Os cravos tornaram-se o símbolo da Revolução e tomam lugar de destaques em todos os desfiles e manifestações Pedro Fiuza NurPhoto - NurPhoto via AFP

50 Anos de Revolução. Quem éramos, quem somos

Em cinco décadas, Portugal e os portugueses mudaram. De modos, de hábitos, de ideias, de horizontes. Dos dados estatísticos detalhados aos indicadores possíveis, mais genéricos ou provisórios, mostramos um país mais plural, que se mudou a si próprio, por vezes de forma irreconhecível. Uma revolução.

Em 50 anos, a população em Portugal alterou-se em vários sentidos. Está mais velha mas também mais diversa. A família transformou-se. Acolhemos também muitos mais estrangeiros, enquanto continuamos a emigrar. A escolaridade normalizou-se, sobretudo para as mulheres. O parque habitacional aumentou e melhorou, o acesso à Saúde generalizou-se.
Cada vez mais velhos

A mudança é visível desde logo no número de nascimentos, que tem caído de forma sustentada desde 1974. Há 50 anos, foram registados 171.979 bebés, número que caiu para menos de metade, 83.671, em 2022.

O índice de envelhecimento espelha o peso desta nova realidade. Há agora 184 idosos por cada 100 jovens até aos 14 anos, quando nos anos 70 eram 34. 


Portugal é hoje, a par da Itália, o país da União Europeia com maior número de idosos. Em percentagem, as pessoas com mais de 65 anos representam 24 por cento da população, quando, há 50 anos eram 10 por cento.

Por outro lado, em 1974, as crianças até aos 14 anos eram quase um terço, 28 por cento, dos portugueses. Atualmente são apenas 13 por cento.

No grupo entre os 15 e os 64 anos a variação é mínima, de 62 para 63 por cento. Atualmente, os mais próximos dos 64 são contudo os mais numerosos. 

Se nada interferir, estes últimos irão por isso aumentar em breve o fosso geracional, quando passarem para a faixa seguinte, dos mais de 65 anos.


A emigração dos portugueses mais jovens, em idade ativa e fértil, deverá agravar a situação se nada for feito.
Cada vez mais sozinhos
Apesar da população portuguesa ter aumentado, de 8.754.365 em 1974, para 10.444.242 em 2022, sobretudo à custa da imigração, as pessoas vivem mais sozinhas. 

As famílias, revelam as estatísticas, tornaram-se mais pequenas, com uma média de 2,5 membros atualmente, contra 3,7 há 50 anos.

De acordo com os censos portugueses, na década de 70 do século XX, 40 por cento das famílias tinham três a quatro membros, 22 por cento tinham dois e 28 por cento cinco ou mais. Somente 10 por cento contavam apenas uma pessoa.

Em 2021, as famílias de três a quatro membros tinham descido para 36 por cento, as de duas pessoas crescido para 33 por cento e as de pessoa única eram já um quarto, 25 por cento. Já as de cinco ou mais membros representavam somente seis por cento.


O aumento das famílias com um ou dois membros pode estar ligado à longevidade. Muitos dos mais novos preferem também hoje viver sozinhos, ou com amigos não familiares, na passagem para a vida adulta e antes de decidirem constituir família.

Em média, as portuguesas e os portugueses casam-se agora, respetivamente, pelos 34 e 35 anos, não aos 24 e 26, como há 50 anos. E o número de casamentos caiu para metade. De 81.724 registos em 1974, desceu-se para 36.952 em 2022, dos quais, algo impensável então, 801 entre pessoas do mesmo sexo.

Há também mais divórcios. Em 1974, um por cento dos casamentos terminou em separação, em 2021 esse rácio foi 59,5 por cento.


Em números absolutos, foram registados 777 divórcios em 1974. Em 2022 houve 18.464, um número mesmo assim inferior ao pico súbito de 27.708, que marcou 2002.
Emigrantes e imigrantes
Meio século após o 25 de Abril, Portugal continua a exportar pessoas mas agora também importa.

