Variante Delta provoca aumento de infeções e ameaça imunidade de grupo, avisam especialistas

por Inês Moreira Santos - RTP
Dan Peled - EPA

Inicialmente, pensava-se que as pessoas já vacinadas que eram posteriormente infetadas teriam níveis baixos do SARS-CoV-2. Mas um novo estudo, divulgado na passada sexta-feira, concluiu que as pessoas vacinadas podem ser portadoras da mesma quantidade de vírus, quando infetadas pela variante Delta, que as não vacinadas. Esta estirpe, mais transmissível, tem conseguido espalhar-se até mesmo em países com programas rigorosos de combate à Covid-19 e a sua disseminação pode revelar-se um obstáculo à retoma da normalidade e à meta da "imunidade de grupo".

As pessoas já vacinadas e infetadas com a variante Delta podem transmitir o SARS-CoV-2 com a mesma facilidade e rapidez que as pessoas não vacinadas, de acordo com um estudo realizado pelo Centro para o Controlo e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla original). Segundo o documento obtido pela imprensa norte-americana, esta estirpe inicialmente detetada na Índia é tão contagiosa como a varicela e mais transmissível do que os vírus do MERS, SARS, Ébola, gripe sazonal e varíola.

A mesma investigação descobriu que a carga viral de uma pessoa infetada com a variante Delta é mil vezes superior à de uma pessoa infetada com a variante original do vírus e que os pacientes infetados com esta estirpe têm ainda mais probabilidade de desenvolver doenças graves. Devido a estas recentes conclusões, o CDC recomendou que mesmo as pessoas vacinadas usem máscaras em espaços fechados e em locais públicos.

"Não conseguimos evitar a variante Delta. Não é possível. Por isso temos uma opção: é vacinar-se ou não", avisou também na semana passada o médico Christopher Thomas, do Centro Médico Regional Nossa Senhora do Lago em Baton Rouge, no Estado da Louisiana, em entrevista à CNN.

"Os estudos estão a mostrar-nos, se não formos vacinados, o resultado é pior", continuou o médico intensivista. "Se virmos os nossos pacientes nos Cuidados Intensivos esta manhã, 97 por cento não foram vacinados e a idade média é 48 anos".

O pior, segundo o especialista norte-americado, é que o novo aumento de hospitalizações de doentes covid está a afetar todo o sistema de saúde. Christopher Thomas afirmou que no hospital onde trabalha havia, na sexta-feira, mais de 50 pacientes em unidades de cuidados intensivos, com 18 doentes ainda nas urgências por não haver mais meios para os internar.

"Estamos a internar um paciente Covid por hora. Ora, um por hora. Isso significa que os outros pacientes que precisam de cuidados estão a ser afetados. Estamos à beira de um penhasco. Não vejo um fim à vista", alertou.

E continuou, em modo de aviso: "Estamos a tornar-nos nas vítimas dos não vacinados a este ritmo. Atualmente, estamos a sobrecarregar a nossa capacidade de internamento. Estamos a gerar burnout aos nossos profissionais. E, honestamente, estamos a começara a afetar o restante do sistema de saúde da comunidade".

O estudo do CDC baseou-se em cerca de 470 casos de infeções ligados às festividades em Provincetown, que incluíram eventos com muitas pessoas, em espaços fechados e abertos, em bares, restaurantes, casas de aluguer e outras habitações. Os investigadores fizeram testes a parte deste universo e encontraram sensivelmente o mesmo nível de vírus nas pessoas que foram vacinadas e nas outras.

Três quartos das infeções foram em pessoas totalmente vacinadas. Entre os que tinham todas as doses da vacina, cerca de 80 por cento apresentavam sintomas, como tosse, dor de cabeça, febre, dores de garganta e dores musculares.
China em alerta com disseminação de variante Delta

Nas últimas duas semanas foram confirmados mais de 300 casos de Covid-19 na China. O que se pensava ser um surto localizado começou a espalhar-se por várias zonas do país e as autoridades chinesas receiam a disseminação da variante Delta, mais contagiosa.

Os órgãos de comunicação chineses expressam "preocupação quanto à vulnerabilidade do país" a enfrentar estes novos surtos, avança a BBC.

Também o principal especialista em doenças respiratórias da China, Zhong Nanshan, expressou grande preocupação com o último surto de Covid-19 em Zhangjiajie, no centro da China, um destino turístico de renome mundial na província de Hunan, onde já foram identificados pelo menos oito casos de infeção após um evento público que reuniu mais de 2.000 pessoas.

Entretanto, o governo chinês impôs novas restrições a viagens internacionais e começou a testar massivamente.

Os receios aumentam uma vez que não se sabe ao certo quantas pessoas na China estão totalmente vacinadas, embora as autoridades afirmem que já foram administradas mais de 1,6 mil milhões de doses de vacinas contra a Covid-19.

Até esta segunda-feira, um total de 15 províncias e municípios já confirmaram novos casos, dos quais 12 estão ligados a um surto que começou em Nanjing, na província de Jiangsu oriental da China. As autoridades consideram que este novo pico de infeções está relacionado com a propagação da variante Delta e a temporada de turismo interno.

