Vítimas de rutura de barragem brasileira esperam que "justiça seja feita" em Londres 

por Lusa

Geovana Rodrigues, cujo filho de sete anos morreu arrastado pela lama resultante da rutura da barragem de Mariana, no Brasil, em 2015, mostrou hoje em Londres esperança que "a justiça vai ser feita". 

Geovana foi uma das vítimas do desastre que hoje se concentrou em frente ao edifício onde se situa o Tribunal de Tecnologia e Construção, parte do Tribunal Superior (High Court) de Londres, onde começou o julgamento para apurar a responsabilidade da mineira australiana BHP. 

"Só [o facto] de a maior mineradora do mundo estar no banco dos réus hoje, para a gente já é uma grande vitória e maior será quando a juíza falar que vai ser condenada", disse à agência Lusa.  

Geovana Rodrigues, de 37 anos, perdeu o filho há nove anos, em 05 de novembro de 2015, quando a barragem do Fundão, no município de Mariana, Minas Gerais, rompeu, libertando 44,5 milhões de metros cúbicos de lama tóxica. 

A lama terá percorrido 675 quilómetros em direção ao Oceano Atlântico, destruindo dezenas de cidades da região e contaminando rios pelo caminho. Além da morte de 19 pessoas, o acidente causou grandes danos socioambientais devido aos resíduos tóxicos de mineração. 

O corpo de Thiago Rodrigues foi encontrado a cerca de 100 quilómetros de distância do distrito de Bento Rodrigues, onde residia com os avós paternos. 

A "tristeza e desgosto" causados pela morte contribuíram para a morte do pai e avô e a avó sobrevive "com muitas sequelas", garante a mãe, que hoje envergou uma t-shirt com a fotografia do filho.

Geovana Rodrigues espera que, ao ser condenada a pagar uma grande indemnização, a BHP passe a tomar mais precauções em projetos semelhantes. 

Quer também que Thiago fique "muito orgulhoso", porque na luta que está a travar acredita estar a salvar "muitas vidas que podem ser ceifadas pela lama", disse, em declarações à Lusa. 

A ação judicial contra a BHP junta mais de 620 mil vítimas, incluindo moradores da região, 46 municípios brasileiros, empresas e vários povos indígenas. 

Ana Carolina Salomão, sócia e diretora do departamento de Contencioso Financeiro da Pogust Goodhead, escritório de advogados especializado em ações coletivas ligadas a causas ambientais, espera que o julgamento crie um precedente judicial a nível internacional.

"É uma oportunidade não só para fazer justiça para aqueles que aguardam há nove anos reparação justa pelos danos sofridos, mas também de estabelecer parâmetros globais de responsabilização por danos ambientais", explicou à Lusa. 

A BHP, que considera que a água do rio recuperou a qualidade, assume-se "plenamente consciente do impacto" da catástrofe, mas considera que o processo britânico está coberto pelo processo brasileiro.

O grupo mineiro afirma que mais de 200 mil dos queixosos que fazem parte do processo de Londres já receberam indemnizações e que a fundação Renova, que gere os programas de indemnização e reabilitação no Brasil, já pagou mais de 7,8 mil milhões de dólares (7,2 mil milhões de euros).

Em abril, a BHP e a parceira Vale propuseram à justiça brasileira uma indemnização de 127 mil milhões de reais (20,6 mil milhões de euros), na esperança de pôr termo à maior parte dos processos no país, mas o montante ainda está a ser negociado.

A diferença dos dois processos é que no Brasil a ação judicial está a ser liderada pelo Ministério Público, enquanto no Reino Unido são as vítimas que protagonizam esta ação. 

O julgamento que começou hoje vai prolongar-se até março de 2025 e a sentença é esperada nos meses seguintes. 

Caso a BHP seja considerada responsável pelo desastre, a próxima fase será quantificar os danos e determinar quanto cada grupo de clientes foi afetado, o que só acontecerá em 2026. 

Ana Salomão refutou que um acordo no processo do Brasil trave o julgamento em Londres e recusou uma negociação que não envolva as vítimas. 

"O interesse da BHP, até o momento, tem sido apenas de diminuir o valor de compensação. Eles não têm chamado os nossos clientes diretamente para negociar. O critério mais importante para um acordo é chamar os nossos clientes à mesa de negociação e conversar com eles diretamente", salientou.

Também presente em Londres, Marcelo Krenák, representante do povo Krénak, sublinhou não ser contra a mineração, mas defende que esta deve ser feita de forma a "tratar a natureza com dignidade". 

Apesar de esta tribo viver numa reserva indígena distante da barragem que rompeu, também foi afetada porque as lamas poluíram o rio Doce, o qual é uma parte importante da sua cultura, e revelou que já existem esforços para a recuperação ambiental da região.

"Não vão poder trazer de novo a vida, não vão poder de novo trazer os rios, os peixes, os animais, mas que doa aonde eles [BHP] mais sentem, que é o bolso", acrescentou.

"[Com uma futura indemnização], a gente vai fazer o que eles não fizeram, que é de recuperar o meio ambiente", prometeu.

 

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