Um ano de guerra na Ucrânia. Putin acusa Ocidente de querer eliminar Rússia

por Inês Moreira Santos - RTP
"As elites do Ocidente não escondem o seu objetivo: infligir uma derrota estratégica à Rússia, ou seja, acabar connosco de uma vez por todas" Maxim Blinov - Sputnik via EPA

Num discurso sobre o estado da nação, a campanha militar na Ucrânia e a situação internacional, o presidente russo acusou esta terça-feira o Ocidente de querer impor à Rússia uma "derrota estratégica" e acabar com o país "de uma vez por todas". Dirigindo-se ao povo russo e à comunidade internacional, Vladimir Putin garantiu ainda que Moscovo irá alcançar os seus objetivos na Ucrânia "passo a passo", embora tenha admitido que o país vive um momento "difícil".

Foi o primeiro discurso do presidente russo sobre o estado da nação em quase dois anos e aconteceu três dias antes de ser assinalado o primeiro aniversário da ofensiva militar russa na Ucrânia, iniciada na madrugada de 24 de fevereiro de 2022.

"É um momento histórico para o nosso povo", começou por dizer.

"Todos nós temos muita responsabilidade. Há um ano, para defendermos os nossos territórios históricos, para podermos defender o nosso país, para a liquidação dos perigos que vinham do regime neonazi da Ucrânia e depois do que aconteceu em 2014, foi tomada a decisão de começar uma operação especial na Ucrânia”.

Para garantir a segurança da Rússia, "eliminar a ameaça representada pelo regime neonazi que surgiu na Ucrânia após o golpe de 2014, foi decidido realizar uma operação militar especial", explicou ainda o chefe de Estado.
Putin anunciou que Moscovo suspende a participação no New START, o derradeiro tratado para o controlo do armamento nuclear com os Estados Unidos.
Recordando o início do conflito, há quase um ano, Putin frisou que, desde 2014, "o Donbass lutou e defendeu o direito de viver na sua terra e falar a sua língua", tendo acreditado sempre que "a Rússia iria ajudar”.

“Fizemos todos os possíveis para que este problema fosse resolvido de forma normal e cívica", comentou. "Mas nas nossas costas estava a ser preparado outro tipo de cenário: o Ocidente estava a prometer coisas diferentes e tinha outros ideais para o Donbass. Pelo que vimos, isto tornou-se uma mentira perigosa”.

Putin acusou então o Ocidente de “fechar os olhos aos homicídios políticos da repressão do regime de Kiev” e de dar “apoio aos neonazis” para fazer “terrorismo no Donbass”.

“Até ao início da operação especial, nós tentámos falar com o Ocidente e com Kiev. Mas eles combinaram trazer vários tipos de armamento para combater connosco, para nos atacar”, acusou o presidente da Rússia.
O regime de Kiev, segundo Putin, "tentou obter armas nucleares e admitiram-no publicamente".

"E quero enfatizar que, mesmo antes do início da operação militar especial, Kiev estava a negociar com o Ocidente o fornecimento de sistemas de defesa aérea, aeronaves de combate e outros equipamentos pesados para a Ucrânia", alegou, enquanto acusava, novamente, a Ucrânia de ter tentado "adquirir armas nucleares".Além disso, o Kremlin acusa os Estados Unidos e a NATO de tentarem "posicionar as suas bases militares" nas fronteiras russas e estabelecer "laboratórios biológicos secretos".

"Estavam a tentar preparar um ataque em conjunto com Kiev e a preparar a Ucrânia para uma grande guerra”, acusou o presidente.

Vladimir Putin acusou tanto os EUA como o G7 de fornecerem armamento à Ucrânia e afirmou: “Foram eles que desencadearam a guerra”.

"E hoje eles admitem isso publicamente, sem hesitar. Parecem estar orgulhosos, revelando-se na sua traição, chamando os Acordos de Minsk (de paz) e o formato da Normandia de desempenho diplomático, um farol", denunciou.

Putin sustentou que o Ocidente jogava "com cartas marcadas". O presidente russo enfatizou estar a falar aos russos, esta terça-feira, "num momento difícil, um momento histórico para o país, um momento de mudanças cardeais e irreversíveis em todo o mundo".

Estes são, disse, “os acontecimentos históricos mais importantes que determinam o futuro do nosso país e do nosso povo, quando cada um de nós tem uma grande responsabilidade”.
Putin acusa Ocidente de "querer acabar" com a Rússia
Num discurso de mais de hora e meia, Vladimir Putin acusou ainda o Ocidente de querer impor à Rússia uma "derrota estratégica" na Ucrânia e acabar com o país "de uma vez por todas".

"[Eles] querem acabar com ela [com a Rússia] de uma vez e para sempre", disse Putin às duas câmaras do Parlamento.
"As elites do Ocidente não escondem o seu objetivo: infligir uma derrota estratégica à Rússia, ou seja, acabar connosco de uma vez por todas”.
"A responsabilidade pelo fomento do conflito ucraniano e das suas vítimas (...) recai totalmente sobre as elites ocidentais"
, continuou, repetindo a tese segundo a qual o Ocidente apoia as forças neonazis na Ucrânia para consolidar uma campanha antirrussa.

“Hoje admitem isso publicamente, de forma aberta. Não têm vergonha. Têm orgulho do que fizeram”.

O Ocidente, na visão de Putin, tornou-se um símbolo de mentira e falsidade.

