Advogados do caso BES/GES consideram ilegal CSM dar oito meses para conclusão da instrução
Vinte e sete advogados de arguidos e assistentes do caso BES/GES consideraram hoje "ilegal" que o Conselho Superior da Magistratura (CSM) tenha fixado um prazo de oito meses para o juiz Ivo Rosa concluir a instrução do processo.
Numa posição conjunta, expressa num documento enviado à Lusa, os advogados entendem que a fixação de tal prazo pelo CSM "é ilegal" pois "acarreta uma interferência inadmissível por parte do CSM na função jurisdicional -- por definição, soberana e independente -- dos juízes".
Em causa está o facto de, em 01 de junho passado, o plenário do CSM ter decidido fixar como prazo máximo de oito meses para terminar a decisão instrutória do processo BES/GES, a partir da notificação da sua deliberação.
A este propósito, os advogados signatários do documento salientam que "não podem deixar de publicamente denunciar o facto e de lamentar que instituições com particular responsabilidade na defesa do Estado de Direito não tenham ainda vindo a terreiro insurgir-se contra um acontecimento grave da vida judiciária democrática, o qual, aliás, pode constituir um perigoso precedente".
A fundamentar a ilegalidade da decisão do CSM, os subscritores argumentam que, pelo Código de Processo Penal (CPP), o pedido de aceleração deve ser indeferido se não existir atraso ou se os atrasos verificados se encontrarem justificados. Acrescentam que o próprio CSM reconhece que "inexiste no momento da deliberação qualquer atraso injustificado do processo".
Segundo os subscritores, o CSM, ao fixar um prazo para a conclusão da instrução, sem que haja atrasos e sem que haja, assim, fundamento para aceleração", meteu-se "na esfera da soberania e da independência dos tribunais", o que, insistem, "não pode fazer e é grave."
"Acresce, ainda, que a medida é, também do ponto de vista da sua operacionalidade, da sua oportunidade e da sua justificação, incompreensível", lê-se na posição conjunta.
Os subscritores consideram que da decisão do CSM resulta objetivamente o "condicionamento, pelo menos simbólico, da instrução, e, concomitantemente, a transmissão pelo CSM de uma mensagem clara sobre o que deve ou não deve ser esta instrução e sobre o que deve ou não deve ser a conduta processual do juiz titular", o que - alegam - "constitui uma intromissão intolerável na função jurisdicional".
Entre outras considerações, entendem ser "incontornável que o prazo fixado pelo CSM não pode ter outra natureza que não seja meramente indicativa" e que "o que está na `ponta do fio´ é a ameaça de procedimento disciplinar se o mesmo não o cumprir".
"Esta é, pois, também uma decisão que visa concreta e individualmente este concreto juiz. E sendo uma decisão que visa um concreto juiz ela é uma grave e perigosa ameaça à independência dos juízes", refere o documento, alertando que tal pressão e intromissão na função jurisdicional do juiz constitui "um atentado aos princípios de um Estado de Direito Democrático, quer na vertente da independência do juiz, quer na perspetiva do direito dos sujeitos processuais a um processo justo e equitativo".
Em sua opinião, trata-se de "uma decisão contra o Direito, com repercussões óbvias no funcionamento da Justiça no caso concreto e na independência dos tribunais em geral, que reclama atenção, estudo, combate e a adoção de medidas que impeçam que tal medida impere e se repita".
A posição conjunta tem a data de hoje e é assinada pelos advogados Artur Marques, Raúl Soares da Veiga, Maria Clotilde Neves Almeida, Paulo Espírito Santo Amil, Tiago Rodrigues Bastos, José Miguel Duarte, Victor de Castro Nunes, João Medeiros, Margarida Lima, Pedro Jordão, Paulo Saragoça da Matta, Miguel Dias das Neves, Rui Patrício, Jaime Hellmuth Diniz, Susana Azevedo Silveira, Filipa Cotta, Maria Flor Rilho Valente, Miguel Cordovil de Matos, João Barroso Neto, João da Costa Andrade, Francisco Proença de Carvalho, Adriano Squilacce, Rui Pedro Martins, Filipa Elias, Inês Almeida Costa, Beatriz Costa Monteiro e Paulo Soares da Veiga.
Antes, em resposta enviada à Lusa acerca do pedido de aceleração do assistente Banco Espírito Santo, o CSM tinha dito que "este é o prazo considerado adequado [oito meses], porquanto os quatro meses legais são manifestamente insuficientes atenta a complexidade e dimensão do processo". Se concluída neste prazo (oito meses), a instrução termina em fevereiro de 2023.
Ivo Rosa está desde dezembro do ano passado em exclusividade em três processos: BES/GES, O Negativo e Operação Marquês. O processo BES/GES conta com 30 arguidos (23 pessoas e sete empresas), num total de 361 crimes.
Considerado um dos maiores processos da história da justiça portuguesa, este caso agrega no processo principal 242 inquéritos, que foram sendo apensados, e queixas de mais de 300 pessoas, singulares e coletivas, residentes em Portugal e no estrangeiro.
Segundo o Ministério Público, cuja acusação contabilizou cerca de quatro mil páginas, a derrocada do Grupo Espírito Santo (GES), em 2014, terá causado prejuízos superiores a 11,8 mil milhões de euros.
A 26 de abril passado, o juiz Ivo Rosa rejeitou conceder caráter urgente à instrução do processo BES/GES, como foi requerido pelo assistente Banco Espírito Santo em liquidação, alegando que poderia ser "perturbador" e que não aceleraria o seu trabalho.
O mais mediático arguido deste caso é o antigo presidente do Grupo Espírito Santo (GES), Ricardo Salgado, acusado de 65 crimes.
São ainda arguidos, entre outros, Morais Pires, José Manuel Espírito Santo, Isabel Almeida, Manuel F. Espírito Santo e Francisco Machado da Cruz e António Soares.