Vasco Cordeiro, presidente do Comité das Regiões Europeu, está preocupado com o futuro da Política de Coesão
Em fim de mandato como Presidente do Comité das Regiões Europeu - o que acontece este mês - Vasco Cordeiro diz que os autarcas estão unidos na defesa da Política de Coesão e recusam ser afastados das decisões sobre a aplicação dos fundos europeus no próximo Orçamento de longo prazo da União Europeia.
O ainda Presidente do Comité das Regiões diz que Portugal precisa dos Fundos de Coesão como qualquer outro país e que as alterações climáticas são um dos principais desafios das regiões e municípios da Europa.
Vasco Cordeiro admite ainda que a Comissão Europeia tem mostrado alguma resistência em ter um tratamento específico para com as Regiões Ultraperiféricas. Um mandato que reforçou o papel do Poder Local
Como analisa este mandato que agora está a terminar?
"Considero que foi um mandato muito rico, com eventos e situações extraordinárias que trouxeram, no fundo, desafios muito importantes".
"Parece-me que foi um mandato que permitiu salientar a razão de ser do Comité das Regiões, da necessidade de reforçar o seu papel de verdadeira assembleia política dos poderes subnacionais da União Europeia – sejam eles municípios, regiões, províncias, ou estados federados – consoante a terminologia que em cada país é utilizada".
"Foi um mandato que permitiu corresponder às exigências de um tempo extraordinário marcado desde logo pela guerra na Ucrânia. O Comité das Regiões liderou o processo de criação da Aliança Europeia das Regiões e das Cidades para a reconstrução da Ucrânia".
"Um mandato que permitiu que o Comité das Regiões se posicionasse como instituição de vanguarda naqueles que são temas que dizem muito as cidades como o futuro da Política de Coesão, por exemplo. Fomos a primeira Instituição Europeia a pronunciar-se formalmente sobre aquilo que esperamos que seja o futuro da Política de Coesão ao mesmo tempo que mantivemos a defesa e a evidenciação do papel absolutamente decisivo que as regiões e as cidades desempenham neste projeto, que é o projeto da União Europeia".
E o que é que ficou por fazer? O que é que gostaria que tivesse avançado mais neste seu mandato?
"Naturalmente que há sempre coisas que que gostaríamos de fazer avançar: uma maior concretização em algumas das áreas que referi, nomeadamente nesta componente externa de salientar o papel que, por todo o Mundo, os poderes subnacionais têm, as entidades subnacionais têm, na construção de progressos de desenvolvimento e de bem-estar social. Também algumas das componentes internas relativas ao próprio funcionamento do Comité".
"Mas, como lhe disse, o balanço que faço deste mandato é um balanço positivo e espero que no futuro o Comité continue a desempenhar o seu papel de ser a voz das regiões e das cidades da Europa", avançou Vasco Cordeiro.
O futuro da Política de Coesão. Sai com algumas dúvidas sobre o futuro da Política de Coesão?
x"Naturalmente que saio com expectativas em relação àquilo que deve ser o futuro da Política de Coesão, porque não tenho dúvida que a Política de Coesão é absolutamente essencial, é vital para o projeto da União Europeia. Pôr em causa a Política de Coesão é pôr em causa aquele que é um aspeto essencial de concretização, de prática tangível, deste projeto que se vê e que acontece nas ruas, nas cidades e nos municípios de cada Estado-Membro".
"Isto é feito através da Política de Coesão. É esta a política que consegue fazer com que a Europa aconteça a este nível, com o apoio não apenas a infraestruturas físicas – não me refiro apenas a isso – mas a um conjunto de outras ambições que mobilizam recursos europeus canalizados através da Política de Coesão".
"Mas pôr em causa a Política de Coesão é também pôr em causa, no fundo, aquilo que é a ideia de uma Europa que não deixa ninguém para trás, que não deve deixar ninguém para trás".
