutos", explicou.

Os pais do João consideram-no uma criança com "grandes capacidades" e sentiam que ele "estava a perder-se naquele universo".

"Vimos na televisão que o Colégio Islâmico queria abrir inscrições a crianças não islâmicas e, como moramos perto, decidimos marcar uma entrevista. Tanto nós como o João gostámos da escola e decidimos experimentar", afirmou o pai.

O João frequenta o Colégio Islâmico de Palmela desde Setembro e tanto ele como os seus pais estão satisfeitos com a experiência.

"Estamos muito satisfeitos com o colégio", disse, garantindo que "o João vai ficar naquela escola até querer".

O Colégio Islâmico de Palmela foi criado em 1996 com o objectivo de garantir a educação da comunidade islâmica daquela região, explicou à Agência Lusa o director Rachid Ismael.

Fechado por um portão que assegura a segurança das crianças, o colégio "esconde" amplas instalações rodeadas por campos de jogos, um parque infantil e uma horta, cuja plantação e manutenção é da inteira responsabilidade dos alunos.

"Plantámos rabanetes, cenouras, couves e alfaces", explicou uma aluna do quinto ano, ao mostrar orgulhosa os legumes que estão a começar a nascer.

à entrada do Colégio Islâmico somos recebidos por um quadro onde estão escritos, em árabe, os 99 atributos de Deus e encontramos facilmente crianças com as vestes próprias do Islão.

Apesar de respeitarem e cumprirem todos os procedimentos islâmicos, o director e as duas directoras pedagógicas da escola fazem questão de garantir que o funcionamento do colégio seja em tudo idêntico aos restantes estabelecimentos escolares.

"Todos os anos entram e saem crianças e nós não queremos que sintam um mundo diferente", explicou Rachid Ismael, também responsável pela vertente religiosa do colégio.

Por isso, o Colégio Islâmico cumpre o programa escolar do Ministério da Educação, bem como os períodos de férias, e, apesar de não celebrarem o Natal, nem a Páscoa, explicam às crianças o que representam no catolicismo.

As aulas de religião, facultativas, são leccionadas de tarde.

Dos dois alunos não islâmicos que frequentam o colégio, apenas o João optou por aprender o Corão e o árabe.

"Queremos dar a conhecer o verdadeiro espírito do Islão, mas não o impomos. O Corão está aberto a qualquer pessoa, daí a razão de abrirmos a escola para todos", sublinhou o Rachid Ismael.

Nas aulas religiosas, os alunos aprendem o alfabeto árabe, um ano depois recitam o Corão em árabe, depois aprendem a história do profeta e os pormenores dos cinco pilares do Corão (crença, cinco orações diárias, jejum do mês do Ramadão, caridade e peregrinação a Meca), explicou.

As turmas são mistas, com excepção das religiosas, sendo a maior parte dos 130 alunos do colégio residentes na margem sul do rio Tejo, existindo também crianças de Lisboa e Carnaxide.

"O transporte é assegurado por um autocarro da escola que os vai buscar e pôr em casa", disse o director.

A escola tem tido um aumento de procura nos últimos anos, mas não tem capacidade de resposta para atender a todos os pedidos.

"No ano passado tivemos cerca de 40 pedidos de inscrição, mas só podemos aceitar metade porque não queremos estar a receber alunos sem termos todas as condições para isso", disse o Rachid Ismael.

Inscritos para o próximo ano estão já cinco alunos portugueses, indicou.

O Colégio Islâmico começou em 1998, a leccionar o primeiro ano do primeiro ciclo, com dez alunos. Em 2000, requereu o 2º e 3º ciclos ao Ministério da Educação e hoje lecciona até ao oitavo ano.

O objectivo é o de leccionar até ao 12º ano de escolaridade, admitiu o director, não escondendo a tristeza de ter de deixar para trás o sonho de ter também um espaço para crianças da pré-escola.

"Já pensámos nisso, mas apercebemo-nos que era um projecto muito difícil de concretizar devido às exigências que são feitas em termos de espaço e condições", explicou.

Satisfeito com o percurso do Colégio Islâmico, o Rachid Ismael diz só ter pena que as pessoas não tenham a ideia correcta do que é o Islão.

"A comunicação social não transmite a ideia correcta do Islão e só a convivência e a normalidade do dia-a-dia mostram o que realmente somos", disse.

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