Num momento em que a tensão herdada da presidência Trump teima em não permitir o aliviar de relações entre Washington e Teerão, China e Rússia preparam-se para se juntar ao Irão num exercício naval conjunto nas águas do Índico. O anúncio do embaixador russo na capital iraniana do calendário das manobras para finais deste mês de Fevereiro constitui um sinal para o Ocidente de que os iranianos não estão isolados neste momento de crise. Os três países já haviam realizado um exercício da mesma natureza no final de 2019, um ano marcado por incidentes com petroleiros britânicos no Estreito de Ormuz.
“Os próximos exercícios navais conjuntos terão lugar na parte norte do Oceano Índico em meados de fevereiro”, revelou Dzhagaryan numa entrevista à agência de notícias estatal russa RIA, acrescentando que estão previstas operações de busca e salvamento e de segurança do transporte marítimo.
Trata-se de uma agenda semelhante àquela que determinou manobras semelhantes entre as três potências há pouco mais de um ano, em 2019, com o almirante iraniano Gholamreza Tahani a referir na altura que os exercícios eram uma prova de que “não conseguiriam isolar o Irão”.
À semelhança de 2019, os exercícios devem estender-se ao Golfo de Omã, uma zona sensível que liga ao Estreito de Ormuz, por onde circula cerca de um quinto do petróleo internacional e local onde há pouco menos de dois anos ocorreram incidentes com petroleiros britânicos, apresados por Teerão, fazendo subir a tensão geopolítica na região.
O episódio envolveu uma retaliação britânica, com a apreensão de um navio petroleiro iraniano ao largo de Gibraltar, alegadamente por suspeita de estar a furar um embargo da União Europeia, levando crude para a Síria, o que abriu um diferendo diplomático com Bruxelas por questões de soberania no Mediterrâneo.
Manobras navais geopolíticas
Os resultados do exercício militar nas águas do Índico serão neste momento o que menos interesse suscita a qualquer das partes envolvidas. O cenário montado para as águas do Índico constitui, por outro lado, uma demonstração clara de que Teerão conta com aliados poderosos que poderão servir de contraforte no diferendo com os Estados Unidos, que se retiraram em 2018 do acordo nuclear – assinado três anos antes com a Administração Obama – pela mão de Trump, um presidente que insistia antes numa política de sanções para controlar os avanços da estratégia nuclear iraniana.
“Os próximos exercícios navais visam aprofundar o intercâmbio e a cooperação entre as marinhas dos três países e mostrar a forte vontade e capacidade das três partes para manterem em conjunto a paz e a segurança marítima mundial, ao mesmo tempo que contribuem para uma comunidade marítima com um futuro partilhado”, afirmava há um ano um porta-voz das forças de Pequim.
Incontornável é o facto de as manobras serem anunciadas numa altura em que o recém-empossado presidente Joe Biden procura uma solução para remediar a saída americana do acordo nuclear com o Irão que, fruto de entendimentos multilaterais trabalhados com várias potências ao longo de dois anos de intensas negociações, além de Alemanha, França e Reino Unido, contou também, precisamente, com as assinaturas da China e da Rússia.
Trata-se de uma situação delicada que, constituindo de certa forma uma confrontação, deverá suscitar uma resposta ponderada da parte norte-americana. Apostado na diplomacia, Biden carrega contudo com as políticas de sanções que Trump deixou penduradas para esta nova Administração.
Washington e Teerão ou "o ovo e a galinha"
Num braço-de-ferro que teima em prolongar-se como a história do ovo e da galinha, Teerão exige o alívio das sanções para voltar a sentar-se à mesa com os americanos e Biden exige da parte iraniana um sinal de que está a cumprir a sua parte do acordo – concretamente, que pare o processo do país de enriquecimento de urânio – para reiniciar negociações que possam ainda salvar o tratado de 2015, conseguido por uma Administração da qual era o vice-presidente.
A Administração Biden dá sinais de querer regressar a um acordo nuclear com Teerão, mas rejeita a pressão iraniana para que sejam os norte-americanos a avançar primeiro. Na sua primeira grande missão no palco internacional, o secretário de Estado Antony Blinken insiste nesse sinal da parte iraniana, que insta a regressar aos seus compromissos dentro do acordo.
Com esse imbróglio de “quem dará o primeiro passo”, Blinken não aceita a pressão de Teerão para que sejam os Estados Unidos a avançar primeiro: “O Irão encontra-se em incumprimento em várias frentes. E levaria algum tempo, se fosse essa a sua decisão, para regressar ao cumprimento e para que nós pudéssemos avaliar se estava de facto a cumprir as suas obrigações”, declarou Blinken, considerando que “ainda não chegámos a esse ponto, para dizer o mínimo”.
Numa entrevista à cadeia norte-americana CBS, este domingo, o próprio presidente Biden foi claro ao manifestar a indisponibilidade dos americanos para suspenderem as sanções como forma de reconduzir Teerão à mesa das negociações. Os Estados Unidos manterão as sanções enquanto o Irão não respeitar os compromissos assumidos sobre o acordo nuclear, sustentou.
Igualmente inflexível, Ali Khamenei, o líder supremo iraniano, reiterou que caberá aos Estados Unidos levantar primeiro as sanções e voltar a cumprir o acordo nuclear, se o quiserem ainda salvar: “Se querem que o Irão regresse aos seus compromissos conjuntos do Plano de Ação Global (JCPOA), os Estados Unidos devem levantar todas as sanções em curso. Assim que isso for feito, retomaremos os nossos compromissos do JCPOA”, declarou Ali Khamenei durante um discurso, citado pelo The Wall Street Journal.