"Eu tenho dito – e hei de reafirmá-lo sempre – que todo este debate à volta da Política de Coesão, toda esta luta – em que eu próprio como presidente do Comité das Regiões me envolvi e na qual o Comité das Regiões se tem envolvido – mais do que relativa ao papel das regiões e das cidades, está relacionada com a ideia de União Europeia que nós queremos, que nós defendemos e que nós não aceitamos que seja colocada em risco".
"Essa Europa que não é feita entre Bruxelas e cada uma das capitais dos Estados-Membros, mas que é feita em cada rua, em cada cidade, em cada vila, em cada região da União Europeia".
E sentiu a união dos autarcas quando foi apresentado aquele eventual projeto da Comissão Europeia que apontava para que fossem afastados das decisões em relação à Política de Coesão no próximo Quadro Financeiro Plurianual?
"Eu acho que ainda hoje se sucedem as tomadas de posição, seja de instituições representativas, seja de municípios e de regiões, seja de grupos de regiões e de cidades. Ainda hoje se sucedem as tomadas de posição sobre essa matéria".
"E é curioso notar que, até mesmo pelos protagonistas dessas tomadas de posição, se torna muito claro que a Política de Coesão diz respeito a todas as regiões da Europa".
"Não é uma política de caridade, não é uma política para apenas as ajudar as regiões mais desfavorecidas. Não. É uma política que habilita as regiões e as cidades – obviamente com elegibilidades diferentes, com mecanismos e instrumentos financeiros de apoio diferentes – mas que ajuda as regiões e as cidades a vencerem os grandes desafios com que estão confrontadas, sejam eles os da transição digital, os da transição energética ou aqueles que têm a ver com a qualificação de recursos humanos".
"Para responder de forma sucinta à sua pergunta: sim, sinto que esse apelo foi ouvido. Esse apelo foi ouvido também pelas Instituições Europeias com aquilo que reconheço ser um esforço para esclarecer esta questão. Vamos ver agora como é que todas essas declarações, talvez umas mais pias do que as outras, se traduzem na prática quando virmos – em meados do próximo ano – aquelas que serão as propostas de Orçamento para os próximos anos e até de configuração da forma de execução desse Orçamento".
Portugal ainda é um país que precisa das políticas de Coesão? Pelo que pôde conhecer, percebeu se Portugal é muito diferente de outros países nas diferenças internas que tem?
"Portugal precisa, como toda a Europa precisa. Eu gostava de salientar reforçar esta ideia: a Política de Coesão não é uma política destinada às regiões mais desfavorecidas. Uma região na Alemanha ou a Áustria, por exemplo, que em virtude do seu perfil de produção de energia, esteja numa fase de transição, pois naturalmente que recorre aos fundos da Política de Coesão para fazer essa transição. Isso tem acontecido e continuará a acontecer".
"Portanto, Portugal precisa como todos os países da União Europeia necessitam da Política de Coesão. Como todas as regiões e as cidades da União Europeia necessitam da política da Política de Coesão".
Em que áreas é que Portugal pode beneficiar mais desta Política de Coesão?
"Naturalmente que, desde logo, é o governo português, são os governos locais e são aos governos regionais que têm a prerrogativa de definir essas áreas".
"Eu preferia centrar-me em alguns aspetos que são instrumentais para que o país, ou os países e as regiões, possam ter essa prerrogativa, ou seja, aquelas que nós consideramos ser as regras de ouro do futuro da Política de Coesão: ser uma política que se alicerça na sua execução, numa parceria entre diferentes níveis de governação; uma política que deve estar acessível para todas as regiões da Europa com uma aposta em investimentos estruturantes de longo prazo. Estes são alguns aspetos que julgo importantes para que então, a partir daí, cada país, cada região possa ter essa prerrogativa de definir as áreas setoriais em que entende aplicar esses recursos".
