A Ucrânia tem vindo a reiterar o seu interesse em integrar a União Europeia. Na segunda-feira, o presidente Volodymyr Zelensky assinou um pedido formal de adesão, onde exige a “entrada imediata da Ucrânia”. Mas o processo é complexo e demorado, podendo arrastar-se durante décadas. Embora alguns países e dirigentes da UE tenham vindo a demonstrar abertura à entrada de Kiev no bloco europeu, os 27 parecem estar divididos e não são feitas promessas.
A adesão à UE é um objetivo de longa data para a Ucrânia, mas só na segunda-feira o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, assinou o pedido formal para a entrada do país na União Europeia (UE), apelando à “adesão imediata da Ucrânia através de um novo procedimento especial”.
Na terça-feira, Zelensky voltou a reiterar o seu pedido perante o Parlamento Europeu, exortando a União Europeia a demonstrar que não vai largar Kiev. "Demonstrem-nos que estão connosco. Demonstrem-nos que não nos vão largar", apelou o presidente ucraniano.
O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, têm demonstrado que são a favor da entrada da Ucrânia no bloco europeu, mas não fazem promessas. Von der Leyen disse na segunda-feira que o lugar da Ucrânia “é connosco” na União Europeia, mas acrescentou que isso seria feito “com tempo”, sugerindo que a entrada não será imediata.
De facto, a própria UE é bastante clara no seu site: “Tornar-se membro da UE é um procedimento complexo e não acontece da noite para o dia”. O estatuto de candidato a membro da União Europeia é complexo e até ao início das negociações podem passar anos, mesmo décadas, como acontece por exemplo com a Turquia, que pediu adesão em 2005 e permanece até hoje à espera de ver concretizado esse desejo.
Quais são os critérios para a entrada na UE?
A demora no processo acontece, sobretudo, porque um país precisa, em primeiro lugar, de cumprir uma série de critérios para entrar na UE. Estes critérios foram definidos no Conselho Europeu de Copenhaga em 1993 e são, por isso, conhecidos por “critérios de Copenhaga”.
Desta forma, a UE estipula que um país precisa de ter “instituições estáveis que garantem a democracia, o Estado de direito, os direitos humanos e o respeito e proteção das minorias; uma economia de mercado funcional e capacidade para fazer face à concorrência e às forças do mercado na UE; a capacidade de assumir e implementar eficazmente as obrigações da adesão, incluindo a adesão aos objetivos da união política, económica e monetária”. O processo de entrada na UE está dividido em quatro etapas fundamentais: apresentação do pedido de adesão, candidatura, negociações e adesão.
Um país que pretenda entrar para a UE terá de apresentar um pedido formal de adesão ao Conselho Europeu, que por sua vez solicita à Comissão que avalie o candidato com base nos critérios de Copenhaga. Se o parecer da Comissão for positivo, o Conselho Europeu deve então aprovar a abertura das negociações formais, que ocorrem entre os ministros e embaixadores dos governos da UE e o país candidato.
"Devido ao enorme volume de regras e regulamentos da UE que cada país candidato deve adotar como lei nacional, as negociações levam tempo para serem concluídas", explica a UE.
No total, mais de 30 capítulos são analisados e negociados para garantir que o país candidato tem o necessário para aderir à UE, e a aprovação de cada campo político requer o consentimento de todos os 27 Estados-membros. “Todo o processo de negociação só é concluído definitivamente quando todos os capítulos forem encerrados”, explica a UE no seu site oficial.
Cinco países estão atualmente no processo de integração das leis da UE na legislação nacional: Albânia, Montenegro, Macedónia do Norte, Sérvia e Turquia. Dois outros — Kosovo e Bósnia-Herzegovina — são classificados como "potenciais candidatos" porque ainda não atendem aos critérios para se candidatarem à adesão.
Em que ponto do processo de candidatura se encontra a Ucrânia?
A primeira etapa de adesão à UE já foi cumprida, depois de o presidente ucraniano ter apresentado o pedido de candidatura formal. Cabe agora à Comissão Europeia avaliar o pedido com base nos critérios de Copenhaga e anunciar o seu parecer, positivo ou negativo. O Conselho Europeu pode depois aprovar o pedido da Ucrânia, por unanimidade, enquanto o Parlamento Europeu terá de dar a sua aprovação por maioria simples. Se todos os votos forem a favor, a Ucrânia será oficialmente considerada candidata à adesão à UE. Só depois se dará início às negociações, capítulo por capítulo, que devem ser aprovados por unanimidade pelos 27 Estados-membros.