Em 1974, Portugal tinha perdido, nos 20 anos anteriores, cerca de 1,6 milhões de nacionais para a emigração.

Em 1974 registaram-se 43.397 emigrantes. Em 2022, calcula-se que tenham saído de Portugal, para residir no estrangeiro por um período igual ou superior a um ano, um total de 30 954 pessoas, uma subida de 23,4 por cento face aos 25.079 registados em 2021.

A maioria dos emigrados, 64,6 por cento, eram homens, dos quais 95,4 por cento tinha nacionalidade portuguesa e 51,1 por cento emigraram para um país da União Europeia. Quase todos, 93,5 por cento, eram pessoas em idade ativa.

Segundo a ONU, atualmente, cerca de 2,3 milhões de cidadãos nascidos em Portugal residem atualmente fora do país. Destes, mais de um terço não tem 40 anos.

Estimativas provisórias do Observatório da Emigração indicam que, em 2024, entre os nascidos em Portugal com idades entre os 15 e os 39 anos, 30 por cento vivem no exterior. Serão 850 mil.


O peso da imigração está a assumir por isso uma importância acrescida no panorama social, até porque, em 2022, 14.000 dos 83.671 nascimentos em Portugal registaram-se em famílias imigrantes. Mais de 5.600 destas gestantes eram brasileiras, de acordo com o jornal brasileiro O Globo.

Em 1974, o número de estrangeiros a residir em Portugal correspondia a somente 0,4 por cento da população, com 32.057 indivíduos. Em 2022, representava 7,5 por cento, ou 781.247 pessoas, um número 24,5 vezes superior.

No ano de 2022, dados do INE apontaram que "tenham entrado em Portugal 117 843 pessoas, para residir por um período igual ou superior a um ano".

"Destes, 62,2 por cento eram homens, 51,2 por cento tinham nacionalidade estrangeira. A maioria, 59,3 por cento, nascidos num país fora da União Europeia. Já 70,2 por cento residiam anteriormente num país Extra-União Europeia e 77,9 por cento eram pessoas em idade ativa (15 a 64 anos)", referia o relatório do Instituto Nacional de Estatística.

Mas nada bate a entrada de 239.676 brasileiros, a esmagadora maioria dos 268.758 cidadãos nascidos nas Américas atualmente emigrados para Portugal. Há 50 anos, eram 2.667.

A título de curiosidade, e segundo o Instituto Nacional de Estatística, "estima-se que, no ano de 2022", tenham entrado em Portugal mais 21,3 por cento do que em 2021 (97.119), e tenham saído 30 954 emigrantes permanentes, mais 23,4 por cento do que em 2021 (25.079).

Nesse ano, o saldo migratório foi positivo pelo sexto ano consecutivo.

Em 2022, 46.229 estrangeiros adquiriram a nacionalidade portuguesa, um número inferior em 15,2 por cento aos 54.537 de 2021: 20.844 aquisições da nacionalidade respeitaram a residentes em Portugal e 25.385 a residentes no estrangeiro.
Acesso à saúde generalizou-se

A área da saúde sofreu melhorias consideráveis ao longo dos últimos 50 anos. O acesso à saúde apenas se generalizou no período pós 25 de abril, o que explica o aumento da esperança média de vida.

Em 1970, a esperança média de vida era de 67 anos. Atualmente, uma pessoa pode esperar viver, em média, até aos 80 anos.


A realidade das mortes por doença também mudou, com o peso das mortes por cancro a quase duplicar em 50 anos. Em 1975, as doenças cardiovasculares eram as que mais matavam (40%) e o cancro surgia em segundo lugar, responsável por 12% das mortes. Em 2021, as mortes por cancro duplicaram para 22% e, no sentido inverso, as mortes por doenças circulatórias diminuíram para 26%.


