Há 60 anos, um episódio de violência em Angola, desencadeou a longa e sangrenta Guerra Colonial portuguesa. A Associação dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA) assinala a data com uma carta aberta à sociedade portuguesa onde frisa que esta "data não é para comemorar ou celebrar".
Na madrugada de sábado, 4 de fevereiro de 1961, duas centenas de nacionalistas angolanos. alegadamente simpatizantes do MPLA, assaltaram esquadras da polícia, atacaram cadeias (para libertar os presos políticos) e tentaram ocupar a Emissora Oficial de Angola.
Mais de 800 mil portugueses foram mobilizados para combaterem nas antigas colónias e também 500 mil africanos que foram incorporados nas tropas portuguesas.
Seguiram-se 13 anos de um conflito que se estendeu, em particular, aos territórios da Guiné-Bissau e Moçambique.
A Guerra Colonial provocou quase dez mil mortos entre os soldados portugueses, 30 mil feridos e um número indeterminado de desaparecidos.
“Não podemos perder a memória. Hoje passam 60 anos sobre o início da Guerra Colonial. A História é inequívoca no sofrimento que a Guerra Colonial provocou. Os deficientes das Forças Armadas são as marcas mais visíveis da Guerra Colonial de que hoje, nos meios de comunicação social, se evoca o início, há seis décadas”, afirma a ADFA.
“É momento histórico que gera consciência na Sociedade Portuguesa e nas gerações mais jovens, com o nosso contributo como deficientes militares que não deixam esquecer que foi carne e sangue que lá deixámos”, acrescenta a carta aberta.
A Associação dos Deficientes das Forças Armadas recorda que milhares de portugueses foram “arrancados” à juventude “para cumprirem um Serviço Militar Obrigatório, em combate na Guerra Colonial, física ou psicologicamente marcados para sempre, voltámos da guerra e, com a força da nossa razão, assumimos ser a ‘Geração da Ruptura’”.
“Este dia 4 de Fevereiro marca a crueza do início do sofrimento que fez de todos os deficientes militares e da ADFA ‘a força justa das vítimas de uma guerra injusta’”.
A evocação tem “muito de amargo, pois faz-nos regressar, na memória, às picadas e às bolanhas, às minas e às explosões, às emboscadas, aos feridos, aos mortos, a uma guerra que se alimentava do nosso sangue”.
“60 anos volvidos sobre o início dessa guerra que afectou uma geração inteira, somos nós, deficientes das Forças Armadas, que temos a responsabilidade de avivar a memória e de falar de factos históricos. Ainda mais quando a realidade actual nos faz sentir que não é apenas nas escolas, no meio dos jovens, que temos que partilhar esta memória. Há muito trabalho a fazer junto dos jovens, mulheres e homens, que constituem o Poder, que já não tiveram que passar pelo horror da Guerra Colonial”.
Para a ADFA a evocação ao início da Guerra Colonial é afirmar “que ninguém ficou para trás”.
“Pois todos os que ficaram feridos, magoados e doentes ao serviço das Forças Armadas merecem justa reparação moral e material, no inequívoco reconhecimento dos seus direitos”.
A associação apela aos “Órgãos de Soberania, com todas as Entidades Oficiais e com a Instituição Militar para nos ajudarem a viver num tempo difícil, em que as nossas doridas recordações e deficiências de guerra violentam uma terceira idade agora marcada pela pandemia”.
“A nossa emancipação, ao prepararmos, nos Hospitais Militares, a criação da nossa Associação dos Deficientes das Forças Armadas, foi uma luz que nos conduziu à reintegração social e profissional numa sociedade que então dava os primeiros passos em Democracia, em 25 de Abril e 14 de Maio de 1974”, recorda a carta aberta assinada pelo presidente da Direção Nacional da ADFA, Manuel Lopes Dias.
“Somos já idosos cidadãos nesta muito longa caminhada de 60 anos após o começo da Guerra Colonial. Mas continuamos firmes na nossa reivindicação de Dignidade e Cidadania, para, na Liberdade que conquistámos em Abril, sentirmos que a República nos respeita e cuida de nós, saldando definitivamente a dívida que Portugal tem para com os seus deficientes das Forças Armadas”.
Manuel Lopes Dias acrescenta que, “somos todos pela Paz, pelo diálogo e pela cooperação entre os Povos e as Instituições. Continuamos, na nossa maturidade, a servir Portugal com o melhor das nossas forças e saber”.
“Apesar de marcados pelo nosso sofrimento na Guerra Colonial, escolhemos viver e resistir, com grande expectativa de que os responsáveis pelo cumprimento dos nossos inalienáveis direitos nos ajudem a travar o esquecimento, para vencermos, com verdadeira serenidade, a derradeira batalha que temos de travar”, remata.