Não se sabe se Putin teve de reaprender o juramento como Presidente mas é pouco provável. Foi a quarta vez que o proferiu, esta segunda-feira, e espera-se que já o saiba de cor.
Putin chegou ao Kremlin numa limousine de fabrico russo, que irá a partir de agora substituir os veículos importados usados a nível oficial. Um sinal discreto mas significativo.
Já no Hall Andreyevsky do Grande Palácio do Kremlin, pousando a mão numa cópia decorada a ouro da Constituição, Putin prometeu servir o povo russo, guardar os seus direitos e liberdades, e proteger a soberania russa.
Depois do juramento, Putin afirmou estar consciente da sua "grande responsabilidade" e prometeu defender a "integridade invencível da mãe-pátria".
"Ao assumir este cargo sinto um peso colossal de responsabilidade" afirmou, perante uma audiência que incluía o ex-chanceler alemão Gerhard Schroeder.
"O meu objetivo de vida e de trabalho tem sempre sido servir o nosso povo, a nossa pátria", acrescentou, agradecendo ao povo russo pela sua "confiança" nele.
Algumas sondagens recentes afirmam o contrário, que mais de metade dos russos não confia em Putin. Apenas 47 por cento o escolhem como alguém confiável.
Nas recentes manifestações, o grito mais ouvido clamava, Putin não é o nosso czar.
A figura de Putin confunde-se contudo com a identidade russa - e isso, afirmam alguns analistas, explica - acusações de fraude à parte - as suas sucessivas reeleições.
No poder há 18 anos
A primeira tomada de posse foi no ano 2000. Putin sucedia a Boris Yeltsin, numa altura de instabilidade política e de enfraquecimento económico da Rússia.
O estilo musculado do antigo oficial do KGB garantiu ao país o regresso à estabilidade e ao poder internacional e encontrou eco entre os russos. Este vai ser o seu quarto mandato como Presidente da Rússia. Pelo meio, Putin foi primeiro-ministro durante quatro anos, entre 2008 e 2012, intercalando com Dmitri Medvedev, já que, de acordo com a Constituição russa, não pode cumprir mais de dois mandatos sucessivos.
Obstinado, paciente, Putin é inquilino permanente do Kremlin há 18 anos e vai continuar a sê-lo até 2024 depois de, em 18 março último, ter garantido a reeleição, com 76 por cento dos votos.
O escrutínio foi calmo mas mais uma vez muito contestado pela oposição, que o acusa de abusar do poder para se livrar dos adversários. Particularmente do seu maior rival, Alexei Navalny, impedido de concorrer.
Polémicas à parte, é difícil atualmente imaginar uma Rússia sem Putin.
Do KGB ao Kremlin
Nascido a 7 de outubro de 1952, no seio de uma família operária na então Leningrado (São Petersburgo), Vladimir Putin formou-se em Direito e ingressou no KGB, a polícia secreta soviética, iniciando uma carreira sem grande história.
Apanhado pelo desmoronar do Muro de Berlim em 1989 e da União Soviética em 1991 - que qualifica como "a maior catástrofe geopolítica do século XX" - Putin ingressa na política e encontra a sua vocação.
Depois de se tornar conselheiro para as relações externas do novo presidente da câmara de São Petersburgo, o seu progresso é fulgurante numa Rússia em perigo.
As reformas iniciadas por Yeltsin após 1991 passaram pela liberalização dos preços, pela privatização da propriedade, pelo fim do monopólio do Estado sobre o comércio externo. E expuseram toda a fragilidade da economia russa.
A contestação comunista é abafada com carros de combate, a rebelião da Chechénia, no Cáucaso, traz à cena de novo o exército. A guerra faz dezenas de milhares de mortos em dois anos.
Apesar destas demonstrações de força, Yeltsin não consegue segurar as rédeas do poder e a pobreza alastra.
É neste cenário que Putin é chamado em 1996 para o Kremlin. Dois anos depois, assume a direção da FSB - Segurança Federal Russa, sucessora do KGB.
