O ano 2017 ficou marcado pela chegada de Donald Trump ao poder. Passados quase doze meses, as piores expectativas confirmaram-se e a nova administração fez-se notar sobretudo pelo seu carácter errático. Na dimensão externa, foi evidente a erosão da autoridade da principal potência mundial. A comunidade internacional, com a excepção de Israel, parece ter deixado de contar com os Estados Unidos, em função de uma liderança considerada pouco credível e incapaz de resolver qualquer problema. A forma como Trump voltou a incendiar o Médio Oriente, com um reconhecimento absolutamente desnecessário de Jerusalém como capital israelita, é disso prova.
No entanto, em 2018, os Estados Unidos continuarão a ser a única potência com capacidade de projecção de força à escala global, a contar com o maior orçamento destinado à defesa e a garantir a segurança de dezenas de países. A emergência de uma potência com um peso comparável ao dos Estados Unidos é uma impossibilidade a curto-prazo: a Rússia, apesar de alguma recuperação em relação à decadência do pós-Guerra Fria, não tem peso económico nem demográfico para regressar à primeira linha; e a saída do Reino Unido e a permanente crise francesa debilitam a posição europeia. Resta a China, uma potência que aposta numa estratégia de longo-prazo em detrimento do efeito imediato.
Xi Jinping é a face de uma nova China. A sua reeleição como secretário-geral do Partido Comunista Chinês traduziu-se numa consolidação do poder que detém. Depois de um primeiro mandato centrado no saneamento do partido e do Estado e no combate à corrupção, Xi Jinping está seriamente empenhado na afirmação internacional chinesa. A política externa de Pequim responde hoje a uma estratégia dual: realismo e músculo militar ao nível regional; e liberalismo, soft power e economia à escala global. O pragmatismo impôs-se à ideologia e o governo chinês, embora não esteja disposto a ceder em nada do que considere estratégico, começa a assumir uma postura de liderança, como o demonstra um certo endurecimento de posição em relação aos devaneios norte-coreanos. A abertura da primeira base militar no estrangeiro (no Djibuti), este ano, é outro sintoma desta evolução.
Muito tranquilamente e sem pretender dar qualquer passo em falso, o presidente chinês entendeu perfeitamente que o vazio de poder (e de prestígio) que Trump representa pode servir para afirmar o seu ascendente. Não por acaso, na Cimeira de Davos, em Janeiro, defendeu de forma clara o comércio internacional sem barreiras, em reacção aos discursos mais protecionistas. A denominada “nova rota da seda” é uma materialização desta ambição, com Xi Jinping a articular de forma precisa a política de investimentos e financiamentos em África e na Ásia com a dinâmica industrial chinesa. Na América Latina, por outro lado, a presença manteve-se para lá dos governo de esquerda que durante anos privilegiaram o relacionamento com Pequim.
O grande desafio e o que pode definir o mandato do líder chinês está na conciliação deste amável rosto da China global com o seu duro e repressivo rosto da China nacional. Continuarão o crescimento económico e a expansão da sociedade de consumo a ser ingredientes suficientes para conter instabilidade e contestação interna a larga-escala?
Acontecimento do ano: o conflito catalão
Com o terrorismo da ETA derrotado há mais de seis anos, em 2017, um conflito entre nacionalismos voltou a dominar a política espanhola. A maioria parlamentar e o governo da Catalunha, numa jogada de enorme risco, apostaram tudo na ruptura com o Estado e… perderam.
A vida política não tem sido fácil para os espanhóis. Depois de duas eleições legislativas em menos de 7 meses, de quase um ano sem um governo em plenitude de funções e da fragmentação do sistema de partidos, uma parte do território tentou a secessão, num processo pouco comum no actual quadro europeu. No entanto, Mariano Rajoy, político pouco dado a consensos e a diálogos, acaba por não encerrar o ano tão mal como poderá ter pensado que acabaria nos momentos mais duros deste processo. Espanha conseguiu, nos últimos meses, afirmar de forma clara a sua soberania sobre a Catalunha e a comunidade internacional, com a União Europeia à cabeça, deu a Madrid um apoio robusto e sem fissuras. A suspensão da autonomia, ao abrigo do artigo 155º da Constituição, foi levada a cabo sem resistência e foi assumida pela população, graças à convocação imediata de eleições autonómicas.
O nacionalismo catalão, por seu lado, acaba o ano dividido e com os seus principais protagonistas, Oriol Junqueras e Carles Puigdemont, fisicamente ausentes de uma campanha eleitoral indesejada. O presidente da Generalitat cometeu o erro de não convocar eleições e a sua improvisada declaração unilateral de independência foi o pretexto de que o governo e os tribunais precisavam para pôr fim ao processo e para reforçar o nacionalismo espanhol.
Os resultados das eleições de dia 21 de Dezembro são hoje a grande incógnita. Todas as sondagens indicam que o eleitorado está profundamente dividido e que o processo não reforçou o nacionalismo catalão. Pelo contrário, poderá ter servido para mobilizar os eleitores que se identificam com a integração em Espanha.
Depois de meses em que o debate político na Catalunha foi monopolizado pela miragem da independência, não será fácil formar um governo que restitua a normalidade institucional aos catalães. Ao contrário do que acontece na esmagadora maioria das democracias consolidadas, a política nesta região não é dominada pela clivagem ideológica, mas sim pela clivagem identitária. Neste quadro, a emoção domina a política e são grandes as dificuldades para entendimentos razoáveis. Muito dificilmente os interesses dos cidadãos voltarão a estar, a curto-prazo, no centro da preocupação das instituições estatais e regionais.
O ano 2018 também não se adivinha fácil para Espanha. O conflito catalão provocou efeitos na governação do Estado e os espanhóis, a meio de Dezembro, ainda não têm uma data prevista para aprovação do orçamento de Estado. O impulso económico que parecera imune às dificuldades em formar governo (2015 e 2016) está agora a ressentir-se com o PIB a crescer aquém do previsto. A revisão constitucional é uma ilusão, em função das enormes divergências entre os principais partidos, e não são de excluir eleições antecipadas.