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Guerra na Ucrânia. A evolução do conflito ao minuto

Visão Global 2017: Nuno Lemos Pires

por Nuno Lemos Pires - Investigador do CEI-IUL, Professor na Academia Militar
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Personalidade do ano: Kim-Jong-Un
Lembra-nos, em pleno século XXI, que uma só pessoa pode influenciar a vida de milhões, tanto na região onde habita como, em geral, sobre milhares de milhões pelo mundo fora. Kim-Jong-Un representa uma família que governou e governa um país sob um regime obscuro que confina e compele as pessoas à obediência.

Quando a Coreia do Norte ameaça a Coreia do Sul, o Japão, os EUA ou o mundo em geral, nunca temos a certeza que esta tomada de posição seja o resultado de uma estratégia pensada por uma nação, se sente o apoio ou não de outras nações, ou se é, simplesmente, um capricho de um ditador, que tal como Hitler, Pol Pot ou Idi Amin Dadá, mudaram a vida de milhões antes dele.

Como em inúmeros casos ao longo da história, para apaziguar possíveis desilusões internas, Kim-Jong-Un poderá ter sentido a necessidade de criar uma causa externa. Naturalmente que há explicações diversas para as tomadas de posição assumidas, desde as ambições regionais e globais de algumas das nações às justificações pseudo-históricas que empurram numa determinada direção.

Mas, neste caso específico, estamos a falar de uma das 8 assumidas potências nucleares mundiais (há mais que não o assumem), que podem ameaçar sobre o uso de, uma ou mais, ogivas nucleares, lançados sobre e, por hipotética retaliação, recebidos porque podem matar centenas de milhar, senão mesmo, milhões de pessoas.

Não se trata de um simples prova de força nem de uma afirmação de poder regional, trata-se de lembrar que há milhares de ogivas nucleares que nunca foram usadas e que um dia, que esperamos nunca venha a ocorrer, podem mesmo vir a mostrar os seus efeitos.

Kim-Jong-Un representa um regime político que pensávamos já não ser possível no século XXI e que não é o rosto da população que domina. Basta olhar para as poucas imagens que surgem da vida e do dia-a-dia na Coreia do Norte para nos recordarmos da efémera condição humana.

A “paz perpétua” de Kant terá ainda de esperar, enquanto nos mantivermos reféns da fragilidade de uma condição que pode estar conectada à simples ação de um ser humano e dos seus colaboradores mais próximos.

Mesmo que não seja só “o querido líder” e que, efetivamente haja mesmo um sistema de decisão coletivo que racionaliza as tomadas de posição da Coreia do Norte, nós só o conhecemos a ele, e ele faz questão de se mostrar, interna e externamente, como “o grande líder”. Kim-Jong-Un é, provavelmente, uma figura mundial que tem a capacidade de mudar, radical e tragicamente, a vida de milhões de outros seres humanos.

Por isso, esperamos todos, que a diplomacia, que é efetivamente a única solução admissível para este dilema regional-global, se sobreponha a todas as outras considerações e (nos) devolva a tranquilidade.
Acontecimento do ano: A libertação de Mossul no Iraque
Mossul, no Iraque, foi libertada em julho e, em outubro de 2017, foi Raqqa na Síria. Não foi uma simples libertação de duas cidades ocupadas, foi e é, o êxito de parte de uma nova estratégia global, pensada para combater grupos como o Daesh, que se tem mostrado diferente, ou mesmo melhor, que as anteriores. Mas ainda é uma estratégia em construção e que necessita de confirmação.

A libertação de Mossul foi um momento relevantíssimo porque se derrotou, territorialmente, o Daesh e, o que sobra no Iraque e na Síria, depois da libertação de Raqqa, é importante, mas já não tem o poder de mobilizar recursos para o exterior.

Praticamente fechou-se a torneira do dinheiro, encerraram-se instalações onde se produziam explosivos, onde se filmavam instruções de como os fazer para todo o mundo, onde se escreviam as doutrinas extremistas, os vídeos repugnantes, as mensagens de ódio e de terror. Não acabou. Mas foi profundamente afetada a capacidade de organizar ataques de forma global e de apoiar elementos espalhados pelo globo. Mossul e Raqqa eram as capitais da ignomínia do Daesh.

Hoje todos podem ver a realidade por detrás das imagens manipuladas pelas agências da sua perversa propaganda. Agora era importante que passassem, cem vezes mais do que os vídeos violentíssimos do Daesh, os testemunhos dos sobreviventes, as condições de vida naquele inferno, as bestialidades cometidas contra uma população submetida à lei da crueldade ilimitada, onde crucificações, amputações, decapitações e imolações eram a prática de cada dia.

Macron em França, Theresa May no Reino Unido, Rajoy em Espanha, Angela Merkel na Alemanha, Trump nos EUA ou Malcolm Turnbull, na Austrália, têm vindo anunciar, a conta-gotas, que há uma nova política / estratégia para derrotar grupos terroristas como o Daesh ou a Al-Qaeda e que está em marcha, fundamentalmente, uma abordagem abrangente para suprimir ou diminuir a força das ideologias extremistas que grassam um pouco pelo mundo inteiro. A estratégia, pensada para muitos anos, assenta em princípios muito claros:

(1) Da ação exterior para lá das fronteiras, que não só é fundamental para se garantir a segurança interna de cada país como para assegurar a derrota dos principais grupos terroristas, nas áreas onde se afirmam (como o Daesh);

(2) Que não se deve substituir as autoridades locais no combate direto e, de forma decidida, se deve apoiar quem está na linha da frente, e que depois ficam, para restabelecer a normalidade social;

(3) Reforçando o esforço de contra radicalização que, a par da ação positiva dos líderes religiosos dentro de cada Estado, é fundamental na prevenção sobre mensagens de intolerância e fundamentalismo;

(4) Apostando na integração social e no acesso garantido a uma política de educação aberta e livre;

e (5) Apoiando e ajudando, como forma de assegurar uma paz e estabilidade sustentável, no desenvolvimento das regiões onde mais se sofre e se registam as grandes instabilidades globais.

Mais importante, e essencial, é não esquecer que muito há ainda por fazer: (1) As tragédias humanitárias no Iraque e na Síria precisam de décadas de apoio para se renascer da destruição causada;

(2) As instituições fundamentais dos Estados desagregados precisam de um apoio continuado (peace e nation building);

(3) Que o fim de determinadas áreas de conflito destapam outras que esperavam o momento para surgir pelo que que não se deve “cantar vitória” demasiado cedo e;

(4) Que o “quase” fim do Daesh no Iraque e na Síria não significa o seu fim em inúmeras regiões do globo e, muito menos, da Al-Qaeda e de outros grupos terroristas em extensas regiões do planeta.

Com perseverança, com respeito, com passos calculados, sustentados e, acima de tudo, dando voz e autoridade a quem vive e viverá naquelas regiões, poder-se-á, um dia, encontrar a paz.
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