"A `big tech` vai prevalecer no futuro próximo. As plataformas digitais vão ter um poder incrível"
Estas duas frases são do investigador Oscar Westlund, da Universidade Metropolitana de Oslo, e resumem bem o sentimento que domina a comunidade jornalística e científica acerca do atual mundo comunicacional. Na era da Inteligência Artificial, do algoritmo e das grandes plataformas digitais, que lugar tem o jornalismo?
O professor do Departamento de Jornalismo e Estudos de Média da Universidade norueguesa não tem dúvidas que as “big tech”, ou seja, as grandes empresas de tecnologia e inovação que dominam a Economia mundial, vão prevalecer no futuro próximo. Oscar Westlund não tem dúvidas que não há capacidade por parte das empresas de média em combaterem os gigantes tecnológicos, até porque cada um destes gigantes tem mais capital do que todos os média juntos. “Haverá mudanças”, acrescenta, “mas estas plataformas vão ter um poder incrível”. E se os Estados Unidos dominam, a verdade é que a “China está a investir muito mais” do que os norte-americanos na Inteligência Artificial (IA) e na inovação. E os dois blocos investem muito mais do que a União Europeia.
O investigador lembra a capacidade da IA na personalização da informação. A capacidade de elaborar textos em função de diferentes públicos. No futebol, por exemplo, pode escrever textos diferentes sobre um mesmo jogo, consoante o público a que se dirige. Se forem adeptos de uma equipa, o texto será um. Se forem adeptos do adversário, o artigo será outro.
Um dos estudos apresentados neste congresso foi sobre “o uso das redes sociais e da Inteligência Artificial pelos meios de comunicação social e jornalistas do País Basco”. Koldo Mesa, da Universidade do País Basco, sublinhou que “informar, educar, guiar e entreter adquirem uma dimensão maior com a chegada da internet, das redes sociais e da Inteligência Artificial”. Ferramentas que permitem “aumentar exponencialmente a difusão da informação num mundo cada vez mais globalizado.”
Koldo Mesa lembra ainda a perda de influência dos meios de comunicação social tradicionais: “houve uma evolução na forma como os alunos recebem a informação. A TV, a rádio e os jornais perdem protagonismo. Nos dois, três últimos anos já ninguém levanta a mão quando se pergunta (numa aula) sobre quem se informa pelos meios convencionais. Já poucos levantam a mão quando se questiona pela internet. E cada vez mais alunos levantam a mão quando se lhes pergunta se se informam através das redes sociais. O “X” e o Tik Tok transformaram-se nas suas principais fontes de informação.” E, apesar dos “jornalistas continuarem a ser intermediários importantes entre as instituições públicas e as audiências, sobretudo na era da superabundância informativa e das notícias falsas”, é importante que se mantenham “comprometidos com a função social de informar, sempre comprometidos com a verdade.”
O “salto” dos meios de comunicação social para as redes sociais, "transformou alguns aspetos da profissão.” O levantamento apresentado por este investigador catalão junto das redações do País Basco revela que “três quartos dos jornalistas consideram que a situação laboral piorou e o número de trabalhadores encolheu.” A rapidez na publicação das notícias e o recurso a temas que estão a ser mais comentados numa rede social (os trends), entre outros aspetos, “afetam muito a validação das informações”.
As redes sociais são, na verdade, vistas como ameaça para a profissão por cerca de 60 por cento dos jornalistas bascos “porque podem acabar com os valores tradicionais do jornalismo.” E a “potencial falta de precisão e o potencial uso da tecnologia para criar conteúdo enganoso ou manipulador sob a aparência de ser real, a preocupação com os direitos de autor e a diminuição de postos de trabalho” são os principais receios dos jornalistas com a Inteligência Artificial.” Mas, também reconhecem vantagens: “a geração de ideias e identificação de temas emergentes; a exploração de novos pontos de vista criativos; a colaboração na criação de conteúdo multimédia; melhorias na eficiência e automatização em tarefas como transcrição e recolha de dados; análise de dados em profundidade – permitindo aos jornalistas descobrir padrões e tendências; enriquecimento da narrativa com a integração de elementos gerados por IA (gráficos, áudio, etc); edição e análise dos textos em busca de erros ou inconsistências.”
A esmagadora maioria (dos profissionais bascos) considera que “os títulos que despertam curiosidade” – os clickbaits, ou seja, os “iscos informativos” – “afetam a informação e obedecem mais a um interesse económico do que informativo.”
Nem de propósito, foi também apresentado neste congresso, no Porto, um estudo sobre “O clickbait vende, mas não informa: como meios de comunicação digitais credíveis usam o clickbait e como é que as audiências o consomem.” de Alba Diez-Gracia, Iris Sánchez-Sobradillo, Pilar Sánchez-García e Dolors Palau-Sampio das Universidades de Valladolid e de Valência, Espanha, e que conclui que o recurso ao
Clickbait “reduz a qualidade noticiosa, conduz a má informação e até à desinformação e causa a erosão da confiança nos média. O clickbait não é sustentável.”
A professora da Universidade de Coimbra, Inês Amaral, dissertou sobre “plataformas e desinformação” e os “desafios do jornalismo na era dos algoritmos populistas e racistas”. A investigadora sublinha que “o consumo de notícias no digital expõe as pessoas a desinformação”, nega a ideia, algo instalada, de que o digital é universal e lembra que “nas máquinas têm vindo a ser reconhecidos cada vez mais vieses de personalidade” e acrescentou que “os algoritmos podem adulterar os ‘big data’ com propósitos específicos. Não são neutros. Amplificam estereótipos”.
Inês Amaral lembra que o preconceito das máquinas tem origem no preconceito dos seres humanos e deu um exemplo concreto sobre os distúrbios em Lisboa, após o homicídio de Odair Moniz: “os distúrbios continuam, só que os protagonistas não são os mesmos e por isso saem” do radar da notícia.
Neste congresso, entre outros estudos, foi ainda apresentada uma investigação sobre “O Podcast como ferramenta de fidelização de públicos: os 50 anos da Revolução de Abril na Antena 1”, acerca do “De Cravo ao Peito” e do “Antes da Revolução: 1973-1974". Levantamento da autoria de Helena Lima e Ana Isabel Reis da Universidade do Porto.
Foram ainda revelados os vencedores da 17ª edição dos Prémios de Ciberjornalismo, na qual a RTP foi um dos meios mais distinguidos. O serviço público de Rádio e de Televisão conquistou duas distinções, votação do júri e do público, na categoria de “Última Hora”: “Incêndios em Portugal. A situação ao minuto”.