10.700 pessoas nas ruas. Número de sem-abrigo baixou em três anos

por RTP
Pedro A. Pina - RTP

Cerca de 2.500 pessoas deixaram de viver na condição de sem-abrigo de 2020 a 2022, revela o coordenador da Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo (ENIPSSA), que destaca que foram anos "particularmente complicados".

Em declarações à agência Lusa, no dia em que é divulgada a síntese de resultados do Inquérito de Caracterização das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo para o ano de 2022, Henrique Joaquim revelou que, entre 2020 e 2022, foi possível retirar “cerca de 2.500 pessoas” da condição de sem-abrigo.

“Estamos a falar, obviamente, de 2020, 2021 e ainda 2022, anos particularmente complicados por via do covid e depois da crise, da inflação”, frisou. Segundo Henrique Joaquim, atualmente existem cerca de mil lugares protocolados, quer em regime de housing-first, quer em habitação partilhada, com “taxas de ocupação acima dos 80 por cento”, estando previstas mais 380 vagas a aprovar brevemente.

“Desde que esta resposta está a funcionar, estamos a falar para 2020, 2021 e 2022, já passaram por estas vagas mais de 850 pessoas”, revelou.

O coordenador referiu também que, para esses três anos, estas respostas representaram um investimento de mais de 5,5 milhões de euros, via Orçamento do Estado, além dos projetos apoiados pelo Fundo Social Europeu, que com “novos avisos [para concursos] abertos em todas as regiões, exceto a norte, que vai arrancar em 2024".

“Para que possamos continuar a aumentar as respostas para estas pessoas nos municípios, ou seja, para dar mais consistência a esta abordagem que foi criada”, realçou.

Henrique Joaquim adiantou também que, desde 2020, foi possível colocar em mercado de trabalho mais de 400 pessoas, num trabalho conjunto com o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), além de terem sido feitas “mais de dois mil intervenções na área da formação e do acompanhamento”.
Mais de dez mil viviam como sem-abrigo em 2022
Os dados oficiais mais recentes do Inquérito de Caracterização das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo revelam que no ano passado havia 10.773 pessoas nessa situação. Este levantamento foi feito, pela primeira vez, em todos os municípios de Portugal continental.
Destas, 5.975 viviam sem teto, ou seja, a viver na rua, num abrigo de emergência ou noutro local precário, enquanto as restantes 4.798 não tinham casa e viviam num alojamento temporário.

O coordenador admitiu, na entrevista à Lusa, que quantitativamente há um aumento em relação a 2021, mas apontou como explicação o facto de, pela primeira vez, todos os municípios terem preenchido o questionário que permite fazer o levantamento do número de pessoas sem-abrigo.
Questionado sobre se o número de pessoas sem-abrigo poderá ser mais elevado, tendo em conta que muitas associações de apoio a estas pessoas dão conta de que o fenómeno está a aumentar, Henrique Joaquim recusou pronunciar-se, argumentando não ter dados estatísticos para 2023.
Estamos a falar de dois períodos temporais diferentes, portanto, uma coisa é falarmos até 2022, outra coisa é falarmos da realidade em 2023, aí não consigo dar números concretos”, apontou, acrescentando que o método atual passa por só no final de cada ano ser aplicado o questionário de caracterização.

Os dados divulgados esta quarta-feira referem que, “face à população residente, existiam em Portugal continental 1,08 pessoas em situação de sem-abrigo por mil residentes”.

“O Alentejo, a Área Metropolitana de Lisboa e o Algarve [são] as regiões que registaram as proporções mais elevadas, respetivamente 2,13; 1,60 e 1,51 (pessoas em situação de sem-abrigo por mil residentes)”, lê-se no documento.

Depois de solicitada informação aos Conselhos Locais de Ação Social (CLAS) ou Núcleos de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo (NPISA) dos 278 concelhos, dos quais se obteve 273 respostas, “não foram consideradas as de Estremoz, Faro, Olhão e Portimão por se ter verificado que não correspondem ao número de pessoas em situação de sem-abrigo nesses territórios”, o que, ainda assim, corresponde a uma taxa de resposta validada de 98,6 por cento. Já em 2021 não foi possível obter os dados do concelho de Sesimbra.“Atendendo aos números reportados pelos 273 concelhos que participaram na recolha de informação a 31 de dezembro de 2021 e 31 de dezembro de 2022, verifica-se um aumento de 19 por cento de pessoas em situação de sem-abrigo em território continental”, acrescenta o relatório.