Em relação aos profissionais de saúde, são agora muitos mais do que eram há 50 anos. Em cinco décadas, o número de médicos aumentou quase cinco vezes e o de enfermeiros quase quatro vezes. Em 1975 havia 122 médicos e 205 enfermeiros por casa 100 mil habitantes. Em 2022, esses números aumentaram para 578 e 783, respetivamente.

Mas a área onde se verificou um maior impacto destas transformações na saúde foram as mortes de crianças com menos de um ano, que caíram mais de 95% em 60 anos. Portugal era o país da União Europeia onde mais crianças morriam com menos de um ano - 38 por cada 1.000 nascimentos, quando a média na UE era de 21. Em 2022, a mortalidade infantil era de uns meros três por cento e Portugal ocupava a lista dos dez países com menor taxa de mortalidade infantil.

Um impacto provável da grande mudança quanto aos cuidados com o parto. Em 1975, apenas 61 por cento destes aconteciam em hospitais ou clínicas mas, em 2022, 99,8 por cento dos nascimentos ocorreram em ambiente clínico.
Mais casas e melhores condições de vida

Entre 1970 e 2021, o número de habitações duplicou, passando de 2.702 para mais de 5.970. Em 1970 havia 30 casas por quilómetro quadrado. Em 2021, eram 65 casas por cada quilómetro quadrado.

Para além disso, os dados da Pordata permitem também concluir que existem alterações em relação ao tipo de habitações. Há 50 anos havia mais residências usadas como habitação habitual do que existe hoje e atualmente há 15 vezes mais casas de residência secundária.


Em 1970, 83% das casas eram de habitação principal e apenas 3% eram de habitação secundária. Em 2021, do total de habitações, 69% eram residências habituais e 19% segundas habitações.

O número de casas vagas também diminuiu nestes 50 anos, passando de 14% para 12%.

As condições das habitações também melhoraram consideravelmente. Em 1970 havia 31.100 habitações precárias em território continental e aproximadamente 25% da população vivia em edifícios sem qualquer espécie de indicadores de segurança, conforto, salubridade e privacidade.


Aproximadamente 53% da população não tinha água canalizada nas suas casas, 36% não tinham energia elétrica e 40% não tinham rede de esgotos. Atualmente, praticamente todas as casas têm todas estas condições.

Apesar de as habitações precárias terem diminuído ao longo dos últimos 50 anos, elas não desapareceram. Segundo a Fundação Francisco Manuel dos Santos, entre 2020 e 2023 foram identificadas 4042 habitações improvisadas (“barracas e casas rudimentares”) e aproximadamente 15% da população vivia em casas com más condições (humidade, janelas ou soalhos apodrecidos).

Nos últimos 50 anos assistiu-se também à litoralização da população e à desertificação do interior, vendo mais recentemente acentuar-se a concentração nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.

Em 1981, 78% da população vivia no litoral e 15% nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. Em 2021, essas percentagens aumentaram para 83% e 17%, respetivamente.
Revolução na educação

Quando olhamos para a escolarização em Portugal, são muitas as diferenças entre os tempos atuais e há 50 anos.

Em 1970, um em quatro português era analfabeto, o que correspondia a 1,8 milhões de pessoas (das quais 64% eram mulheres).

A taxa de analfabetismo era, em 1970, de 25,7%, sendo bastante mais superior entre as mulheres do que os homens (31% em comparação com 20%).
Em 2021, a taxa de analfabetismo baixou para apenas 3,1% (293 mil pessoas).


Uma das maiores conquistas do 25 de Abril foi a democratização do acesso ao ensino. A escolarização tornou-se universal e o número de alunos a chegar ao ensino superior mais do que quintuplicou.

Em 1974, somente 18% chegava ao terceiro ciclo e apenas 5% concluiu o ensino secundário. Hoje em dia, 94% da população tem o primeiro ciclo e 88% concluiu o secundário.


