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A favor, indiferente, contra: quem é quem na polémica da tolerância de ponto?

por RTP
Maurizio Brambatti - Reuters

O Governo decidiu conceder tolerância de ponto aos funcionários públicos a 12 de maio, dia em que o Papa Francisco chega a Portugal. A medida é apoiada por PSD e CDS-PP. PCP e BE não se opõem mas há vozes contra que surgem das próprias fileiras do PS. A Associação Ateísta Portuguesa considera que a decisão é "um descarado ataque à laicidade" do Estado.

A decisão ainda não oficializada mas está tomada e publicamente assumida. No dia 12 de maio, o Governo concede tolerância de ponto nos serviços públicos. É precisamente neste dia que o papa Francisco chega a Portugal, onde irá participar nas comemorações do centenário do fenómeno de Fátima.

O primeiro-ministro explicou esta quinta-feira que seria uma "grande insensibilidade" se o Governo não concedesse tolerância de ponto. O Presidente da República recorda que a tolerância existiu também nas visitas de anteriores sumos pontífices. Apesar disso, a decisão não convence toda a gente.
PSD e CDS concordam
O PSD e o CDS-PP concordam com a tolerância de ponto. Em declarações à Lusa, o social-democrata Duarte Pacheco declarou-se favorável à decisão, afirmando que o Governo "compreendeu que o país é maioritariamente católico" e que o centenário de Fátima e a canonização dos pastorinhos "é um acontecimento excecional".

"E para acontecimentos excecionais, tomam-se medidas excecionais", disse, recusando a ideia de que, com esta decisão, se está a colocar em causa o Estado laico.

Pelo CDS, o deputado Filipe Anacoreta Correia também concorda com a decisão, interpretando-a como o "reconhecimento da importância do papa Francisco, da Igreja Católica em Portugal".

"Com esta decisão, o Governo teve a preocupação de se associar a uma circunstância de grande alegria para os portugueses", concluiu.
Costa: seria uma "grande insensibilidade"
O primeiro-ministro considera que seria uma "grande insensibilidade" se o Governo não concedesse tolerância de ponto a 12 de maio.

"É natural que muitos portugueses desejem participar na visita do papa Francisco a Portugal, um momento que distingue o país. Por isso, também é natural que o Governo dê tolerância de ponto", começou por dizer.


Sublinhando que defende a laicidade e não é crente, o chefe de Governo explicou que não ignora “que muitos portugueses perfilham a fé católica e que muitos portugueses desejarão estar em Fátima”.

“A liberdade religiosa e a laicidade implicam também o respeito pelas crenças dos outros. Eu não sou crente, mas respeito as crenças dos outros", frisou António Costa.
Igreja considera "natural"
O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa considera ser natural que o Governo corresponda ao interesse de "grande parte da população" ao conceder tolerância de ponto no dia em que Francisco chega a Portugal.

"A quem compete dar ou não dar tolerância de ponto é ao Governo e, portanto, o Governo pode responder por si e é ao Governo que essa pergunta deve ser remetida", respondeu Manuel Clemente quando questionado sobre as críticas que têm surgido.

"E se o Governo entende que isto interessa e interessa positivamente a tão grande número de portugueses e de habitantes do território também compreendo a lógica de fazer tolerância de ponto, porque o Estado é um órgão da sociedade, não é algo que imponha uma ideologia ou a falta dela ou outra contrária", continuou Manuel Clemente.

O presidente da CEP considerou que "se tão grande parte da população portuguesa, mesmo para além dos horizontes estritos da crença, olha para o centenário de Fátima, olha para a visita do papa Francisco com tanto interesse, é natural que o Governo corresponda a esse interesse, como se fosse outra realidade confessional ou de outro género, também olharia com respeito pela vontade e pela sensibilidade dos cidadãos".

