Com o presidente norte-americano ainda recolhido devido à infeção por covid-19, caberá à vice-presidente Kamala Harris receber o polémico primeiro-ministro israelita, que iniciou na terça-feira uma visita aos Estados Unidos.
Se para Kamala Harris a ocasião configura um exemplo do que poderá ser o seu futuro, para Netanyahu pode revelar-se um aviso.
A vice-presidente deverá assegurar que o apoio norte-americano a Israel se mantém, assinalando ao mesmo tempo que está na altura de por fim à guerra em Gaza contra o Hamas. Ao jornal The New York Times, um assessor da vice-presidência indicou que a ideia é sublinhar que esse fim deve surgir "de uma forma em que Israel esteja seguro, todos os reféns sejam libertados, o sofrimento dos civis palestinianos em Gaza termine e o povo palestiniano possa desfrutar do seu direito à dignidade, liberdade e autodeterminação".
Benjamin Netanyhau ajustou as velas e está a tentar aproveitar a seu favor os recados da Administração democrata, tendo anunciado à chegada a famílias de reféns capturados pelo Hamas a 7 de outubro de 2023, que um acordo para a libertação destes está próximo.
"As condições estão sem dúvida a amadurecer. É um bom sinal", afirmou. "Infelizmente, não terá lugar de uma só vez, haverá etapas. No entanto, acredito que podemos avançar para um acordo", acrescentou, numa altura em que se agrava o conflito com o grupo islamita Houthi do Iémen.
A pressão para um cessar-fogo irá marcar esta visita do responsável israelita, enquanto o Hamas acusa Netanyahu de atrasar o processo e de enviar delegações de negociação apenas para "acalmar a ira das famílias dos cativos israelitas", como referiu Sami Abu Zuhri, um alto responsável do grupo palestiniano. Quinta-feira é esperada uma nova delegação para reiniciar as conversações, que poderão incluir a troca de reféns por prisioneiros palestinianos detidos nas cadeias de Israel. Eventuais decisões poderão influenciar de forma notória a visita de Netanyahu, que está a ser contestada de forma significativa em Israel.
Vários protestos consideraram que o primeiro-ministro deveria ter ficado no país e focar-se num acordo de cessar-fogo para garantir a libertação dos reféns.
"Até ele assinar o acordo que está em cima da mesa, não vejo como pode levantar-se e voar através do Atlântico para se dirigir ao caos político americano", criticou Lee Siegel, um dos manifestantes com familiares entre os sequestrados.
Também do outro lado do Atlântico, a visita do líder israelita está ser recebida com protestos de manifestante pró-palestinianos, que querem ver Netanyahu no banco dos réus. O clima é tão grave que a segurança em torno da Casa Branca foi mesmo reforçada.
Impaciência democrataNão é claro o que pode obter Benjamin Netanyahu nesta visita ensombrada pela desistência de Joe Biden à recandidatura à Casa Branca e numa altura em que haverá pouca paciência por parte da Administração para o ouvir. O presidente já afirmou que quer marcar o fim do seu mandato com a paz no Médio Oriente mas a sua fragilidade poderá impedir esse cenário, mesmo que se concretize a reunião prevista com Netanyahu para o final da semana.
O apoio dos Estados Unidos a Israel permitiu às Forças de Defesa de Israel destruirem as infraestruturas do grupo islamita em Gaza, e de passagem, o próprio enclave, mas o governo de Joe Biden e muitos legisladores democratas entraram recentemente em conflito aberto com o primeiro-ministro israelita sobre suas políticas e táticas na guerra.
Significativamente, Harris invocou conflito de agendas para não estar presente quando o primeiro-ministro israelita se tornar o primeiro chefe de governo estrangeiro a discursar quatro vezes perante o Congresso do Estados Unidos.
Alguns senadores democratas já admitiram que poderão boicotar o discurso de Benjamin Netanyahu. E, apesar das justificações da sua equipa, a ausência da vice-presidente do lugar de destaque que deveria ocupar no Congresso nesta ocasião, e que costuma assinalar o apoio da Administração ao orador, está a dar luz verde a estes protestos.
A senadora Patty Murray, democrata de Washington e terceira na linha de sucessão presidencial, terá recusado substituir Kamala Harris na sessão. E o líder da maioria, o senador Chuck Schumer, democrata de Nova York, que no início do ano se referiu a Netanyahu como um grande obstáculo à paz no Médio Oriente pedindo eleições para o substituir quando a guerra acabasse, nem terá sido abordado.
Pelo contrário, os republicanos estarão dispostos a declarar o seu apoio a Netanyahu, num eventual balão de oxigénio para o primeiro-ministro israelita sobretudo caso a eleição de novembro seja esmagadoramente favorável a Donald Trump.
O presidente da Câmara dos Representantes, o republicano Mike Johnson, terá pressionado a realização do discurso, apesar do repúdio de outros congressistas, particularmente entre o campo democrata.