E o facto de Portugal ainda não ter regiões administrativas, como outros Estados-Membros da União Europeia, de alguma forma prejudica o facto de poder aceder a esses fundos ou, na prática, isso não se nota quando se fala de fundos europeus?
"Essa leitura deve partir, em primeiro lugar, dos Estados-Membros. Não é condição, para se ter uma boa execução, que isso tenha que acontecer desde que a realidade ou a referência territorial, a referência espacial, seja tida na devida conta nessa planificação".
"Agora, obviamente que a existência de órgãos representativos de comunidades territoriais, de comunidades locais, de comunidades municipais ou de comunidades regionais torna muito mais fácil o processo de participação e o processo de integração, da perspetiva dessas entidades, naquilo que deve ser o planeamento global".
Esteve na COP 29, a representar o Comité das Regiões. As alterações climáticas são o grande tema também para as regiões com todas as tragédias e catástrofes que temos assistido?
"Julgo que é uma evidência o papel que os poderes subnacionais desempenham nessa componente. Aliás, no âmbito do relatório sobre o Estado das Regiões e das Cidades, que foi apresentado pelo Comité das Regiões há cerca de um mês, há um dado que é particularmente relevante: em cada 10 euros que na Europa são investidos em questões relativas às alterações climáticas, 8 são investidos por entidades locais e regionais. Isto dá bem nota daquela que é a importância e o trabalho que as regiões e as cidades, que as entidades subnacionais têm nesta transição".
"Há algumas questões que são, obviamente, ainda questões em aberto.Um dos aspetos centrais desta COP 29 foi também a questão do financiamento. Neste ponto aquilo que em diversas intervenções tive a oportunidade de salientar, como presidente do Comité das Regiões, foi exatamente a necessidade de não se esquecer que, com esta capacidade e com este histórico, as regiões e as cidades devem ter acesso a esse financiamento de forma a poderem concretizar aqueles que são investimentos que evitam tragédias, que evitam situações que nos afetam todos.E não apenas no que se refere às infraestruturas, porque, muitas das vezes, estamos também a falar da perda de vidas humanas".
Até porque há um estudo do Comité das Regiões que diz que Portugal seria um dos países mais prejudicados, ao nível do turismo, com o aumento global das temperaturas. Esse aumento, sobretudo a sul da Europa, poderia fazer com que os turistas avançassem mais para Norte e Portugal perderia visitantes.
"A Europa é um dos continentes que mais tem evidenciado as questões relativas ao aquecimento e é natural que, pela oposição do nosso país, esse seja um dos aspetos que é central na abordagem e nas consequências que isso pode ter".
Terminemos com as Regiões Ultraperiféricas, porque sei certamente que é e será uma das suas grandes preocupações. Há um papel para específico para estas regiões também nesta Europa unida?
"Há claramente. As Regiões Ultraperiféricas representam um dos grandes ativos que a União Europeia tem sobretudo pela presença e projeção que permitem em vários espaços da realidade da União Europeia. O problema está nos detalhes, muitas das vezes, e este é um desses casos".
"Julgo que há ainda muita resistência por parte das Instituições Europeias, nomeadamente da Comissão Europeia, em estabelecer um tratamento específico que tenha em conta aqueles que são handicaps naturais destas regiões, muito embora deva reconhecer, obviamente, que o trabalho que tem sido feito com a criação de estratégias específicas para as RUP é um trabalho positivo".
"Mas também é verdade que a recente sentença do Tribunal de Justiça da União Europeia que considera que o artigo que estabelece a situação específica das Regiões Ultraperiféricas é base suficiente e autónoma para justificar as medidas que sejam tomadas para as diferenciar, não tem sido muito utilizado, para ser generoso na apreciação".
"Há um potencial muito grande com que essas regiões podem contribuir para a União Europeia. Esperamos também que, no futuro, esse possa ser um caminho trilhado com cada vez mais intensidade e com resultados práticos para as Regiões Ultraperiféricas e para a Europa".