"O Estado é um órgão ao serviço do bem comum, não inventa a sociedade, serve-a", sustentou, garantindo que a Igreja Católica portuguesa não fez pedido para a concessão da tolerância de ponto.
Esquerda não se opõe mas…
BE e PCP garantem não se opor à tolerância de ponto no primeiro dia da visita do papa a Fátima. Mesmo assim, os comunistas têm dúvidas devido à "separação entre as Igrejas e o Estado".

"A decisão de decretar tolerância de ponto a propósito da visita do Papa é da responsabilidade do Governo. Trata-se de uma decisão que, embora se compreenda, suscita a dúvida sobre se as razões invocadas a justificam, considerando a separação entre as Igrejas e o Estado", afirmou o secretário-geral do PCP numa resposta a uma pergunta da Lusa.

Já os bloquistas, através de uma fonte da direção, afirmaram à Lusa que a tolerância de ponto, "sendo da exclusiva responsabilidade do Governo, o Bloco de Esquerda não se opõe".

O Partido Ecologista "Os Verdes" que, como o PCP e o BE, também apoia o Governo do PS, não se pronuncia "por se tratar de uma competência exclusiva do Governo" e por não conhecer os fundamentos para a tolerância de ponto.

Em resposta à Lusa, André Silva, do partido Pessoas-Animais-Natureza, não se pronuncia abertamente sobre a tolerância de ponto, mas "defende, acima de tudo, o direito fundamental da liberdade de culto, entendendo que a democracia que regula para a maioria deve garantir também a igualdade entre todas as minorias".
PS dividido
A tolerância de ponto para a função pública na visita do papa, a 12 de maio, está a dividir deputados do PS. O deputado Ascenso Simões afirmou à Lusa que a tolerância "não faz qualquer sentido", dado que no dia 12 de maio, sexta-feira, "só há procissão das velas à noite e as comemorações são a um sábado".

O ex-ministro da Cultura João Soares não concorda. "Abençoada tolerância para um papa tolerante", foi a resposta, curta, que o deputado enviou à Lusa. Nas redes sociais, as posições sucedem-se e são também bem diferentes.

Na sua conta do Facebook, Porfírio Silva, deputado e membro da comissão permanente da direção de António Costa, desdramatizou os planos do executivo de conceder tolerância de ponto, afirmando tratar-se de "uma medida prática e que tem em conta a realidade concreta do que vai acontecer na ocasião".

"Cansa um excesso de vigilância ideológica sobre tudo e mais alguma coisa, como se fosse precisa tanta rigidez (a criticar a tolerância de ponto) para continuarmos a ser socialistas, republicanos e laicos", acrescentou o deputado socialista.

Isabel Moreira, eleita como independente nas listas do PS, também escreve no Facebook: "É perante decisões como a do Governo de conceder tolerância de ponto aquando da ida do papa a Fátima que sabemos da imaturidade do Regime. Muito por que lutar."

O deputado do PS Tiago Barbosa Ribeiro tinha reagido ainda na quarta-feira, mostrando-se contra a decisão anunciada. "Não conheço as razões que serão invocadas no decreto, mas já antecipo que sejam facilmente rebatíveis: não pode fundamentar-se na viagem de um chefe de Estado estrangeiro e ainda menos na viagem de um líder confessional", escreveu o deputado na sua conta no Facebook.

Barbosa Ribeiro afirmou que "será legítimo invocar o mesmo princípio" para visitas de membros de outras religiões, mas admitiu que uma "belíssima ideia" seria "não dar estas tolerâncias".

Questionado pela Lusa, o líder parlamentar e presidente do PS, Carlos César, disse concordar com a decisão do Governo, afirmando não considerar excessivo decretar a tolerância de ponto na função pública.
“Ataque” ao Estado laico
A Associação Ateísta Portuguesa considera que a decisão já anunciada é "um descarado ataque à laicidade" do Estado. Essa medida "é uma atitude indigna de submissão perante a Igreja Católica", disse ainda o presidente da AAP à agência Lusa.