De acordo com os dados apurados, existem pessoas sem-abrigo em 57 por cento dos concelhos.

O fenómeno está disperso um pouco por todo o território português, “com concentração substancial nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto”.

“Observa-se que estes territórios concentram 56 por cento do valor total de pessoas em situação de sem-abrigo”, lê-se no relatório, que acrescenta que “50 por cento dos concelhos tem, no máximo, 10 pessoas nessa situação e 21 por cento tem até duas pessoas em situação de sem-abrigo”.Segundo o coordenador da ENIPSSA, o perfil da pessoa em situação de sem-abrigo não sofreu alteração, mantendo-se, genericamente, o género masculino, em idade ativa acima dos 45 anos e “com várias problemáticas associadas”.

No entanto, foram identificados 1.099 casais em situação de sem-abrigo em todo o país, 781 dos quais na condição de sem teto.

A naturalidade de 13 por cento das pessoas sem teto é desconhecida”, enquanto “para os restantes, prevalece a naturalidade portuguesa”.

O documento refere também que quase um terço do total de pessoas sem-abrigo estão nesta condição entre um a cinco anos e para 61 por cento o Rendimento Social de Inserção (RSI) é a fonte de rendimento mais mencionada.
Contabilização vai ter novo sistema
O coordenador da Estratégia para a Integração das Pessoas Sem-Abrigo revelou também que a contabilização vai passar a ser feita com recurso a um novo sistema de informação, para permitir dados mais rápidos e personalizados.

Atualmente, só no final de cada ano é que cada Conselho Local de Ação Social (CLAS) ou Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo (NPISA) dos 278 concelhos que aplicam o questionário de caracterização, o que faz com que os dados conhecidos mais recentes sejam os relativos a 2022.

Nas declarações à Lusa, Henrique Joaquim adiantou que já está “em fase de implementação um sistema informático de informação, através de uma aplicação informática”.“Vai permitir aos técnicos, às equipas, fazer a gestão, quer das situações personalizadas, quer depois nós também podermos ter dados em tempo mais curto, até em tempo mais real”, elucidou.

Realçando que, com esta ferramenta informática, os técnicos que estão a acompanhar as situações poderão registar, “até se quiserem na rua”, o acompanhamento que está a ser feito com cada pessoa ou definir objetivos daí para a frente.

“O instrumento vai estar preparado para que, quer a nível local, concelhio, quer a nível nacional, nós possamos em todo o momento extrair a informação que nos permita ir tomando decisões mais atempadas”, defendeu.

Para Henrique Joaquim, uma das metas é que cada uma das pessoas em situação de sem-abrigo tenha um gestor de caso e que com esta nova ferramenta esse indicador será um dos primeiros a ser monitorizado, apontando que é “um ponto crítico” para haver sucesso na intervenção.

A implementação do novo sistema começou “há umas semanas” e está a ser disseminado nos “35 núcleos que trabalham diretamente com a estratégia”, acrescentou.

“O objetivo é vir a substituir a metodologia que temos de recolha de dados através de questionário, no fim do ano, por este sistema de informação”, apontou. Questionado sobre se o número de pessoas sem-abrigo poderá ser superior ao registado em 2022, tendo em conta que não inclui a realidade de 2023 e algumas associações referem que a perceção que têm é a de que o fenómeno poderá ter aumentado, o responsável considerou “normal que haja essa perceção”.

“Isto é um fenómeno muito volátil, mas lembro-me que no ano passado as organizações até sentiam que mesmo tendo havido uma pandemia e logo a seguir uma crise, a tendência não era significativamente diferente [em anos anteriores]”, referiu, acrescentando que assim que os dados relativos a 2023 estiverem disponíveis será possível aferir se a perceção se confirma ou não.

Henrique Joaquim espera que no início de 2024 haja já dados sobre o ano de 2023 e que daí em diante seja possível ter “informação mais fidedigna” durante o respetivo ano corrente.

De acordo com o coordenador da Estratégia para a Integração das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo, este instrumento só agora está a ser implementado porque foi preciso aguardar pelo parecer positivo da Comissão Nacional de Proteção de Dados, o “que demorou porque estas questões são complexas”.

c/ Lusa
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