Chegar ao ensino superior era, há 50 anos, uma realidade para uma ínfima parte da população (1%). Segundo os dados da Direção-Geral de Estatísticas de Educação e Ciência, no ano letivo de 73/74 estavam matriculados no ensino superior 58.119 alunos. Em 2023, o número chegou aos 446.028 – sete vezes mais do que há 50 anos.

O número de alunos inscritos no ensino público continua a ser superior, embora a diferença seja menor em relação a 1974. Nesse ano, 94% dos alunos estavam matriculados em instituições do ensino público e apenas 4% frequentavam o privado. Em 2023, 81% dos alunos inscritos foram para o ensino superior público e 19% para o privado.


Outro dado a destacar é a diferença entre sexos. Em 1973/1974 havia mais homens matriculados no ensino superior: 52% eram homens e 49% eram mulheres. Ao longo dos anos, a diferença foi-se estreitando e em 1986 a realidade inverteu-se e as mulheres passaram a superar os homens em número de inscritos. Em 2023, 54% do número de alunos inscritos no ensino superior eram do sexo feminino e 46% do sexo masculino.
A mulher e a sua emancipação

O 25 de Abril foi particularmente importante para as mulheres e a sua emancipação. Uma das principais diferenças está, desde logo, na idade em que as mulheres têm o primeiro filho, que é agora sete anos mais tarde do que era há 50 anos.

Em 1974, as mulheres tinham o seu primeiro filho, em média, aos 24 anos. A idade foi aumentando de forma constante ao longo dos anos e, atualmente, as mulheres têm o seu primeiro filho, em média, aos 31 anos.


Também o número de filhos por mulher em idade fértil (dos 15 aos 49 anos) diminuiu. Há 50 anos, a média era de 2,69 mas em 2022 era de somente 1,43, um número demasiado baixo para garantir a reposição geracional.

De 2021 para 2022, contudo, a fecundidade apresenta sinais de melhoria.

As mulheres também passaram a casar-se dez anos mais tarde. Em 1974, a idade média com que as mulheres se casavam era de 24 anos. Em 2022, as mulheres casavam-se, em média, aos 34 anos.

Estas diferenças são explicadas, em grande parte, pela mudança do papel da mulher na sociedade, nomeadamente pela integração da mulher no mercado de trabalho. Em 1970, do total da população feminina em idade ativa, apenas 25% estava no mercado de trabalho. Em 2021, essa percentagem era de 46%.

A balança da população empregada também está agora mais equilibrada do que há 50 anos. Em 1974, do total da população empregada, 60% eram homens e apenas 40% eram mulheres. Atualmente, a divisão entre homens e mulheres está totalmente contrabalançada (50-50).


Para além disso, a mulher passou também a ocupar cargos mais relevantes no mercado de trabalho. Se em 1974, 41% das mulheres trabalhava no setor primário e apenas 32% trabalhava no setor terciário, em 2023 essa realidade inverteu-se e 82% das mulheres estão empregues no setor terciário e apenas 2% no setor primário.

Mas, apesar dos enormes progressos no acesso à educação e no emprego por parte das mulheres, as desigualdades persistem, nomeadamente as disparidades salariais.

Considerando o ganho médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem, as diferenças salariais diminuíram de forma geral, mas o fosso praticamente estagnou nos quadros superiores e alargou-se entre os profissionais altamente qualificados.

De uma forma geral, em 1985, a diferença no salário médio mensal nas mulheres era de menos 50,5€ em relação aos dos homens, ou seja, uma diferença salarial de 27,1%. Em 2022, as mulheres ganhavam menos 238,7€ do que os homens, o que significa que a diferença salarial diminuiu para -16,2%.


No entanto, se olharmos para os quadros superiores, esse fosso entre sexos praticamente estagnou. Em 1985, a diferença no salário médio entre mulheres e homens era de -23,2% nos cargos superiores e em 2022 era de -25,6%

Já nos profissionais altamente qualificados, a diferença é abrupta. Há 39 anos, a diferença salarial era de -7,1% e em 2022 de -20,1%.