Segurança Nacional Vs Liberdade de Expressão

Nyto tem 23 anos e vai ser pai em julho. Soube da boa nova quando recebeu a má notícia no banco dos réus da Audiência Nacional, em Madrid. Foi condenado a 2 anos e um dia de prisão por “enaltecimento do terrorismo”, um crime previsto no Código Penal espanhol. Recorreu ao Tribunal Supremo, mas teme não poder assistir ao parto do primeiro filho. Qual foi o crime de Nyto? A letra de uma das canções que compôs. É rapper.

É de media estatura. Nem baixo, nem alto. Nem magro, nem gordo. Vem vestido como qualquer jovem da idade dele. Cabelo nem demasiado curto, nem comprido. Nyto é uma pessoa absolutamente normal, banal. Nada o distingue dos outros que o acompanham. Vêm fazer uma denúncia pública em frente da Audiência Nacional. Vem cabisbaixo. Apenas o reconheço porque vi os videoclips antes de sair em reportagem.

É um dos doze rappers condenados a dois anos e um dia de prisão, por “enaltecimento do terrorismo”. Têm de pagar uma multa de quase cinco mil euros, cada. Não vão poder trabalhar no setor público nos próximos oito anos. A Justiça exige que as canções desapareçam da internet.

A Amnistia Internacional acusa o Estado Espanhol de usar a lei antiterrorismo para “limitar abusivamente a sátira e a liberdade de expressão”, por outro lado, Espanha terá evitado dezenas de atentados, desde o fatídico 11 de março de 2004, deteve mais de 700 pessoas, acusadas por diferentes crimes relacionados com o terrorismo, graças a parte da legislação que a Amnistia tanto condena.

"Martillazos a oligarcas en la sien, analiza est y dime: ¿Terrorista quién? Hay que hacer ver que no regalan nada, que la libertad viene con sangre derramada de burgueses, y camaradas para acabar con la injusticia lucha organizada. Si quieres acabar con los fusiles hacen falta balas, por eso no condeno la lucha armada".

Estes são os versos da canção “Terrorista, quién?”, que conduziram Nyto Rukely a Tribunal. O rapper, do coletivo de músicos La Insurgencia, entende que o Rap nasceu para denunciar injustiças, mas de acordo com o Código Penal de Espanha trata-se de um “discurso violento”, publicado no Youtube, “que glorifica o terrorismo” e, pode ler-se na sentença, “mantem uma tónica subversiva contra a ordem constitucional democrática”.

Numa investigação revelada esta terça-feira, 13 de março, a Amnistia Internacional fala numa “draconiana lei antiterrorista” que está a gerar entre “jornalistas a artistas e até utilizadores das redes sociais um clima em que as pessoas têm cada vez mais medo de expressar opiniões diferentes ou fazer piadas controversas”. Refere-se, entre outros, ao artigo 578 do Código Penal que considera: “O enaltecimento ou a justificação através de qualquer meio de expressão pública ou difusão dos delitos compreendidos nos artigos 571 a 577 do CP (Delitos de Terrorismo) ou de aqueles que tenham participado na sua execução, ou a realização de ações que conduzam ao descrédito, menosprezo ou humilhação das vítimas dos crimes de terrorismo, será punido com pena de prisão de um a três anos.”

No novo relatório “Tweet… If you dare: How counter-terrorism laws restrict freedom of expression in Spain”, a organização documenta um aumento exponencial de casos de pessoas “a caírem nas garras de uma lei”, lê-se, “que proíbe a glorificação do terrorismo e a humilhação das vítimas de terrorismo, como parte de um ataque continuado à liberdade de expressão em Espanha”.

No Carnaval de 2016, estas três palavras, “Gora Alka – ETA” (Viva Al-Qaeda – ETA) inscritas num pequeno cartaz, durante um espetáculo de fantoches, deixaram Espanha virada do avesso durante os festejos do Rei Momo. A denúncia partiu de alguns pais que, ao assistirem a um teatro de rua, ficaram muito indignados com o cartaz e telefonaram à polícia. Os dois manobradores de fantoches foram detidos no local, ainda de bonecos nas mãos e sem direito a fiança, acusados de fazer a “apologia do terrorismo”.