Discreto e eficaz, é designado primeiro-ministro em 1999, por Boris Yeltsin. O caminho para a sucessão está aberto.
Homem forte da Rússia
Alguns próximos de Yeltsin acreditam então que Putin será uma marioneta. Este depressa os desengana e inicia a dura tarefa de restabelecer a autoridade do Estado, seriamente abalada após 10 anos de luta entre oligarcas, que ganharam fortunas com as privatizações dos anos 90 pós-queda dos sovietes, e corrupção generalizada.
O seu apoio são as estruturas de força - os serviços secretos, a polícia, o exército. E alguns íntimos de São Petersburgo. Ele é o nexo, o vértice, o mandante.
Logo em outubro de 1999, o primeiro sinal do que está para vir.
Após uma série de atentados que fazem quase 300 mortos, Putin, ainda primeiro-ministro, inicia a segunda guerra da Chechénia. O conflito durará 10 anos e deixará um rasto de mortos e de crueldades.
A sua imagem de duro, popular entre os russos sedentos de um líder, está consolidada. Daí para a frente, ao contrário de Yeltsin, Putin tudo fará para não a perder.
Consolidação
No país dos Czares, o jogo político não se faz de alianças. Uma vez Presidente, a primeira tarefa de Putin é por isso interna. Começa por meter na ordem os oligarcas, decretando mesmo a prisão para alguns deles, como Mikhaïl Khodorkovski, grande patrão da petrolífera Ioukos.
Assume ainda o controlo dos meios de comunicação, reforça o seu poder no Parlamento, traz os governadores locais de novo à esfera de Moscovo e restitui todas as funções do antigo KGB. O controlo férreo da moeda russa, o rublo, e os recursos trazidos pelo petróleo, permitem-lhe reconstituir pouco a pouco a economia.
Na Chechénia, o exército russo é acusado de atrocidades e de bombardear a cidade de Grosny de forma cega. Putin é reeleito em 2004, para mais quatro anos.
Em 2008 torna-se primeiro-ministro mas a fachada é transparente. Quem mantém o domínio das rédeas é ele, mesmo durante a crise financeira internacional que ameaça a economia do país.
Isso mesmo fica provado em 2011, quando o seu partido, Rússia Unida, vence as eleições legislativas. A oposição pode gritar fraude e convocar uma série de protestos, Putin irá vencer também as presidenciais de 2012, desta vez para um mandato de seis anos decretado após uma reforma constitucional.
Obtém 64 por cento dos votos, num escrutínio denunciado pela OSCE - a Organização para a Segurança e Cooperação da Europa - como "enviesada". As manifestações seguintes desencadeiam a pior vaga de repressões desde o fim da URSS, acusa por seu lado a Human's Rights Watch.
Ameaças e bluffs
Garantido o poder interno, Putin vira-se para a consolidação da sua imagem externa.
Discreto na vida privada - é pai de duas filhas e divorciado desde 2013 - mostra-se como homem de "gostos simples", de "vida normal", amante de romances históricos e de música clássica, além de desportista.
Deixa-se fotografar em sessões de judo - é oitavo dan - ou a cavalo de tronco nú durante férias em plena natureza. E chega mesmo a assumir o comando de um avião de combate a incêndios florestais.
Pelo meio, vai restaurando a "Grande Rússia" e enfrentando a hegemonia da NATO, que se lhe cola às fronteiras sob o beneplácito da Polónia.
Em 2014, em plena contestação da Ucrânia à influência de Moscovo, apoiada pela União Europeia, a Federação Russa retoma a península da Crimeia, desencadeando a pior crise entre o Ocidente e a Rússia desde o fim da Guerra Fria.
As sanções daí resultantes parecem mais uma irritação do que um problema real.
