Visão Global 2017: Fernando Jorge Cardoso

por Fernando Jorge Cardoso - Coordenador na área de estudos estratégicos no Instituto Marquês de Valle Flor, Diretor executivo do Clube de Lisboa, Investigador do Centro de estudos internacionais ISCTE/IUL
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Por mais que me esforce para que assim não seja, quer Donald Trump, quer a contra-revolução que está a empreender nos EUA são pelas razões que a seguir explicito a figura e o acontecimento do ano de 2017, pelo impacto que têm na transformação do cenário do pós-guerra.

Após mais de três décadas caraterizadas por:

1. Financeirização da economia, iniciada nos anos 70 e levada a extremos de concentração de capital sem expressão na produção de bens e serviços, originando a multiplicação de produtos financeiros sem base real e pela criação de uma nuvem de capital financeiro especulativo;

2. Liberalização do comércio internacional que permitiu a deslocalização acelerada de indústrias dos países industrializados para economias emergentes com menores custos de produção, criando bolsas de desemprego e subemprego nas primeiras e originando a industrialização e formação de classes médias nos segundos;

3. Privatização da produção e serviços estatais e desregulamentação da economia, com particular enfoque à desregulação da movimentação de capitais, que levou à multiplicação de paraísos fiscais e à captura das políticas estatais por interesses privados;

4. Rendição dos movimentos e partidos sociais democratas aos ditames do tipo de liberalização em curso, que levou que fossem, nalguns casos, gestores de um sistema que lhes corroeu as tradicionais bases de apoio sindical – casos dos partidos trabalhistas britânico, do SPD na Alemanha e do PS francês entre outros;

5. Desaparecimento ou irrelevância política nos países industrializadas e do antigo bloco de leste dos partidos comunistas e operários, no seguimento do fim da URSS e do desprestígio do sistema do socialismo real – ou, no caso da China, da transformação do PC chinês numa organização gestora do capitalismo de estado.

Seria e foi natural a captura de grandes franjas de descontentes e perdedores da globalização por partidos nacionalistas e populistas e por figuras carismáticas, com tem vindo a acontecer nas economias mais avançadas. No caso dos EUA, a política neoliberal de Clinton e Cia acelerou o processo de perda da base de apoio tradicional do Partido Democrático, os operários e sindicalistas, o que, com o afastamento das elites do Partido Republicano das suas bases de apoio popular levou à tomada deste partido pelos neo-nacionalistas de direita, em que se apoiou Trump para conquistar o poder e para fazer reverter pelo menos parcialmente a globalização neoliberal em favor de políticas isolacionistas.
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