O líder timorense Xanana Gusmão admitiu hoje ter usado Rui Araújo, que nomeou como seu sucessor no cargo de primeiro-ministro, numa ação de "guerrilha política" em que se aliou com a Fretilin para controlar o parlamento.
"Sei que vou ofender o Rui. O Rui é muito meu amigo, gosto muito dele e trabalhamos desde o tempo da clandestinidade. Mas usei-o. Usei-o", disse numa entrevista à Lusa em Pante Macassar, no enclave de Oecusse, região onde está, desde domingo, em campanha.
Recorde-se que no início de 2015 Xanana Gusmão se demitiu do cargo de primeiro-ministro - o Governo era formado por uma coligação de três partidos (CNRT, PD e FM) - nomeando como seu sucessor um membro do Comité Central da Fretilin, Rui Maria de Araújo.
O PD foi formalmente expulso do Governo, os seus membros ficaram como independentes e com Araújo entraram mais três elementos da Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin), que continuou a votar ao lado do Governo em praticamente tudo.
A mudança - a meio da legislatura e que ditou o fim do V e o arranque do VI Governo - surgiu depois de um tenso final de 2014 marcado, particularmente, pela expulsão dos magistrados internacionais, maioritariamente portugueses, que estavam em Timor-Leste.
Nos bastidores de todo este processo estava a questão dos processos por supostos impostos devidos a Timor-Leste por empresas petrolíferas com os quais, segundo Xanana Gusmão, os magistrados não lidaram adequadamente. O líder timorense culpa-os por Timor-Leste ter perdido os processos.
"O mais irritante para mim foi aqueles processos todos desde a primeira à última página, as palavras eram igualíssimas. Só mudavam o nome da companhia e a quantidade de dinheiro. Mas como eram [processos] grossíssimos, lá dentro passava-lhes e aparecia o nome de outra companhia", disse.
"Um corta e cola que não nos ajudava e ajudava as companhias", disse.
Xanana Gusmão explicou que, no debate sobre os juízes no Parlamento Nacional e perante a posição da Fretilin, decidiu mudar de estratégia e "fazer guerrilha".
"Fui ao parlamento e levei horas a discutir aquilo até que fiquei exasperado e disse à bancada da Fretilin: pensam que estou aqui a perder tempo para defender o meu dinheiro? Isto é do nosso povo. Se não quiserem, podem sair que nós aprovamos", disse, referindo-se ao decreto com a ordem de expulsão dos magistrados.
"Perante toda esta dificuldade de defender interesses nacionais com uma total vontade das instituições do estado, tive que fazer guerrilha. Chamo a Fretilin e controlo o parlamento", contou, admitindo que por isso usou Rui Araújo.
Referindo que já no IV Governo tinha convidado Rui Araújo para ser vice-primeiro-ministro - "ele não aceitou, claro" -, Xanana Gusmão explicou que tudo foi feito num processo de preparação para o que acabaria por ser a conciliação e o acordo sobre fronteiras assinado este ano.
"Todo este processo de preparação para meter a Austrália a sentar-se connosco levou tempo. Amadureci em termos de estudar todos os condicionalismos, perceber o que pode vir a criar dificuldades nas decisões", disse.
Já durante a campanha agora em curso, Xanana Gusmão voltou a piscar o olho a Rui Araújo, por considerar que "está metido na lama" do seu partido.
"Eu tenho pensado muito no irmão Rui Araújo. Rui, sai da lama. Sai junto dos maus. Eles meteram-te na lama e tu precisas de sair. Amo muito esse irmão do coração. Ele precisa de levantar-se forte", afirmou, durante um comício.
Na altura, Rui Araújo disse à Lusa, em reação ao comentário, que "se mantém firme" nas fileiras da Fretilin.
"Fico honrado e até certo ponto lisonjeado por esses cumprimentos de um líder nacional, que não mereço. Mas o líder nacional conhece-me muito bem e sabe que não sou troca-tintas", disse à Lusa.