Turquia e Irão concertam agendas e cooperação para um novo Médio Oriente
O Presidente sírio, Bashar al-Assad, deverá ser, neste momento, o homem mais desconfiado de Damasco, ao ver a aproximação entre um dos seus principais apoiantes, o Irão, e um dos seus mais velhos inimigos, a Turquia.
A oposição turca e iraniana a Israel e aos Estados Unidos, o seu apoio comum ao grupo palestiniano Hamas, e a necessidade de manter controladas as populações curdas de ambos os países, revelaram-se entretanto campo fértil ao entendimento noutras frentes.Os líderes de Ancara e de Teerão têm vindo a estreitar laços, apesar de Hassan Rouhani, o Presidente iraniano, ser xiita e Tayyip Erdogan, o Presidente da Turquia, seguir o ramo sunita do Islão, opositor tradicional do xiismo.
Não é difícil imaginar a agenda de terça-feira, apesar de esta não ter sido totalmente revelada, sendo apenas referidas genericamente questões regionais e internacionais, como a pandemia de Covid-19.
Já o acordo, concertado pela Administração de Donald Trump, entre Israel e os Emirados Árabes Unidos, e o descongelamento da oposição árabe aos israelitas que ele prenuncia, são uma ameaça muito mais grave, tanto para o Irão como para a Turquia.
Teerão avisou dia oito de setembro os EAU contra a possibilidade de deixarem Israel lançar ataques sobre o Irão a partir do seu território. Só a possibilidade do acordo entre Israel e os EAU abrir a porta a uma possível presença militar israelita em solo dos Emirados é considerada uma ameaça à segurança no Golfo Pérsico.
"Abu Dabi é responsável por isto", afirmou um alto responsável iraniano, e devia denunciar o acordo com a "entidade sionista" [Israel] para evitar novos conflitos. O acordo tem sido descrito como uma "traição" por Hassan Rouhani e o alto responsável deixou um apelo ao príncipe herdeiro dos Emirados, Mohammed Bin Zayed, para não basear as suas decisões políticas em "ilusões".
No mesmo dia, a televisão estatal do Irão anunciou que a central de centrifugação de urânio de Natanz, destruída a dois de julho de 2020 num incidente ainda por explicar, iria ser substituída, de acordo com o responsável pela agência atómica iraniana. "Sobre a ação maldosa de sabotagem levada a cabo, foi decidido estabelecer uma sala de centrifugação maior, mais moderna e mais abrangente, no seio das montanhas perto de Natanz", anunciou Ali Akbar Salehi, citado na reportagem da tv iraniana.
Já Israel acusa os iranianos de estarem a desenvolver armamento nuclear e aponta a ameaça que um regime xiita nuclear representaria, para si e para os países sunitas da região.
O virar de costas de Erdogan ao Ocidente é cada vez mais evidente, ao procurar na Rússia, no Irão e em grupos extremistas, apoios às suas pretensões de recriação da área de influência do Império Otomano, que não encontra nem na Europa, nem nos Estados Unidos, nem entre os países árabes.
Apesar de ser membro da NATO, Ancara tem ido a Moscovo equipar o seu exército e adotou uma política agressiva no Mediterrâneo Oriental, por oposição a Atenas, a Paris e a Nicosia, pelo controlo da exploração de hidrocarbonetos da área. Tem também tentado controlar a Líbia.Na sua ambição, a Turquia esbarra nos interesses egípcios, israelitas, sauditas e dos Emirados, todos estes apoiados pela Administração Trump.
Sob a ameaça de sanções económicas ocidentais, Turquia e Irão, a par da Rússia, terão tendência a contornar as dificuldades virando-se para a China, a segunda maior potência mundial, que tem visto o seu domínio económico coartado pelo mesmo Presidente norte-americano que se lhes tem oposto, e governada por um regime igualmente ditatorial.
Apesar da velha inimizade sunita-xiita, outros interesses mais altos se estão a levantar. E a cooperação, para já política e económica, poderá em breve assumir um rosto militar.