O presidente norte-americano está a ser acusado de dar a Vladimir Putin "luz verde" para agir na Ucrânia. Bastará à Rússia agir sem grande estrondo e verá, numa espécie de bónus, a confusão instalar-se entre as potências ocidentais, como insinuou Joe Biden.
O presidente entregou de bandeja ao presidente russo Vladimir Putin a melhor estratégia para cavar um fosso entre os EUA e os seus aliados europeus, consideram os mais críticos.
“Muito perturbante e perigoso” tweetou a representante republicana do Wyoming, Liz Cheney, muitas vezes um apoio decisivo a políticas dos rivais democratas.
Quinta-feira foi dia de a Casa Branca apagar fogos. O discurso presidencial retomou a hipótese mais grave que tem vindo a ser invocada. “Se quaisquer unidades militares russas passarem a fronteira ucraniana, isso é uma invasão”, a qual terá uma “resposta económica severa e coordenada”, esclareceu Joe Biden.
Ao explicar-se, o atual inquilino da Casa Branca não deixou de voltar a tocar na tecla da cautela.
A “Rússia tem um longo historial de outras agressões além das ações militares declaradas”, notou Joe Biden, dando como exemplos “táticas paramilitares, ataques em zonas alegadamente cinzentas e operações de soldados russos sem uniforme das forças russas”.
Menu de Putin
O assunto merece reflexão. Os EUA e seus aliados já decidiram o que fazer - impor sanções económicas severas - se a Rússia agir quanto à Ucrânia como um elefante numa loja de porcelanas, mas nada foi dito quanto a manobras mais discretas ou ao uso parcial das tropas, em pequena escala. Se observadores e analistas não têm visto sinais de divisão no bloco dos aliados ocidentais, o busílis da questão permanece: como determinar a severidade da infração e a resposta adequada. E que tipo de apoio dar a Kiev.
Putin tem uma panóplia de escolhas. Poderá por exemplo mover para o interior da Rússia a maioria das 100 mil tropas atualmente destacadas junto à fronteira, enquanto intensifica o apoio aos separatistas da região de Donbass, no leste da Ucrânia, mantendo a ameaça de invasão para conter Kiev ou levar os generais ucranianos a cometerem erros.
Pode igualmente lançar um ataque cibernético contra Kiev ou realizar pequenas incursões em território ucraniano justificáveis sob qualquer pretexto. Noutro cenário evocado na semana passada para o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais pelo cientista político Seth Jones e pelo ex-paramilitar da CIA Philip Wasielewski, e citado esta quinta-feira pela Associated Press, o presidente russo poderia enviar tropas “pacificadoras” para Donbass e recusar retirá-las enquanto negociações de paz não se concluíssem com sucesso.
Para Moscovo, isso significaria provavelmente a anexação das duas províncias leste da Ucrânia, Donetsk e Luhansk, até ao rio Dniepre, cenário que seria contraproducente se conseguido pela invasão declarada.
Essa, entre outras opções, iria “acarretar importantes sanções internacionais e implicar grandes dificuldades económicas, além de contrariar os objetivos de enfraquecer a NATO ou afastar os EUA dos seus compromissos para com a segurança europeia”, escreveram os analistas.
Quando, como e porquê
Até agora foi prometida uma resposta dura pelos aliados em caso de invasão mas parece nada estar previsto em concreto quanto aos castigos políticos e financeiros a impor ou quanto aos extremos que os poderão desencadear.
Se o ministro britânica da Defesa, Ben Wallace, garantiu esta semana no Parlamento que “está pronto um pacote de sanções que irão garantir que o Governo russo será castigado se pisar a linha”, também se escusou a definir que linha será essa.
E questionado sobre a “incursão menor” evocada por Biden, um diplomata francês, sob anonimato, não comentou nem as consequências decididas por um amplo “consenso europeu” nem a definição do que poderá constituir um ataque à soberania ucraniana.Numa ação aparentemente concertada, o ministério da Defesa da Estónia anunciou esta sexta-feira em comunicado que o país irá enviar para Kiev mísseis anti-blindados, com as vizinhas Letónia e Lituânia a contribuírem com mísseis stinger anti-aéreos.
Quarta-feira, o presidente Joe Biden sublinhou que a estratégia na coordenação das sanções a aplicar, por exemplo a nível bancário, é complicada devido aos prováveis efeitos económicos negativos nas economias tanto dos Estados Unidos como a Europa.
“Tenho de ter a certeza de que estamos todos de acordo antes de prosseguir”, explicou. O ministro ucraniano dos Negócios estrangeiros referiu entretanto ter falado com Biden sobre um novo reforço das capacidades defensivas da Ucrânia.
Regresso a 1997
Com o atual braço de ferro, o presidente russo pretende extrair garantias por parte da NATO de que não aceitará a Ucrânia como membro. Exigências que não só a Aliança como as principais potências europeias e os Estados Unidos já recusaram categoricamente.
Esta sexta-feira, a Aliança rejeitou igualmente exigências russas para retirar as suas armas, tropas e demais equipamento estacionadas na Roménia e na Bulgária, num regresso às fronteiras de 1997 como garantia de segurança.
O assunto dominou o encontro realizado em Genebra entre os responsáveis dos Negócios Estrangeiros dos Estados Unidos e da Rússia.
"A NATO não irá renunciar à sua capacidade de proteger e defender os seus membros, incluindo com a presença de tropas na zona leste da aliança", declarou em comunicado a porta-voz da NATO, Oana Lungescu.
Em 2014, quando anexou a Península da Crimeia e apoiou as milícias separatistas ucranianas, Vladimir Putin enfrentou algumas sanções internacionais que nada mudaram. A Crimeia pediu para ser integrada na Federação Russa e o conflito no leste da Ucrânia fez desde então cerca de 14 mil mortos.