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Guerra na Ucrânia. A evolução do conflito ao minuto

Visão Global 2017: Ana Isabel Xavier

por Ana Isabel Xavier - Professora Universitária e Investigadora no Centro de Estudos Internacionais (CEI-IUL)
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Personalidade do ano - Emmanuel Macron
Seis meses após a sua eleição, a revista TIME elegeu-o “o próximo líder da Europa”, mas com uma ressalva: “se conseguir liderar França”. Na verdade, já a meio destes seis meses, o Le Journal do Dimanche ditava que apenas 40% de franceses estavam satisfeitos com a governação de Macron, menos do que Sarkozy e Hollande no mesmo período. O presidente Júpiter tem cultivado um estilo distante e altivo, o que foi visível na cerimónia do primeiro ano dos atentados ao Bataclan quando os familiares das vítimas se recusaram a cumprimentá-lo em protesto pela falta de concretização das medidas de apoio e acompanhamento prometidas. Mas a sua impopularidade tem também crescido no seguimento de uma série de medidas como o congelamento dos salários da função pública, os cortes no orçamento dos ministérios (que levou mesmo ao pedido de demissão do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas), os cortes nos apoios à habitação jovem, ou a restituição do não-pagamento do primeiro dia de salário a quem falte ao trabalho por doença.

Mas nem por tudo isto, Macron deixa de ser a figura do ano. E é-o em duas dimensões: interna e externa. Interna, porque aos 39 anos conseguiu transformar o movimento En marche, uma espécie de start up política composta por muitos empresários, jovens dinâmicos e com dinheiro, na alavanca para se afastar do establishment e não só conseguir ganhar na segunda volta com 66% dos votos, como ainda transformar-se num partido para disputar (e vencer!) as eleições legislativas.

Do ponto de vista externo, Macron foi também a figura do ano, pelo modo como tem assumido uma liderança forte a nível europeu e internacional. Na cimeira do G5 Sahel, apoiou a implementação de uma força conjunta contra os radicais islâmicos no Mali. Na cimeira do G20, anunciou a realização de uma cimeira do clima um ano depois da assinatura do Acordo de Paris e prometeu convencer Trump a mudar de ideias sobre a posição norte americana. Recebeu Trump para as celebrações do 14 de Julho e anunciou que vão trabalhar em conjunto para um roteiro para o pós guerra na Síria. Recebeu ainda Benjamin Netanyau e pediu o retomar das negociações entre Israel e palestina. Em Julho, foi o anfitrião do conselho franco-alemão e anunciou um novo modelo de avião de combate europeu. Este projeto de uma nova aeronave é apenas uma face visível das ambições de uma nova Europa gizada por Macron e Merkel (dupla já batizada de Merkron) de reforço claro da dimensão de segurança e defesa, mas também do espectro económico e financeiro.

Se Macron é ou não um líder de pés de barro e se todos os seus ímpetos reformistas, internos e externos, serão almejados em 2018, só o tempo o dirá. Mas para já, em 2017, os astros parecem ter-se alinhado e, bafejado pela sorte, mas também em virtude da sua perspicácia e visão estratégica, é a figura do ano que chegou para querer ficar e vencer.
Acontecimento do ano - Início formal do Brexit com a ativação do Artigo 50.º TUE

Não só é o acontecimento do ano de 2017, mas um acontecimento sem precedentes para a União Europeia, cujos reais impactos estão ainda longe de se perceberem totalmente a médio e longo prazo para o projeto europeu, independentemente do desfecho ser um soft, um hard ou um no brexit. De facto, qualquer desfecho será sempre menos impactante do que o início do processo em si (29 de Março) que ocorreu pela primeira vez 70 anos depois da criação das primeiras comunidades europeias e numa europa alargada a quase 30 Estados-membros.

Logo uma semana depois de Theresa May ter acionado o artigo 50 do Tratado de Lisboa, os eurodeputados aprovaram com grande maioria uma resolução que confirma que as Instituições não aceitarão que um estatuto externo à União seja mais favorável do que o de membro da UE. Terá que ser claro, no entendimento da UE, que o Brexit sirva de “vacina” para outros Estados-membros da UE que sequer pensem em seguir o exemplo britânico e que quem define as regras são as instituições comunitárias e não os Estados dissidentes.

Embora os dois lados pareçam convergir para o pressuposto que “Brexit means Brexit”, ao longo destes meses, nas diferentes rondas de negociações promovidas, os progressos ficaram muito aquém do esperado de modo a fechar as negociações em outubro de 2018. Só com esse roteiro, alegam as Instituições, é que será possível dar tempo à discussão e aprovação pelo Parlamento Europeu de um eventual acordo e cumprir o deadline de 29 de Março de 2019, os dois anos previstos pelos Tratados. Significa por isso que falta pouco mais de um ano para negociar quer os contornos das relações bilaterais futuras entre as partes (acordo comercial? acesso ao mercado comum?), quer uma série de questões multilaterais que o Reino Unido tem permanentemente evitado, mas que constituem condições sine qua non para a evolução das negociações para o lado europeu (responsabilidades financeiras; o estatuto da Irlanda do Norte; os direitos dos cidadãos europeus no país e dos cidadãos britânicos na Europa).
Para além disso, o governo de Theresa May parece não ter uma posição comum e a equipa negocial de quase cem pessoas que se mantém em Bruxelas para o desenrolar das negociações parece não saber o rumo a tomar ou as linhas vermelhas que são ou não são aceitáveis.

Talvez em 2019, o Brexit volte a ser o acontecimento do ano. Nessa altura, se o tempo se esgotar sem acordo sobre o essencial, é verdade que os Estados-membros podem ainda unanimemente aceitar prorrogar o prazo negocial inicial de dois anos, mas só se e quando o Reino Unido o solicitar. Nesse cenário, em ano de eleições para o Parlamento Europeu e a dois anos de novas eleições gerais no Reino Unido, Theresa May ou estará mais fragilizada que nunca e arriscará pesadas ruturas no seu partido e opinião pública, ou nem sequer será a chefe do Governo Britânico. Enquanto isso, o projeto europeu como o conhecemos tem no Brexit a sua oportunidade para se reinventar mais uma vez, perante uma situação que deixa a descoberto a perda de confiança por parte dos cidadãos europeus em relação a uma Europa que se quer mais solidária e providente.
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