Um primeiro passo de normalização. Príncipe herdeiro saudita visita a Turquia antes de receber Joe Biden
O líder saudita está reunido esta terça-feira com o presidente egípcio, Abdel Fattah el-Sisi, antes de seguir para a Jordânia e Turquia. A viagem acontece semanas antes da primeira deslocação de Joe Biden ao Médio Oriente desde que assumiu a Presidência dos Estados Unidos. O presidente norte-americano vai visitar Israel, a Cisjordânia ocupada e a Arábia Saudita entre os dias 13 e 16 de julho. Estas deslocações, separadas por poucas semanas, marcam a reaproximação de Ancara e Washington à coroa saudita menos de quatro anos após o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi.
O jornalista saudita que vivia nos Estados Unidos, colunista do Washington Post, foi assassinado no consulado da Arábia Saudita em Istambul a 2 de outubro de 2018. De acordo com um relatório dos serviços de informações norte-americanos (CIA) revelado em fevereiro de 2021, Mohammed bin Salman deu luz verde ao assassínio de Jamal Khashoggi, um ilustre crítico da liderança saudita.
"Chegámos à conclusão de que o príncipe herdeiro da Arábia Saudita validou uma operação em Istambul para capturar ou matar o jornalista saudita Jamal Khashoggi", escrevia então a direção da CIA, já sob a liderança da Administração Biden.
"O príncipe herdeiro considerou Khashoggi uma ameaça para o reino e apoiou totalmente o uso de medidas violentas, caso fosse necessário, para o silenciar", acrescentava-se no documento.
Na altura, era esperado que a divulgação deste relatório resultasse na responsabilização direta de MBS pela Turquia e pelo recém-eleito presidente norte-americano, Joe Biden. No entanto, mais de um ano depois, a situação é diametralmente oposta.
No poder desde 2003, Recep Tayyip Erdogan manteve desde sempre uma relação distante com a Arábia Saudita e que só piorou em 2011 com o apoio de Ancara aos protestos da Primavera Árabe. Por isso, quando Jamal Khashoggi foi assassinado na cidade de Istambul, em 2018, dentro do consulado saudita naquela cidade, a Turquia não hesitou em apontar o dedo a Riade.
À época, Ancara culpabilizou diretamente o Governo saudita e processou 26 cidadãos sauditas, acusando-os de matar e de fazer desaparecer o corpo do jornalista de 56 anos. No entanto, menos de quatro anos depois, a Justiça turca resolveu encerrar o caso em abril último e transferir o processo para a Arábia Saudita.
Entretanto, num primeiro passo para o restabelecimento das relações, o presidente Erdogan visitou a Arábia Saudita logo no final de abril, tendo sido recebido como convidado oficial do rei saudita Salman bin Abdulaziz al-Saud. Nesta viagem, o presidente turco também esteve reunido com o príncipe herdeiro.
A economia e a invasão russa da Ucrânia
Para a oposição turca, o contexto económico motivou esta mudança radical de posição. O descontentamento popular face à generalizada subida de preços - sentida sobretudo na alimentação e energia - preocupa nesta altura a cúpula de liderança turca, quando falta cerca um ano para as eleições presidenciais de 2023.
A pressão da crise económica e energética também chega ao outro lado do Atlântico e será também essa a razão que leva a Administração Biden a um completo volte-face. O presidente norte-americano enfrenta os constrangimentos domésticos e internacionais com a subida dos preços da energia e a inflação galopante, ambos agravados pela invasão russa da Ucrânia, em fevereiro.
“Ambos os lados decidiram que, para alcançar a paz e a estabilidade no Médio Oriente, temos de superar isto”, afirmou um alto responsável dos Estados Unidos à CNN, referindo-se ao assassinato de Jamal Khashoggi.
Antes do périplo de Joe Biden em julho, o príncipe herdeiro saudita viaja por estes dias até ao Egito, seguindo depois para a Jordânia e Turquia, onde irá por fim retribuir a visita de Erdogan.
"Vamos receber o príncipe herdeiro na quarta-feira em Kulliye (palácio presidencial turco em Ancara). Será uma oportunidade de avaliar até onde podemos levar as relações entre a Turquia e a Arábia Saudita”, disse na semana passada o chefe de Estado turco aos jornalistas.
Ainda no Cairo, Mohammed bin Salman e o presidente egípcio, Abdel Fattah el-Sisi, assinaram esta terça-feira um total de 14 acordos no valor de 7,7 mil milhões de dólares, segundo confirmou o ministro saudita do Comércio, Majid al-Qasabi.
Desde o início da invasão russa da Ucrânia, a Arábia Saudita, o Qatar e os Emirados Árabes Unidos comprometeram-se a disponibilizar apoios à economia egípcia até 22 mil milhões de dólares.
Dentro de pouco mais de três semanas, será a vez do primeiro périplo de Joe Biden pelo Médio Oriente desde que assumiu a presidência dos Estados Unidos. O inquilino da Casa Branca irá iniciar a viagem em Israel e na Cisjordânia ocupada, partindo depois para a Arábia Saudita, onde irá reunir com MBS.
Não obstante as duras palavras que dirigiu ao príncipe saudita por ocasião do assassinato de Khashoggi e as recentes conclusões apresentadas pela CIA, espera-se que Joe Biden procure garantir um novo impulso na produção de petróleo em Riade, o que poderá possibilitar um alívio perante os crescentes custos de energia, estimulados pela invasão russa da Ucrânia.
Numa clara demonstração da realpolitik desta Administração norte-americana, quando faltam poucos meses para as eleições intercalares de novembro, é esperado que Joe Biden reúna diretamente com o príncipe saudita, depois de a Casa Branca ter adiantado, no ano passado, que o Presidente apenas negociaria com o rei Salman.
Em declarações citadas pela Al Jazeera, um funcionário norte-americano que falou aos jornalistas sob condição de anonimato, rejeitou que Joe Biden esteja a afastar-se dos seus princípios morais ao falar com MBS.
“A política dos Estados Unidos exigiu uma recalibração de relações [após o assassinato de Khashoggi], não uma rutura”, afirmou.
“A Arábia Saudita é um parceiro estratégico dos Estados Unidos há oito décadas. Compartilhamos uma série de interesses, desde a contenção do Irão, a luta contra o terrorismo e a proteção de um território onde 70 mil americanos vivem e trabalham”, afirmou ainda.
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