Embora a Ucrânia tenha assinado um acordo de associação com a UE em 2017 que permite o live comércio e “promove laços políticos mais profundos”, o país da Europa de leste nunca foi visto como um candidato oficial para as negociações de adesão.
Os esforços de Kiev para integrar a UE foram, até agora, frustrados pela oposição da Rússia – o que fez com que o bloco europeu evitasse a discussão sobre a adesão “para não antagonizar Moscovo”, como explica a agência Reuters.
Para além disso, antes da guerra, o bloco europeu sublinhava a necessidade de a Ucrânia implementar mais normas democráticas e restrições à corrupção antes de poder iniciar as negociações de adesão. Apesar de a Ucrânia estar num caminho pró-democrático e pró-europeu, a sua democracia ainda é vista como frágil e estas preocupações não serão agora esquecidas.
A invasão russa da Ucrânia veio, porém, alterar o panorama e a preocupação do bloco europeu de “não antagonizar Moscovo” é agora algo menos problemático, à medida que a UE e o Ocidente aplicam duras sanções à Rússia pela ofensiva militar.
"Esta agressão russa sem precedentes que estamos a vivenciar contra a Ucrânia, a forte condenação que temos visto pela UE, a indignação na União Europeia, Estados-membros, opinião pública – acho que é provável que sejam fatores que determinarão a maneira como responderemos [a um pedido de adesão]", disse um alto funcionário da UE à agência Reuters.
Desta forma, embora o processo de integração seja complexo e demorado, e apesar de o “processo especial” de integração reclamado pelo presidente ucraniano não exista no Tratado da União Europeia, se os Estados-membros quiserem acelerá-lo, isso pode ser possível, segundo explicou um funcionário familiarizado com o procedimento à Bloomberg.
Divisão entre os 27
No entanto, os 27 não parecem estar todos de acordo. Depois de a presidente da Comissão Europeia ter lançado a confusão ao afirmar, em entrevista à Euronews, que a Ucrânia “é um de nós e nós queremos que entre para a União Europeia”, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, veio apontar que existem “diferentes opiniões e sensibilidades” entre os Estados-membros da UE sobre esse ponto – relembrando, assim, que é o Conselho Europeu, e não a Comissão, que decide quem se junta ao clube europeu.
Por enquanto, o único apoio explícito à integração da Ucrânia na UE veio de um conjunto de países da Europa de Leste, formado pela Bulgária, República Checa, Estónia, Letónia, Lituânia, Polónia, Eslováquia e Eslovénia. Este grupo de países escreveu uma carta aberta onde exigem medidas para "conceder imediatamente à Ucrânia o estatuto de país candidato à UE".
Do lado ocidental, não foi manifestada nenhuma rejeição direta, mas alguns países têm pedido cautela e defendido que esta não é uma discussão para se ter neste momento. O primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, disse ao parlamento que esta “não é uma boa discussão” para se ter no momento atual, enquanto a ministra dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, Annalena Baerbock, lembrou que existem países que já fizeram progressos que vão ao encontro das reformas exigidas pela UE mas ainda não avançaram para as negociações, como é o caso dos países dos Balcãs ocidentais.
A França foi ainda mais longe, com o presidente Emmanuel Macron a alertar que “devemos ter cuidado para não fazer promessas que não podemos cumprir”, observando que embora a adesão da Ucrânia à UE seja bem-vinda, o caminho pressupõe uma “conversa de longo prazo”.
Por sua vez, o alto-representante para a Política Externa e de Segurança da UE, Josep Borrell, também foi taxativo, ao afirmar na segunda-feira que a adesão de Kiev ao bloco dos 27 “não é um assunto na agenda”. “Isso é uma coisa que não está na ordem do dia, acredite. Temos de trabalhar em coisas mais práticas. Em qualquer caso, a adesão é algo que levará muitos anos e o que temos de dar à Ucrânia é uma resposta para as próximas horas. Não para os próximos anos, mas para as próximas horas”, afirmou Borrell, sublinhando que “agora temos de lutar contra uma agressão”. O primeiro-ministro holandês Mark Rutte também defendeu que este “não é um debate para se ter neste momento”.
No entanto, este será certamente um tema que estará em cima da mesa do Conselho Europeu na cimeira que se realizará nos dias 10 e 11 de março.
Na terça-feira, o Parlamento Europeu aprovou, com 637 votos a favor, 13 contra e 26 abstenções, uma resolução que “apela às instituições da União para que desenvolvam esforços no sentido de conceder à Ucrânia o estatuto de país candidato à adesão à UE”.
c/agências