As vítimas do massacre de 17 de Abril de 1999 em Díli foram hoje homenageadas na capital timorense, numa acção organizada por sobreviventes e familiares e em que a política de reconciliação com Jacarta foi uma vez mais questionada.
O massacre, perpetrado por milícias timorenses, enquadradas por forças de segurança e militares indonésias, ocorreu na casa de Manuel Carrascalão, dirigente histórico da resistência de Timor-Leste aos 24 anos de ocupação.
Na acção de hoje, dezenas de sobreviventes e familiares do massacre acentuaram a necessidade de ser feita justiça para que haja paz ("La iha justica, la iha dame", em tétum) e questionaram a política de reconciliação encetada pelas autoridades de Timor-Leste.
Manuel Carrascalão, crítico quanto à política de reconciliação definida pela liderança timorense, disse à Agência Lusa que "muitos outros pensam como ele, mas não falam porque têm medo".
De acordo com o relatório elaborado pela Comissão de Acolhimento, Verdade e Reconciliação (CAVR), que contém as violações dos direitos humanos perpetradas em Timor-leste entre 1974 e 1999, a 17 de Abril de 1999, na sequência da realização de um comício pró- indonésio, defronte do Palácio do Governador, o timorense Eurico Guterres incitou os manifestantes a matarem os apoiantes da independência.
"Imediatamente a seguir ao comício, membros da milícia (Aitarak, liderada por Eurico Guterres) dirigiram-se para a casa do proeminente dirigente pró-independência Manuel Carrascalão, onde aproximadamente 150 pessoas estavam refugiadas. Aí mataram pelo menos 12 civis desarmados", refere o documento.
Entre as vítimas mortais identificadas figurou Manelito, de 17 anos, filho de Manuel Carrascalão.
Eurico Guterres, reconhecidamente um dos principais instigadores do massacre e de outras acções de terror e violência contra partidários da independência, viria a ser condenado a 10 anos de prisão em Novembro de 2002, e a sentença foi confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça da Indonésia em Março passado.
Mas a protecção de que goza entre a hierarquia militar indonésia tem-lhe conferido manter-se fora de grades, com total impunidade e completa liberdade de movimentos.
Nas declarações que hoje fez à Lusa, Manuel Carrascalão classificou o julgamento de Guterres uma "fantochada" e salientou a sua completa desconfiança no sistema judicial indonésio.
Maria Cristiana, filha de Manuel Carrascalão e uma das organizadoras da homenagem às vítimas do massacre, denunciou igualmente o processo judicial indonésio, e salientou que "há sete longos anos que esperamos que se faça justiça. Mas é apenas a injustiça que continua".
Das cerca de 150 pessoas que estavam refugiadas na casa, apenas sobreviveram 45 e 12 corpos foram posteriormente devolvidos pelos militares indonésios.
"Desconhecemos onde estão os outros. Desapareceram e até hoje não sabemos o seu paradeiro", vincou Maria Cristiana.
Também em declarações à Lusa, João Carrascalão, tio de Manelito, propôs a criação de uma associação de vítimas e sobreviventes da violência perpetrada pelos indonésios.
Relativamente à política de reconciliação encetada por Díli, que juntamente com Jacarta criou em 2005 a Comissão de Verdade e Amizade, João Carrascalão frisou "não estar de forma nenhuma de acordo que, em nome da boa vizinhança, se esqueça a Justiça".
"Não concordo que se pactue com indivíduos que são culpados do drama humano que se viveu em Timor-Leste", concluiu.
No final da homenagem, os organizadores distribuíram um comunicado em que declaram apoiar as recomendações da Comissão de Peritos das Nações Unidas, que aconselham a criação de uma comissão independente de recolha de dados, o início de novas investigações e a criação de um tribunal independente para julgar a violação dos direitos humanos em Timor-Leste.