Perante uma plateia composta pela elite política russa e dos militares que combateram na Ucrânia, o chefe de Estado agradeceu "a todo o povo russo pela sua coragem e determinação".

“Estamos a lutar pelos nossos interesses e pela nossa posição. Não pode haver uma divisão, no mundo atual, entre países desenvolvidos e os outros. Temos de estar juntos e esquecer as agressões".

De acordo com Putin, Moscovo estava prontA "para um diálogo construtivo com o Ocidente".

"Falámos e pedimos para que a Europa e o resto do mundo fossem iguais(…) Como resposta recebemos uma reação falsa (…) e o alargamento da NATO para as nossas fronteiras”.

Em dezembro de 2021, a Rússia apresentou à NATO e aos EUA “alguns projetos de paz” que foram “recusados”.

“Ficou claro que só podíamos resolver isto de forma agressiva e eles têm a mesma opinião e não querem parar”, declarou então.

“Foram eles que começaram a guerra e nós estamos a tentar parar a guerra. Nós defendemos as vidas das pessoas, a nossa própria casa. O Ocidente só quer poder”.

Para o Ocidente, acusou, é importante "lutar contra a Rússia". Mas Vladimir Putin garante que Moscovo não está "em guerra com o povo da Ucrânia".

“Tenho medo de dizer isto, mas é um facto: a responsabilidade do conflito e o aumento de vítimas é completamente do Ocidente e do atual regime de Kiev, que não quer saber do povo da Ucrânia”.

Ocidente arma Ucrânia, Rússia defende-se
Condenando o apoio do Ocidente à Ucrânia e frisando que foram os países ocidentais que desencadearam a guerra, Vladimir Putin deixou um alerta: "Quanto mais munições derem à Ucrânia, mais agressivos teremos de ser para defender o nosso país e os nossos interesses”.

“O Ocidente quer transformar um conflito local num conflito global”
, acusou também.

E referindo-se às sanções internacionais que atingem a Rússia, Putin considerou que o Ocidente "não conseguiu nada e não conseguirá nada", enquanto a economia russa tem resistido melhor do que o previsto pelos especialistas.

“Querem obrigar o povo russo a sofrer. Mas falharam porque a economia russa é muito mais forte do que o Ocidente pensava”, assegurou.

“Garantimos a estabilidade da situação económica, protegemos os cidadãos”, observou, acreditando que o Ocidente não conseguiu “desestabilizar a sociedade” russa.

Vladimir Putin acusou também o Ocidente de fazer da pedofilia "a norma".

"Vejam o que eles estão a fazer com o seu próprio povo: a destruição de famílias, identidades culturais e nacionais, perversão e abuso infantil, até pedofilia, são declarados a norma (...) e os padres são obrigados a abençoar os casamentos entre homossexuais", disse.
"Traidores" devem ser perseguidos
O presidente russo defendeu também que “os traidores” da Rússia devem ser perseguidos e levados à Justiça, num apelo a que seja aumentada a repressão aos opositores do Kremlin e do conflito na Ucrânia.

“Aqueles que optaram por trair a Rússia devem ser responsabilizados perante a lei”, afirmou Putin.

Garantindo que o objetivo não é fazer uma “caça às bruxas”, Vladimir Putin considerou que as vozes críticas da presidência e da guerra devem ser enfrentar detenções e pesadas sentenças de prisão.

Segundo anunciou, serão introduzidas tecnologias mais modernas na produção de armas e exortou os fabricantes de armamento a garantir a sua “produção em massa”.

“Vamos introduzir ativamente tecnologias mais avançadas que garantirão o aumento do potencial qualitativo do Exército e da Marinha”, afirmou o número um do Kremlin, acrescentando que os protótipos que já existem nos vários braços das Forças Armadas “excedem os seus análogos estrangeiros”.

O nível do equipamento das forças russas relativamente a armas nucleares modernas, é 91 por cento superior ao do Ocidente.

“Temos um plano de desenvolvimento das Forças Armadas e os nossos passos futuros devem ser baseados na experiência real de combate, que não tem preço”, acrescentou.

“Sabemos que o Ocidente tem uma ligação a Kiev e que quer atacar as nossas bases militares. Os drones foram equipados com ajuda dos especialistas da NATO e agora querem verificar os nossos objetos de defesa. Isto é uma loucura”.

O Ocidente e a NATO “estão contra a Rússia” e “querem atacar estrategicamente” o país. Além disso, o presidente russo acredita que a “NATO tem armas nucleares”

Em tom de conclusão, Putin afirmou que a Rússia vai “responder a qualquer tipo de pedido”, porque “é um país” grande.

“A verdade é nossa”, concluiu o chefe de Estado da Rússia.

O Kremlin não permitiu que meios de comunicação social de países considerados como “inimigos” obtivessem acreditação para fazer a cobertura mediática do discurso, esta terça-feira. O dia escolhido para o discurso coincide com a data em que Vladimir Putin assinou o reconhecimento da independência das repúblicas separatistas de Lugansk e de Donetsk, na região do Donbass (leste ucraniano).

Nesse mesmo dia, 21 de fevereiro de 2022, Putin ordenou a mobilização do Exército russo para “manutenção da paz” nos territórios separatistas pró-russos no leste da Ucrânia, um prelúdio para o início da ofensiva militar contra a Ucrânia que aconteceria poucos dias depois.

c/ agências
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