A estudante Cassandra Vera é outro dos exemplos citados pela Amnistia. Aos 21 anos foi condenada a um ano de prisão, com pena suspensa, por piadas que escreveu no Twitter, relacionadas com o assassinato de Carrero Blanco, Presidente do Governo de Espanha, em 73, no final da ditadura. Morreu num atentado da ETA, o primeiro em Madrid. O carro voou, literalmente, 20 metros, com o impacto da explosão. Cassandra publicou, entre outras mensagens, “ETA impulsó una política contra los coches oficiales combinada con un programa espacial" (29/11/2013); "Película: A tres metros sobre el cielo. Producción: ETA films. Director: Argala. Protagonista: Carrero Blanco. Género: Carrera espacial" (20/12/2013); "Kissinger le regaló a Carrero Blanco un trozo de la luna, ETA le pagó el viaje a ella" (5/04/2014). Perdeu a bolsa de estudo, apesar de ter como testemunha de defesa uma sobrinha do político assassinado. Acabou por ser absolvida depois de um recurso ao Supremo, mas assegura que nada vai voltar a ser igual.

Em 2015, o Governo alterou o código penal para abordar, especificamente, os casos de “glorificação” do terrorismo encontrados nas redes sociais. Desde aí, os números não param de aumentar. Em 2011 foram condenados 3 casos. Em 2017, cinco anos depois, 39. Nos últimos anos, quase 70 pessoas foram declaradas culpadas, a esmagadora maioria por aquilo que publicou na internet.

Repetem-se manifestações nas ruas, há petições a exigir que o Congresso dos Deputados elimine do Código Penal este crime, mas na sociedade espanhola mantem-se viva a memória de anos a fio de atos terroristas. Entre 1961 e 2010, a ETA semeou o terror e assassinou quase mil pessoas. Os que viveram aqueles anos, dificilmente conseguem esquecer tempos em que os carros explodiam nas ruas, assim que a chave rodava na ignição, bombas que rebentavam em superfícies comerciais, explosivos que tiravam a vida a militares, políticos, a quem estivesse no local errado à hora errada… como se de um jogo de vida ou morte se tratasse, para além dos raptos, assassinatos à queima-roupa e hora marcada. Ainda a ETA matava quando, a 11 de março de 2004, outros atentados encheram de sangue a Estação de Atocha e arredores. Estes tinham assinatura jihadista e terão contribuído para que muitos espanhóis continuem a tolerar o que o Governo designa por “Lei de Segurança Cidadã”, que outros preferem apelidar de “Lei Mordaça”, em detrimento de uma verdadeira liberdade de expressão e movimentos. Sem um enorme “Big Brother” que observa, controla, age e pune, sejam verdadeiros terroristas ou simples jornalistas, artistas, criativos, humoristas, músicos e até mesmo cidadãos anónimos que gostam de escrever umas “piadolas” nas redes sociais.

Desde 1 de julho de 2015 que é proibido, por exemplo, manifestar-se junto aos Parlamentos, captar imagens de agentes da polícia, subir a edifícios ou monumentos sem autorização prévia, ou reunir-se na via pública, se uma autoridade ordenar que se afastem, mesmo que o grupo esteja a agir de forma pacífica. Os socialistas acusaram o Governo de Mariano Rajoy de violar, entre outros, o direito à intimidade dos cidadãos, à manifestação e à liberdade de informação, o Executivo assegura que apenas está a proteger e a reforçar os direitos dos cidadãos espanhóis.

O controlo de movimentos nas ruas, de publicações e consultas nas redes sociais, o intercâmbio de informações entre autoridades espanholas, europeias, magrebinas e do médio oriente têm sido essenciais para evitar a execução de atentados, detetar células terroristas, indivíduos que doutrinam e captam novos jihadistas, com uma eficácia à prova de bala, à exceção dos atentados de 17 de agosto de 2017, em Barcelona. Desde o 11 de Março de 2004, as forças desegurança detiveram mais de 700 alegados terroristas jihadistas, em cerca de 230 operações. O Centro Europeu contra o terrorismo da Europol é dirigido por um Coronel da Guardia Civil espanhola, desde 2016.

Ou seja, o que prefere? Segurança ou liberdade? A questão paira sobre a sociedade espanhola, mas poucos são os que se atrevem a contestá-la… a exigir peso, conta e medida. Em Espanha, o Estado securitário sobrepõe-se, naturalmente, ao Estado dos Direitos Fundamentais. Já o tinha afirmado, num dos primeiros artigos que escrevi, entre 50 que assinei. Sinais dos tempos que vivemos e tudo passa, como passa o tempo. Passadas 24 horas, raros são os jornais a falar das recomendações da Amnistia Internacional e das conclusões de um estudo que não vai perturbar aqueles que condenaram outros, aparentemente, só por “incomodar”.

PUB