Embora o número de casos seja consideravelmente menor do que em outros países, este já é considerado o maior surto em meses na China, tendo também atingido Pequim e Wuhan (a cidade onde a infeção provocada pelo coronavírus surgiu pela primeira vez).

No entanto, estes recentes surtos levantaram ainda outra preocupação: parte dos novos infetados eram pessoas já vacinadas.
"As coisas vão piorar"

Nos Estados Unidos as infeções estão a disparar novamente, principalmente devido à variante Delta. Mas Anthony Fauci garante que o país não vai voltar a confinar.

"Penso que não vamos ter confinamentos. Temos uma percentagem suficiente de pessoas vacinadas para que não tenhamos de voltar à situação do inverno passado", afirmou o principal conselheiro médico do Presidente Joe Biden para a pandemia, numa entrevista ao programa "This Week", da estação televisiva ABC.

Contudo, o imunologista lamentou que o número de pessoas vacinadas não seja "suficiente para esmagar o surto" e reiterou o apelo das autoridades norte-americanas para os cerca de 100 milhões de pessoas em condições de aceder às vacinas contra a covid-19 para o fazerem.

"As coisas vão piorar"
, avisou o diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas, que citou o aumento do número de casos na última semana.

Já na semana passada, Joe Biden recordou que com "a liberdade" do alívio de restrições "vem a responsabilidade".

"Então, por favor, atuem de forma responsável. Vacinem-se por vocês, pelas pessoas que vocês amam, pelo seu país".

Os esforços e os apelos à vacinação no país têm aumentado com os vacinados a protestarem por quererem retomar a normalidade e os não vacinados a continuarem a recusar qualquer vacina.

"São as pessoas não vacinadas que nos estão a dececionar", afirmou a governadora republicana do Alabama, Kay Ivey, na semana passada numa conferência de imprensa. "Essas pessoas estão a escolher um estilo de vida horrível de dor autoinfligida".
Não vacinados ameaçam imunidade de grupo
Mas não é apenas nos EUA que as autoridades continuam preocupadas com a existência de não vacinados e a apelar à vacinação da população para se alcançar a imunidade de grupo.

No Reino Unido, por exemplo, o Governo está a oferecer descontos em aplicações na entrega de comida ou na utilização de táxis como forma de incentivo para promover a vacinação entre os mais jovens.

Numa nota de imprensa, o ministro britânico da Saúde incentivou as pessoas entre os 18 e os 29 anos, mais relutantes em se vacinarem, a "aproveitarem esses descontos" e lembrou que a vacina contra a covid-19 não só os protege a eles e os seus familiares, como permitirá que "voltem a fazer muitas das coisas" que foram retiradas.

De acordo com o comunicado, aplicações de táxi, Uber e Bolt oferecerão descontos nos serviços ou até passagens gratuitas para os postos de vacinação, enquanto os jovens poderão comprar comida a preço reduzido no Deliveroo, Uber Eats ou Pizza Pilgrim. O Ministério da Saúde acrescentou ainda que, nos próximos dias, serão revelados mais incentivos que podem incluir descontos em restaurantes ou entradas mais baratas em cinemas, teatros ou festivais de música.

Já em França, o chefe do organismo responsável por aconselhar o Governo sobre a estratégia de vacinação anticovid-19 admitiu que alcançar a imunidade de grupo em França só será possível no início do outono, com 90 por cento da população vacinada, mas que ainda é necessário "convencer" os que "ainda não foram vacinados".

A imunidade de grupo "é uma possibilidade para o início do outono", garantiu o professor de imunologia Alain Ficher, em entrevista à rádio RTL, citada pela agência France-Presse, acrescentando que essa meta será atingida quando 90 por cento da população com mais de 12 anos estiver vacinada ou protegida por ter sido infetada com o vírus SARS-CoV-2.

Embora o processo de vacinação francês esteja a "progredir muito rapidamente", o especialista lembrou que é necessário "acabar de convencer aqueles que, de momento, ainda não foram vacinados".

Em França, quase 53 por cento da população tem atualmente a vacinação completa, segundo dados oficiais. Paralelamente, o número de pessoas hospitalizadas por terem sido contaminadas tem vindo a aumentar nos últimos dias, devido à elevada transmissibilidade da variante Delta do coronavírus.

"Quase metade das pessoas hospitalizadas em cuidados intensivos têm menos de 60 anos, o que não era o caso no início da epidemia, porque menos pessoas com menos de 60 anos foram vacinadas", disse Alain Fischer.

A questão que os especilistas colocam, atualmente, é que a percentagem de população necessária para atingir a imunidade de grupo depende da capacidade infecciosa do vírus e de proteção das vacinas às novas variantes. E, como refere o El País, sendo as novas variantes do SARS-CoV-2 cada vez mais infecciosas, a imunidade de grupo pode já não ser possível alcançar com apenas 70 por cento da população vacinada, como estimado inicialmente

Embora não se saiba exatamente qual a percentagem necessária, os especialistas estimam que seja cerca de 90 por cento - número que não pode ser alcançado sem vacinar crianças a partir dos 12 anos.
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