Voice of America silenciada. Administração Trump avança com despedimento em massa

por Carla Quirino - RTP
Annabelle Gordon - Reuters

A Administração Trump iniciou no último fim de semana o processo de despedimento em massa na emissora de televisão e rádio Voice of America e em vários outros órgãos de comunicação financiados por Washington. Em causa estão estruturas apontadas pelo novo poder na Casa Branca como vozes críticas. A rede da Voz da América comunicava em 49 línguas estrangeiras, incluindo português.

A 15 de março de 2025, o presidente norte-americano Donald Trump ordenou que a Voz da América fosse fechada, juntamente com todas as outras estações do International Broadcasting Bureau, e anunciou que todos os 1.300 funcionários seriam colocados "em licença por tempo indeterminado".Todos os serviços cessaram a transmissão na noite de sábado para domingo.

A medida consumou-se depois de Trump ter assinado, na sexta-feira, uma ordem executiva para efetivamente eliminar a Agência dos Estados Unidos para a Media Global (USAGM, na sigla em ingês). Este organismo é uma agência de media global em rede - que hospeda e cofinancia a VOA, a Rádio Europa Livre e a Rádio Ásia Livre, juntamente com outras seis agências federais.

No e-mail, citado pela Al Jazeera, a Agência dos EUA para Media Global (USAGM) declara que os contratados devem “cessar todo o trabalho imediatamente” e “ os colaboradores não estão autorizados a aceder a nenhum edifício ou sistema da agência”.

Misha Komadovsky, correspondente da Casa Branca para o serviço em russo da VOA escreve no X: “Os contratados, incluindo eu, da Voice of America acabaram de receber um e-mail a notificar que os nossos contratos serão rescindidos a partir de 31 de março de 2025”.

A Voz da América foi criada durante a II Guerra Mundial com a missão de alcançar países sem liberdade de imprensa e para combater a propaganda da Alemanha nazi e japonesa. Desde então, conquistou uma audiência semanal de mais de 354 milhões de pessoas no mundo todo.

Até ao passado sábado, a emissora transmitia em 49 idiomas para todo o mundo, incluindo o português.

A rede de redações de rádio, televisão e online era constituída, globalmente, por 3.384 funcionários no ano fiscal de 2023 e para as operações no ano fiscal vigente tinha solicitado 950 milhões de dólares, de acordo com a AFP.

À BBC, Mike Abramowitz, diretor da VOA, confirmou que ele e praticamente toda a sua equipa de 1.300 pessoas "foram colocados em licença remunerada".
Ordem "distópica"

A Casa Branca explicou que a medida "garantiria que os contribuintes não fossem mais responsabilizados por propaganda radical", acusando ainda a VOA de ser "anti-Trump" e "radical".

Já no primeiro mandato de Trump, a Casa Branca acusou a VOA de “falar pelos adversários da América e não pelos seus cidadãos”.

Também Elon Musk, no mês passado, alegou que as emissoras - VOA e outros canais financiados pelos EUA - eram compostas por "loucos radicais de esquerda a falarem sozinhos".

Abramowitz salientou ainda que a ordem de Trump deixou a VOA incapaz de executar sua "missão vital, especialmente crítica atualmente, sobretudo perante os adversários dos Estados Unidos, como Irão, China e Rússia, estão a investir milhões e milhões de dólares na criação de falsas narrativas para desacreditar os Estados Unidos".

Perante a mais recente medida de Trump, grupos de defesa da liberdade de imprensa, incluindo os Repórteres Sem Fronteiras e o Comité para a Proteção dos Jornalistas, já condenaram a diretriz, classificando-a como "distópica".

O National Press Club, um importante grupo representativo de jornalistas dos EUA, sublinhou que a medida "prejudica o compromisso de longa data dos Estados Unidos com uma imprensa livre e independente". E questionou: "Se uma redação inteira pode ficar paralisada da noite para o dia, o que dirá isto sobre o estado da liberdade de imprensa nos EUA?
Cortes em "conformidade com a Ordem Executiva"

As seis entidades que compõem a USAGM complementam e reforçam-se numa “missão compartilhada vital para os interesses nacionais dos EUA: informar, engajar e conectar pessoas ao redor do mundo em apoio à liberdade e à democracia. Juntas, as entidades da USAGM comunicam-se semanalmente com 427 milhões de pessoas em redor do globo”, explica o site oficial.

Acrescenta que em “conformidade com a Ordem Executiva do Presidente Trump intitulada, continuando a Redução da Burocracia Federal, datada de 14 de março de 2025, a Agência dos EUA para Media Global iniciou medidas para eliminar os componentes e funções não estatutários na extensão máxima consistente com a lei aplicável”. Afirma ainda que “o pessoal associado será reduzido à presença e função mínimas exigidas por lei”.

Kari Lake, atual consultora da USAGM, deixou claro: “Enquanto estiver na USAGM, prometo implementar integralmente as ordens executivas do presidente Trump na sua missão de reduzir o tamanho e o escopo do Governo federal. Hoje, continuamos o processo simplificando as nossas operações para o que é exigido por lei ”.

Lake foi apresentadora de televisão KSAZ-TV de Phoenix de 1999 a 2021, alinhando-se entretanto com o Partido Republicano. Acabou nomeada por Trump como principal consultora na USAGM.
Reportagem substituída por música
Brian Padden, ex-chefe da redação da VOA na Coreia do Sul e na Indonésia, que se reformou em 2020, descreveu que foi "irritante" ouvir o Governo de Trump acusar a VOA de disseminar propaganda anti-EUA.

“No decorrer das minhas reportagens, em 2014, fui assediado por ativistas ou militantes pró-Rússia na Ucrânia que me acusaram e à minha equipa da VOA TV de sermos agentes de propaganda pró-americana. Tanto Musk quanto os militantes russos estão errados. A VOA não faz propaganda. A VOA relata as notícias, que incluem a perspetiva tanto dos proponentes quanto dos críticos do presidente”.

Desde a ordem executiva de sexta-feira, as transmissões da VOA ficaram em silêncio ou foram substituídas por música em diversas regiões, incluindo na Ásia e no Médio Oriente.
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