Há uns anos, num dos meus primeiros trabalhos na SIC, fui integrado na equipa que ia acompanhar a noite eleitoral do Benfica. Tinha sido uma campanha muito dura, com uma acesa troca de palavras entre Vale e Azevedo e Manuel Vilarinho. A SIC era acusada de ter apoiado a campanha de Vale e Azevedo e de ter tomado partido pelo candidato da Lista A e, por isso, do lado de Manuel Vilarinho havia uma grande animosidade em relação ao canal e aos profissionais que lá trabalhavam. Como todos os repórteres queriam acompanhar a noite eleitoral de Vale e Azevedo, porque havia a ideia de que ia ganhar com facilidade, e como eu era novo na casa, lá fui enviado para a sede de candidatura de Manuel Vilarinho na Avenida João Crisóstomo em Lisboa na companhia do repórter de imagem Paulo Cepa, um dos melhores com quem trabalhei até hoje pelas qualidades pessoais e profissionais.
Na chegada ao quartel-general da lista B a simpatia não era grande e fomos impedidos de entrar no edifício. Reportagem e directos só à porta, expostos à irritação dos adeptos encarnados que apoiavam Vilarinho. Ao longo da noite, quer junto de João Malheiro, futuro Director de Comunicação do Benfica, quer junto de João Salgado, futuro Chefe de Gabinete do Presidente, quer junto do próprio candidato, fomos fazendo alguma pedagogia e alertando para o perigo de estarmos no exterior com uma animosidade tão grande em relação à SIC e aos profissionais da estação. Imperou o bom senso, a certa altura alguém explicou melhor o que estava em causa e Manuel Vilarinho, com boa disposição mas alguma ironia indisfarçável, acabou por permitir a nossa entrada na sede da lista encarnada. Estava um dia frio e chuvoso naquele 27 de outubro de 2000.
Os ânimos, que já estavam exaltados durante uma longa e dura campanha do ponto de vista verbal, começaram a ficar difíceis de controlar quando uns dias antes Eusébio participou num jantar da lista B, criando a ideia clara de que apoiava Vilarinho. No dia da eleição, com a sua bonomia e inocência habituais, lá tentou explicar que tinha ido ao repasto como benfiquista para dar um abraço ao candidato mas ficou muito claro que apoiava uma das listas. Eusébio sempre foi o símbolo maior do clube e ainda hoje muitos acreditam que foi decisivo para a reviravolta eleitoral num altura em que todas as sondagens apontavam para uma vitória clara de Vale e Azevedo.
Numa noite de frio e chuva intensa os resultados acabaram por trazer um conforto inesperado à lista B, de Manuel Vilarinho, que conquistou 62% dos votos, e foram um enorme balde de água fria para Vale e Azevedo, que cerca das 9 da noite mandou fechar a sede de candidatura assumindo que os resultados estavam encontrados e que tinha sido derrotado sem conseguir o objectivo da reeleição. Do lado de Vilarinho muita cautela, e só a confirmação dos resultados oficiais acabou por trazer um ambiente de grande euforia que teve o ponto alto já de madrugada no momento em que Eusébio apareceu para cumprimentar o vencedor. Nesse momento foi necessário subir lado a lado com o Pantera Negra para um andar superior. O Paulo Cepa fez valer a sua elevada altura e compleição física, e mesmo com o peso da câmera ligada aos cabos do carro satélite não largou a ilustre visita, e eu, magro e franzino e com cerca de 1,73, lá me colei como pude a Eusébio e subi a escada sempre em directo descrevendo um momento de grande euforia e profundamente simbólico naquele contexto.
Naquela noite, já perto do fim, Manuel Vilarinho veio pedir desculpa por termos sido impedidos de entrar na sede de candidatura quando chegámos à Avenida João Crisóstomo mas avisou desde logo que a SIC ia sofrer as consequências daquilo que ele considerava ter sido um comportamento parcial e de má-fé durante o processo eleitoral. E cumpriu, a guerra instalou-se devido aos contratos que regulavam os direitos de transmissão dos jogos do Benfica. Mas isso são contas de outro rosário que já não me dizem respeito.
Passada a euforia da vitória, começava uma presidência que iria construir o novo estádio - o actual - e que ficou marcada por várias polémicas: as dívidas ao fisco, o apoio polémico a Durão Barroso, o protagonismo desportivo para Luís Filipe Vieira associado a José Veiga, o rompimento com a SIC e a reconciliação com a Olivedesportos, as acusações à gestão de Vale e Azevedo que teve de responder perante a justiça com as consequências que se conhecem, o despedimento de José Mourinho depois de uma pressão do actual treinador do Manchester United logo a seguir a uma vitória sobre o Sporting, e muito mais. Eram tempos diferentes em que não se sabia até à última quem ia vencer as eleições do clube encarnado.