Em 2015, nova ingerência numa crise regional. Apoiante desde a primeira hora do Presidente da Síria, Bashar al-Assad, a braços com uma rebelião sunita financiada não oficialmente pelas monarquias do Golfo, Putin resolve intervir e virar a guerra a favor de Assad.
Garante assim que o Ocidente continuará dependente do gás russo e dos seus gasodutos, e firma as bases de uma aliança com o Irão pelo controlo da região.
As incursões militares distraem ainda da desvalorização para metade do rublo, entre 2015 e 2016. A recuperação do preço do petróleo irá ajudar a economia russa a aguentar a tempestade.
Putin move-se com maior ou menor discrição no xadrez político mundial, consolidando a sua influência regional.
Além de Damasco e de Teerão, tem-se aproximado ainda do Presidente da Turquia, Reccep Tayyip Erdogan, renegado pela União Europeia devido ao seu modo de governo musculado tão semelhante a Putin. Um golpe de mestre, pois a Turquia é membro da NATO.
Moscovo anuncia ainda a renovação militar, novas armas nucleares, novos recursos bélicos baseados em novas tecnologias, nomeadamente a inteligência artificial.
Contudo, quando os Estados Unidos levantam a voz na cena internacional, Putin, fiel às suas táticas, prefere esperar e não mostrar o que tem na manga. Ainda não é a hora e poderá nunca o ser.
Putin vs Ocidente
O Ocidente tenta por todos os meios desacreditá-lo e imputa-lhe a origem de quase todas as suas recentes surpresas politicas.
Em 2014, os Jogos Olímpicos de Inverno em Sochi, os mais caros da história e que pretendem reafirmar a Rússia como uma potência desportiva, ficam ensombrados por um escândalo de doping que afasta sobretudo os atletas russos.
Às tensões sobre a Síria e a Ucrânia junta-se, entretanto, a polémica das alegadas interferências nas eleições presidenciais norte-americanas de 2016, que levaram Donald Trump à Casa Branca.
Meses depois, Londres aponta o dedo ao Kremlin após o envenenamento em Salisbury de um ex-espião duplo russo, fazendo eco de um outro envenenamento de um homem embaraçoso para a Rússia, a morte com polónio de Alexander Litvinenko, um ex-oficial do FSB e do KGB, em 2006.
Moscovo nega sempre mas a crise desencadeia a maior vaga de expulsões retaliatórias de diplomatas russos e ocidentais em décadas.
O Campeonato do Mundo de Futebol, que se irá iniciar em junho na Rússia, irá igualmente ficar marcado pela polémica com Londres.
Refém do poder
Em 2018, Putin não encontrou ainda sucessor à altura, apesar de o procurar, afirma, já desde 2000. Em 2015, numa entrevista, assumiu uma das suas máximas, oriundas provavelmente do judo: "se o combate é inevitável, é necessário ser o primeiro a atacar".
A vida política russa, lembram os analistas, é marcada por uma luta palaciana e para já tranquila, entre dois clãs rivais. Os "silovki", oriundos do exército e dos serviços de segurança, e os que representam um movimento mais liberal ligados aos empresários.O Presidente Putin não se irá embora sem designar o seu sucessor, garantem os mais íntimos.
Em 2024, Putin terá 72 anos. Poderá de novo tentar o mesmo estratagema de 2008 e cumprir um mandato como primeiro-ministro, antes de regressar à Presidência. Mas em 2030, Vladimir Putin terá 78 anos. E em março último, interrogado por um jornalista, afastou tal eventualidade.
"Que é que eu devo fazer? Ficar aqui até aos meus 100 anos? Não", respondeu. Garantiu igualmente que não irá procurar modificar a Constituição russa. "Nunca o fiz e não tenho intenções de fazer esse tipo de coisa atualmente", garantiu.
Outra hipótese será Putin assumir-se como um senador da Mãe Rússia, acima de todos. E há ainda quem pense que, para garantir a própria sobrevivência e proteção, Putin terá de ficar prisioneiro do seu próprio poder, mesmo contrariado.