O dirigente ateísta rejeitou ainda "a caução que, de certo modo, está a ser feita pelas entidades públicas a uma encenação que começou por ser contra a República”. Em 1930, as alegadas aparições "passaram a ser contra o comunismo e, depois da implosão da União Soviética, contra o ateísmo", salientou Carlos Esperança.

"Esta encenação pia tem tido a colaboração de autarquias que sofrem ataques de fé e proselitismo em anos eleitorais", criticou.

Para o presidente da AAP, a concessão de tolerância de ponto põe em causa "a letra e o espírito da Constituição da República" e constitui "uma traição à separação entre as igrejas e o Estado".

Carlos Esperança criticou ainda os autarcas que organizam excursões a Fátima, sobretudo com idosos e em ano de eleições locais, "com transportes e vitualhas" pagos por câmaras municipais e juntas de freguesia, "só com a bênção a cargo das autoridades eclesiásticas".
“Medida é discriminatória”
O presidente da Associação República e Laicidade, Ricardo Alves, considera "desnecessária e discriminatória" a intenção do Governo em conceder a tolerância de ponto.

Em declarações à agência Lusa, Ricardo Alves disse que a "medida é discriminatória no sentido em que privilegia os funcionários públicos que são católicos ao dar-lhes a possibilidade de faltarem ao trabalho para poderem alegadamente estar presentes em Fátima".

"É discriminatório também porque parte do princípio que todos os funcionários públicos são católicos e que desejam ir a Fátima, embora Fátima não seja pacífica para todos os católicos. Há católicos que não vão a Fátima e que não gostam de Fátima como é sabido", salientou.

No entender do presidente da Associação República e Laicidade, a tolerância de ponto é "desnecessária, porque quem tivesse mesmo intenção de ir a Fátima colocaria um dia de férias".

"Na minha leitura o que se passa é que o Governo quis dar uma prenda à igreja católica, porque a igreja pediu que houvesse uma tolerância de ponto. Isso foi dito pelo António Marto do Santuário de Fátima há poucos dias numa entrevista à Ecclesia e o governo entendeu dar esta prenda para agradar a igreja católica", frisou.

O responsável explicou ainda que o Estado português tem uma Constituição laica, mas as práticas governamentais e administrativas dos municípios, por exemplo, nem sempre são laicos.

"Este caso é um exemplo de como a Constituição não é cumprida na sua letra e no seu espírito em muitas ocasiões no que toca à laicidade por falta de coragem dos responsáveis políticos", concluiu.
Menos um dia de aulas, complicações para os pais
As escolas estão a preparar-se para encerrar no dia 12 de maio, na sequência da tolerância de ponto anunciada pelo governo, explicou o presidente da Associação Nacional dos Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas à Lusa.

"Num período letivo que já é tão curto - temos só 32 dias de aulas - um dia a menos é um constrangimento, mas os professores vão ultrapassá-lo", afirmou Filinto Lima. O dirigente escolar frisou que os alunos do 9.º ano e do 12.º ano, que realizam exames, têm apenas 32 dias de aulas no terceiro período este ano.

Filinto Lima não pôs em causa a tolerância concedida por ocasião da visita do papa, mas aproveitou para lembrar que os diretores têm defendido que seria mais equilibrado o calendário escolar estar divido por semestres, em vez de seguir as festas religiosas, como o natal e a páscoa.

"Percebo que é um acontecimento de grande envergadura e que até obriga o nosso governo a aplicar medidas invulgares, como o fecho das fronteiras, mas temos de pensar no que temos vindo a pedir", a organização do calendário letivo por semestres, defendeu.

"Vamos superar, mas é mais uma dica para pensar", reiterou.

Para os pais, este vai ser mais um dia para "inventar o que fazer com os filhos", nomeadamente os que não trabalham na Função Pública, disse à agência Lusa o presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais.

c/ Lusa
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