Violação usada para silenciar detidos iranianos após a morte de Mahsa Amini

por Rachel Mestre Mesquita - RTP
Dan Himbrechts - AAP Image via Reuters

Num relatório publicado esta quarta-feira, a Amnistia Internacional identifica 45 casos documentados de violência sexual usada contra 12 mulheres, 26 homens e sete menores "detidos arbitrariamente" como arma para silenciar a revolta iraniana pelas "Mulheres, Vida, Liberdade" que se seguiu à morte da jovem Mahsa Amini no ano passado.

A organização de defesa dos Direitos Humanos recolheu, entre janeiro e agosto de 2023, quarenta e cinco testemunhos arrepiantes de abusos sexuais cometidos contra ex-prisioneiros iranianos que foram “detidos arbitrariamente” na rua, nas suas casas ou locais de trabalho, sem mandado de captura, pelos serviços de informação e as forças de segurança, entre setembro e dezembro de 2022.
"Nunca pensei que as forças de segurança nos prendessem por tirar o véu islâmico em público e cantar" contou a jovem Maryam à Amnistia Internacional.

Maryam é uma das ex-prisioneiras iranianas que a organização conseguiu entrevistar a partir do Irão. A jovem relatou ter sido detida à força pelos Guardas Revolucionários quando as amigas e ela tinham "tirado o hijab em público e estavam a cantar" e posteriomente encarcerada num centro de detenção paramilitar, onde foi alvo de tortura durante dois meses.
"Dois agentes violaram-me - inclusive por via anal com uma garrafa. Nem os animais fazem este tipo de coisas. Eu era muito pequena em comparação com eles. Depois disso, perdi a consciência", explicou.

O relato de Maryam é um dos seis casos de sobrevivência dos 16 casos de violação coletiva que a Amnistia Internacional documentou em pormenor no relatório “Violaram-me violentamente”, publicado esta quarta-feira pela organização, depois de ter conversado com alguns ex-prisioneiros, os seus advogados ou familiares e ter acedido a relatórios médicos e fotografias que comprovam os testemunhos recolhidos. "Vocês são todas viciadas em pénis, por isso, divertimo-nos à grande. Não é isto que procuram com a libertação?, questionou um agente da autoridade iraniana enquanto violava uma das jovens.

Mas também Simin, Shirin, Fatemeh, Farzad e Shared foram vítimas de detenção forçada, tortura e maus-tratos, nomeadamente de violações coletivas e outras formas de violência sexual. Farzad contou à Amnistia Internacional que agentes à paisana o violaram em grupo, a ele e a Shahed, outro manifestante, numa carrinha das Forças Especiais da polícia iraniana, depois de se terem recusado a obedecer a uma ordem para que se despissem. "Obrigaram-nos a encarar as paredes do veículo e deram-nos choques eléctricos nas pernas (...) torturaram-me com bastões, murros e pontapés que me partiram o nariz e os dentes” disse Farshad.

No relatório são também identificados dez casos de violação por um único ator, de Kian, Farshad, Ahmad, Kamal, Mehdi Mohammadifard, Soheil, Zahra, Parisa e Zeynab, com recurso a violência extrema, utilizando objetos como mangueiras, bastões ou garrafas de vidro para violar as vítimas e provocar ferimentos graves.

Segundo o relatório, as violações e a violência sexual ocorreram "em centros de detenção e carrinhas da polícia, bem como em escolas ou edifícios residenciais ilegalmente utilizados como locais de detenção" por membros da Guarda Revolucionária iraniana, da força paramilitar Bassik e do Ministério iraniano dos Serviços Secretos.

"Até à data, as autoridades iranianas não acusaram nem processaram nenhum funcionário do Estado pelas violações e outras violências sexuais documentadas no relatório", declarou a organização de defesa dos Direitos Humanos.
Intimidar, punir e humilhar os manifestantes

A Amnistia Internacional considera que o objetivo desta tortura é “incutir o medo e infligir traumas duradouros” aos manifestantes iranianos, a fim de os dissuadir de participar em futuras manifestações ou em atos de resistência, como não usar o véu islâmico obrigatório em público, no caso das mulheres e raparigas.

Uma vez que após o período de detenção, a maioria das vítimas que sobrevive aos maus-tratos, elas acabam por sofrer traumas físicos e psicológicos como consequência da violência sofrida, resultando por vezes em tentativas de suicídio, explica a organização no seu relatório.

A Amnistia Internacional condena "o recurso, por parte das autoridades iranianas, à violação e a outras formas de violência sexual que equivalem à tortura e a outras formas de maus tratos" com o objetivo de "extrair confissões", intimidar, punir e humilhar os manifestantes da revolta “Mulheres, Vida, Liberdade” que saíram às ruas de todo o país, especialmente em Teerão, na sequência da morte da jovem iraniana Mahsa Amini em 2022.

Desde então que a organização de defesa dos Direitos Humanos constatou um “aumento alarmante” do recurso à violação e violência sexual na hora da detenção por parte das autoridades decididas a silenciar a revolta dos manifestantes iranianos e sobretudo das mulheres e raparigas.

Apesar dos quarenta e cinco casos apresentados no relatório divulgado esta quarta-feira, a Amnistia Internacional reconhece que o número de prisioneiras vítimas de abusos é muito superior ao relatado, dado o medo das represálias contra familiares que continua a silenciar algumas das vítimas libertadas.
pub